quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Capítulo III: Sobre a solicitude do Estado para com o bem-estar positivo do cidadão



O texto abaixo, saiu do artigo de Wilhelm von Humboldt, resumido por Roberto Fendt, com titulo: Os Limites da Acção do Estado.

Pela importância da parte, coloco a disposição dos amigos leitores para discussão.



Tendo em vista as conclusões a que chegamos no capítulo anterior, poderíamos proceder de modo a derivar uma limitação ainda mais estrita à acção do Estado: qualquer interferência do Estado em assuntos particulares – em que não ocorra qualquer violência aos direitos individuais – deveria ser absolutamente condenada.



Falo aqui do esforço do Estado para elevar o bem-estar positivo da nação, de seus cuidados pela população do país, da manutenção dos habitantes, em parte através de hospitais, em parte através do fomento da agricultura, da indústria e do comércio; de todas as operações financeiras e monetárias, das proibições de importação e exportação, etc. Finalmente, de todas as disposições para a protecção e compensação de danos produzidos pela natureza, animadas pelo propósito de manter ou fomentar o bem-estar físico da nação.



O Estado pode ter duas finalidades: pode incentivar a felicidade ou somente querer impedir o mal, aí incluído o mal dos próprios homens. Se limitar-se ao último, o Estado busca somente a segurança; e me permitam contrapor o termo segurança a todas as demais finalidades possíveis, que agrupo sob o nome de bem-estar positivo.



A diferença dos meios empregados pelo Estado dá também à sua acção uma extensão diferente. O Estado procura obter seu fim directamente, seja pela coação – leis prescritivas e proibitivas, penas – ou por estímulos e exemplos; ou de maneira imediata, procurando moldar a vida externa dos cidadãos e impedindo-os de actuar de outra forma; ou, finalmente, procurando influir sobre seus corações e mentes para que estejam em conformidade com ele. No primeiro caso, o Estado determina somente acções particulares; no segundo, determina todo o modo de actuar; por fim, no terceiro, o carácter e o modo de pensar. O efeito da limitação é, no primeiro caso, mínimo, no segundo, maior, e no terceiro, máximo, em parte porque actua sobre as fontes de que brotam múltiplas acções, em parte porque a própria possibilidade de ocorrência do efeito requer muitas medidas.



Sustento que todas essas disposições têm consequências nocivas e que são inapropriadas para um verdadeiro sistema de sociedade organizada; um sistema que parta das mais altas aspirações, embora de forma alguma incompassível com a natureza humana.


1. O espírito de governar predomina em todas as instituições estatais. Por muito sábio e salutar que seja esse espírito, produz na nação uma uniformidade e uma maneira contida e artificial de actuação. A sociedade passa a ser composta de vassalos isolados que entram em relação com o Estado; isto é, com o espírito que domina em seu governo, e em uma relação tal que o poder prevalecente do Estado reprime o livre jogo das energias individuais.



Por conseguinte, quanto mais actua o Estado, tanto mais semelhantes serão, não só todos os agentes, mas também os pacientes. Essa é precisamente a aspiração dos Estados. Eles querem bem-estar e tranquilidade Mas ambas se obtêm com facilidade justamente na medida em que o indivíduo luta menos contra os outros. Só que o homem aspira e deve aspirar a algo completamente diferente, à variedade e à actividade. Somente isso produz caracteres diversificados e vigorosos; e por certo não haveria alguém tão degradado que prefira para si mesmo bem-estar e felicidade à grandeza.



2. A segunda consequência nociva é a de que tais instituições estatais enfraquecem a vitalidade da nação. Em geral, o entendimento do homem só se forma, como qualquer outra de suas faculdades, graças à própria actividade. As instituições estatais, porém, trazem sempre consigo maior ou menor coação, e mesmo quando não fosse esse o caso, de qualquer forma habituam em demasia os homens a esperar das instruções a condução e a ajuda alheia, em lugar de encontrar soluções por si mesmos.



Sofrem ainda mais, sem dúvida, a energia da acção em geral e o carácter moral por uma acção ampla do Estado. Quem é dirigido muito e com frequência, sacrifica com facilidade e voluntariamente o restante de sua própria vontade. Se sente liberado pelos cuidados que vê em mãos alheias e crê fazer o suficiente com o esperar e seguir as suas directivas. Com isso se atrofiam suas percepções do mérito e do dever. Não somente se acredita livre de toda obrigação que o Estado lhe imponha de maneira expressa, como se sente também liberado de todo e qualquer esforço para melhorar sua própria situação. E procura burlar, na medida do possível, as próprias leis do Estado, considerando cada evasão como um ganho.



3. É inestimável o ganho em grandeza e beleza que o homem obtém quando se esforça incessantemente para que seu ser interior seja sempre a primeira fonte de toda sua acção. Ocorre que a liberdade é a condição necessária sem a qual mesmo o empreendimento mais espiritual não poderia produzir efeitos saudáveis dessa natureza. O que não foi escolhido pelo próprio homem não se incorpora ao seu ser, permanece sempre alheio, não é feito com energia propriamente humana, mas com habilidade mecânica.



4. A solicitude de um Estado para com o bem-estar positivo de seus cidadãos é nociva porque tem que actuar sobre uma multidão heterogénea, prejudicando o indivíduo com medidas que somente se adaptam a cada um com deficiências consideráveis.



6. Quem quer que tenha tido a oportunidade de relacionar-se com a alta administração do Estado sabe, por experiência própria, como poucas medidas possuem de fato uma necessidade imediata e absoluta. Daí se segue que é necessário uma quantidade excessiva de meios, e esses meios são subtraídos da obtenção do fim propriamente dito. Não é só que o Estado requeira maiores receitas, mas que requererá também os dispositivos mais artificiais para a manutenção da segurança política, suas partes terão menos coesão e a tutela do Estado terá que ser muito mais activa. Daí surge um cálculo difícil e infelizmente quase sempre omitido, sobre se as forças naturais do Estado são suficientes para a implantação de todos os meios necessários. Se esse cálculo é incorrecto, se produz um desequilíbrio; então, novas disposições artificiais devem extremar as forças – um mal de que padecem muitos Estados modernos, embora não somente por essa causa.



Não há que subestimar aqui um dano que toca de muito perto o homem e sua formação, isto é, que a administração dos assuntos do Estado se enreda com ele de tal maneira que, para não levar a uma confusão, se requer uma inacreditável quantidade de disposições detalhadas e se necessita ocupar um número equivalente de pessoas. Destas, a maioria tem somente que tratar com a burocracia. Com isso, não somente se subtrai do pensamento muitas cabeças talvez capazes, e do trabalho real, muitas mãos que estariam mais utilmente ocupadas com outras coisas, mas também suas forças espirituais padecem dessa ocupação em parte vazia, em parte unilateral em demasia. Surge assim uma nova e generalizada tutela dos assuntos do Estado, e esta depende dos servidores do Estado, que paga os seus salários, que da nação. Com isso, os assuntos se tornam quase que inteiramente mecânicos e os homens, máquinas; e a verdadeira habilidade e rectidão diminuem junto com a confiança.



Se quisermos extrair um resultado dos argumentos precedentes, o primeiro princípio dessa parte da presente investigação deve ser: que o Estado deve abster-se de toda interferência pelo bem-estar positivo dos cidadãos, e não dar nenhum passo além do necessário para garanti-lhes a segurança frente a si mesmos e aos inimigos externos; que não limite a liberdade deles com vistas a nenhum outro fim.


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