terça-feira, 26 de junho de 2007

A Sub República de Moçambique

Sobre aquilo que todos sabem e ninguém quer fala

O belo Moçambique é um país que comporta um vastíssimo território. Tal território abriga mais de dezanove milhões de pessoas, (muito próximo de vinte milhões), onde mais de metade são, por um lado mulheres e por outro lado menores de idade. Para completar a imagem é importante referir que muito próximo de 70% vive nas zonas rurais, ou mais simplesmente no campo.
É portanto sobre essa parte que compõe os 70% que me proponho a fazer comentários e perguntas.
Tive por imperativos do trabalho a oportunidade de ficar na região norte do país, (incluindo Zambézia) durante um período próximo a quinze dias, tempo que para o bem do meu horizonte social ajudou a compreender a outra parte de Moçambique a que me propus chamar de “Sub República de Moçambique”.
Entendo uma “sub república” como aquela que estando no mesmo território chamado pelo nome de um determinado país corresponde a outra que pelas características que apresenta é inferior, é dependente e é muitas vezes a base ou o chão da república no verdadeiro sentido da palavra.
Para o caso de Moçambique, gostaria de definir a Sub República de Moçambique como aquela que é composta pelas pessoas que vivem nas zonas rurais ou no campo e é constituída por cerca de treze milhões e seiscentas mil pessoas que neste caso seriam os 70% da população total do país.
A República é uma comunidade política organizada, visa um interesse comum de todos os cidadãos e comporta um chefe de Estado que é eleito para um mandato temporário. Podemos chamar para estes comentários e perguntas os elementos do Estado para ajudar a nossa imagem de república, assim, a república comportaria também um povo, um território e um povo (obviamente).
A Sub República, seria neste caso, o conjunto do povo que mora em um território que embora esteja dentro do país é delimitado nas zonas rurais ou no campo e é assistido por um Governo que a medida que sai da cidade chega na Sub República totalmente enfraquecida.
A Sub República de Moçambique pode ser classificada partindo de duas perspectivas. Primeira: partindo da cidade para o campo; segunda: partindo de Maputo para as outras províncias. Ou seja, em Moçambique, a República é por um lado a cidade e o campo a Sub República e por outro lado Maputo é a República e o resto das províncias a Sub República.
Porque os motivos editoriais impedem os prolongamentos, prefiro e também por razões de síntese textual considerar somente a primeira perspectiva, ou seja a República de Moçambique Cidade e a Sub República de Moçambique Campo.
Fiquei na Sub República de Moçambique cerca de quinze dias e ai compreendi como as coisas funcionam. Fora os problemas óbvios como a falta de energia eléctrica, água potável, vias de acesso adequadas, transportes de passageiros com segurança, internet, hospitais, escolas próximas a povoação, hotel ou pensão com pelo menos rede mosquiteira, cabinas de telefones públicos, lugares de lazer e divertimento, bibliotecas, segurança, lojas com produtos de primeira necessidade, entre outros chamou atenção o seguinte:
A Sub República é composta por pessoas que na sua maioria não estão civilmente registas e poucas tem um bilhete de identidade. Ou seja, composta por pessoas que por questões de formalidade não podem exercer a sua cidadania e nem podem provar que são moçambicanas (pelo menos através de um papel formalmente válido e reconhecido);
A Sub República caracteriza-se no seu dia a dia por uma forte ausência de informação, ou porque os jornais nunca chegam (quando chegam são distribuídos nas repartições públicas) ou porque as pessoas não podem ler a língua oficial que é o português, ou então porque ainda não captam o sinal televisivo, que se é captado só existe para aquelas poucas pessoas que têm um aparelho chamado televisor.
As pessoas na Sub República para alem de não serem cidadãs, não estão a par do que acontece na Republica. Desconhecem os critérios de tomada de decisões (feliz ou infelizmente, muitas decisões da República têm como objecto ou projectam suas repercussões na Sub República, embora visem seu próprio bem), desconhecem a agenda política, social ou económica do país e neste preciso momento ainda nem ouviram falar que haverá eleições provinciais (dá para perceber que, se com as eleições provinciais há alguma vantagem esta não é para a Sub República).
A Sub República não tem noção de seus direitos, desconhecem a constituição, alias, o debate que conduziu a aprovação da actual Constituição da República não aconteceu na Sub República (logicamente). É que, até na República só tiveram o privilegio de discuti-la os membros do Partido, como se só fossem cidadãos os que estão filiados nos partidos. E por falar em partidos a Sub República é quase sempre conotada com a oposição.
A Sub República conhece só o sub emprego: guardas, limpadores de estradas, vendedores ambulantes, operadores de balcão e outros. Por mais que a pessoa lute e lute, são poucas as suas chances de chegar a um emprego. É assim a regra na Sub República, pois o nível académico só vai até sétima classe, com milagres ainda pode chegar a décima.
É distribuída na Sub República uma grande quantidade de GIN a preço muito baixo. Tal GIN já vem com uma exagerada dose de álcool. É claro que também é grande a distribuição de álcool na República, com a única diferença de haver mais opções aqui que lá. As pessoas na sub Republica são convidadas a beberem grandes quantidades de álcool mesmo sem facilidades de boa alimentação, acesso a serviços de saúde e capacidade de moderação. É que quem vive na Sub República já está proibido de sonhar.
Poderia contar muitas outras constatações pessoais durante a estadia na Sub República de Moçambique, mas vale a pena procurar saber porque é que as situações são assim. Será da globalização? Que globalização? Será do mercado aberto? Que mercado? Ou será das políticas do banco Mundial e FMI? Mas o que é isso também? Será da política governava de quem está na Republica? Ou será da dimensão do País? Será um parágrafo da máxima dividir para reinar? Mas reinar sobre o que e sobre quem? Alguém é feliz em ser rei dos pobres e de sub cidadãos?
Quando se fala do desenvolvimento de Moçambique na verdade quer-se dizer da República e ninguém explica que se exclui a Sub República. Quando se planifica, quando se noticia, quando se ausculta e se debate é tudo sobre a República e não também da Sub República. É que a Sub República só serve para efeitos de estatísticas.
Agora que se pensou em dar sete milhões para desenvolver o distrito, até eu acreditei que esse já era um grande passo, mas a surpresa veio ao de cima: o valor será aplicado em micro créditos ou financiamento e não é investimento público, mais uma vez a Sub República é votada a sorte de Deus, porque o Estado virou banqueiro. Será que alguém já pensou no papel que mesmo nessa condição a Sub República desempenha para o bem estar da República?

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Comissão Nacional de Eleições: Algumas Perguntas Menos Importantes

A nova legislação eleitoral procurou desta vez ser o mais democrática possível. Afinal estamos em um Estado de Direito e vale a pena procurar através de mecanismos apropriados criar ambiente e clima para que no mínimo seja possível a realização de eleições livres e justas.
É através do sufrágio universal que o povo exerce o poder e a sua soberania, aliás, em Moçambique a soberania reside no povo. E como os processos eleitorais moçambicanos tem sido acompanhados de graves acusações de fraude e interferência do maior partido, o facto da lei procurar ser mais aberta a sociedade civil isso significa uma grande progressão na construção de uma sociedade democrática.
Embora se espere um processo mais justo, mais imparcial e participativo, também estamos acostumados a criação de mecanismos que na sua forma e essência são altamente necessários e brilhantes e que na sua pratica só decepcionam o cidadão atento na medida em que se mostram cada vez mais distantes dos fins para os quais foram constituídos.
Exemplo pratico é o gabinete de combate contra a corrupção que não consegue sair da retórica e desculpas para acções concretas e exemplares no sentido de mitigar o mal. Mas esta não é a questão. A questão centra-se na Comissão Nacional de Eleições.
Desta vez entendeu o legislador que a Comissão deveria ser composta por oito membros indicados pela sociedade civil. É claro que os oito devem ter a idoneidade necessária para prosseguirem tal fim que é da nação inteira. É também dos oito membros que sairá o presidente da respectiva Comissão.
O que foi publicado até agora dá conta de que cinco individualidades já foram indicados pelos dois partidos com assentos no parlamento, sendo três membros do maior partido e dois membros do menor partido e sua união. Os cinco já são membros da Comissão, e cabe a estes seleccionarem das candidaturas submetidas pela sociedade civil os restantes oito, sabendo que depois da tomada de posse os treze deverão eleger o presidente do meio dos oito.
O Observatório Eleitoral, um mecanismo não governamental e apartidário já seleccionou seus candidatos vindos de diferentes organizações da sociedade civil e comunidades religiosas. Uns que não preferiram a via do Observatório já apareceram em televisão apresentando pessoal e individualmente as suas candidaturas, espera-se que outros aparecem, de forma individual, acompanhados ou apadrinhados por uma ONG ou uma rede de ONGs e apresentem suas candidaturas, alias, o prazo termina já no final de semana.
O processo todo deverá ser concluído ainda no mês em curso, dado que a data para as eleições deverá ser fixada pelo menos com uma antecedência de cento e oitenta dias e, pelo menos as eleições provinciais deverão ser realizadas ainda no presente ano sob muitas penas. Daí a correria.
Uma coisa é certa, o facto da Lei abrir a porta para a sociedade civil, dando espaço para oito individualidades por ela indicadas, deixou uma batata muito quente os cidadãos. É aqui que começa a dúvida e é por aqui que gostaria de fazer as minhas menos importantes perguntas:

A Lei deixa que a Sociedade Civil se candidate e dispute as oito vagas através de individualidades e personalidades devidamente reconhecidas e que gozem de uma certa idoneidade. Quem é a sociedade civil, qual a sua definição e quem é que não cabe nela? Que instrumento será usado para medir a tal idoneidade e como ela será comparada de entre os oito elegíveis a presidente da Comissão Nacional de Eleições.

Já que todo mundo pensa que é Sociedade civil, qual sociedade Civil os cinco vão considerar para as oito vagas? E como esta saberá que chegou a satisfazer a expectativa dos cidadãos? Será este mecanismo para levar os cidadãos a exercerem seu poder constituinte ou simplesmente para legitimar as intenções já conhecidas dos partidos e dos políticos?

Depois da Lei definir os critérios de candidatura dos oito membros, que legitimidade os cinco tem de acrescentar outros requisitos para o mesmo efeito? Afinal porque é necessário que haja outros mecanismos acima dos que a Lei menciona? Será isso legal? E já agora Constitucional?
A Lei dá conta de que a selecção dos oito deverá ser por consenso entre os cinco. Na sua falta então optar-se-á pelo critério da maioria. A pergunta é: será publicada a lista de todos os candidatos? Será dado ao cidadão conhecer o perfil dos candidatos? E na falta do consenso não virá o maior partido abusar do poder da sua maioria para impor a sua vontade? E sendo esta imposta, que Comissão Nacional de Eleições será constituída?

Na hipótese de vários mecanismos apartidários apresentarem seus candidatos, seleccionados de entre vários concorrentes e tendo para o efeito usado meios e formulas capazes de envolver de forma critica e construtiva a Sociedade Civil, que peso isso poderá ter entre os cinco já que os critérios que estes lançaram são omissos quanto a questão. Embora a Lei, também, nada diga sobre isso quais são os limites nos procedimentos internos dos cinco que poderão nortear o processo?

Dada a fraca comunicação no interior do nosso país, que facilidades foram dadas aos cidadãos que moram no interior de províncias fora de Maputo no sentido de estarem devidamente informados e a tempo poderem submeter suas candidaturas. Sem essas facilidades, que Comissão Nacional de Eleições esperamos? De somente residentes na Cidade e Província de Maputo?

Que dizer quanto ao género? Será que os partidos dos cinco e os próprios cinco se lembram do compromisso dos trinta porcento? Sendo afirmativa a resposta porque não foi observado na indicação dos cinco?

Imperativos editoriais obrigam-me a parar com as perguntas, mas é importante lembrar que fora de termos processos eleitorais manchados por acusações de fraudes e violência, também conhecemos nos últimos pleitos uma onda generalizada de abstenções. Espero eu que este dado tenha sido usado para definir a política e a filosofia da futura Comissão Nacional de Eleições.
Outro dado importante sempre mencionado desde que conhecemos eleições no país está ligado a má gestão de recursos disponíveis o que acaba prejudicado o trabalho todo. Também espero que este ponto tenha sido muito bem estudado ou pelo menos colocado na primeira agenda dos comissários, pois conhecendo bem o meu povo, muitos dos que se vão candidatar estão a correr atras de dinheiro e seu bem pessoal, longe de quererem contribuir para o bem deste jovem pais.
Como cidadão tenho dois desejos: ver meus candidatos passarem e poder participar em um processo eleitoral justo, livre e transparente.
Mais não disse!