segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Execuções Sumárias e Tortura: Confererência de Imprensa

Generalidades

A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, organização da sociedade civil dedicada a defesa e promoção dos direitos humanos, apresenta hoje em conferência de imprensa as suas constatações sobre a situação das execuções sumárias e tortura no país desde Dezembro de 2007 até ao momento.

Antes de mais, é preciso parabenizar o grandioso trabalho que a Polícia da República de Moçambique tem realizado no combate a criminalidade e na garantia da ordem e tranquilidade públicas.

Moçambique é um país em que a criminalidade tem atingido nos últimos dias, proporções alarmantes, principalmente devido a maior organização dos criminosos e fraquezas no sistema nacional de prevenção de crimes.

Execuções sumárias e torturas são, na sua maioria, crimes cometidos por polícias ou outros agentes da lei e ordem, sendo que a história do país contribuiu bastante para a manutenção desse tipo de crime nas práticas quotidianas da corporação.

Embora Moçambique seja parte da Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos degradantes, esses crimes ainda não têm nenhuma cobertura legal no nosso sistema jurídico, sendo em todas circunstancias tratados como ofensas corporais ou homicídios e não tortura e execuções sumárias respectivamente.

Situação Actual

Até ao momento, a Liga de Direitos Humanos, tem na sua sede nacional, referentes a Maputo e Matola, reportado 15 casos de prováveis execuções sumárias, sendo que destes, não há dúvidas de que 7 foram realmente cometidos por agentes da corporação.
Por questões obvias não mencionaremos os nomes das vítimas nem de alguns autores já conhecidos.

Dos sete casos, 3 são referentes aos corpos descobertos na vala comum da Moamba, sendo que um dos corpos pertencia a um jovem que em vida esteve detido no Comando da Cidade, que confirmou sua detenção e apreensão de seus bens domésticos.

Os outros quatro referem-se a dois cidadãos que em circunstancias diferentes foram abordados pela polícia, sendo que um deles foi baleado na sua própria viatura, tendo perdido a vida no Hospital Central e outro retirado da viatura e conduzido a um campo onde veio a ser baleado na Moamba.

Os outros dois referem-se também a dois jovens que foram mortalmente baleados um na Av. Acordos de Luzaka e outro na paragem de chapa do Benfica.

Os 8 corpos restantes dizem respeito a: 3 referentes a outro grupo de jovens considerados meliantes que foram executados e também enterrados na Moamba, sendo que um deles esteve detido na BO.

Os cinco referem-se a 3 jovens mortalmente baleados na Av. Guerra Popular e outros dois na sequência de 5 de Fevereiro.

Na sequência, a Liga dos Direitos Humanos, recebeu denuncias de vários casos de cidadãos que são dados por desaparecidos, sendo no total 6: três detidos, um dos quais mais tarde descoberto morto na Moamba na companhia de mais 2 jovens e outros três que desapareceram nos arredores das sua próprias moradias.

Até ao momento temos reportados 5 casos de tortura, sendo dois a quando dos acontecimentos de 5 de Fevereiro e 3 acontecidos recentemente, na semana que antecede o jogo de futebol entre a selecção moçambicana e a do Costa do Marfim, quando dois agentes interpelaram os jovens, os algemaram e sem razão nenhuma começaram a bater neles cruelmente tentando provar que eram criminosos.

Lembrar que a execução sumaria é sempre a fase mais elevada da tortura.

Entretanto, dois casos tiveram uma conclusão judicial favorável, sendo o caso Costa do Sol em que três agentes foram condenados a 21 anos de prisão e o caso do agente da casa militar que foi condenado a 18 anos de prisão.

Dos casos anteriores, há que salientar que o caso Penicela foi na semana passada acusado pelo Ministério Público e acredita-se que brevemente seguirá os seus ulteriores passos processuais.

Causas das Execuções Sumárias

Várias podem ser as causas que levam os policiais a torturarem e ou a executarem cidadãos que se suspeitem ser criminosos, dentre várias podemos citar as seguintes:

Discursos preconceituosos e violentos como: impingir ódio ao criminoso, vingança ao criminoso, acabar com os criminosos;

Má selecção e má preparação ou treinamento dos agentes da lei e ordem que devem lidar com criminosos (recrutados na camada mais débil da população).
Dificuldades de dominar as técnicas de prevenção e investigação dos crimes (investigação, estratégia e inteligência);

Associação criminosa entre agentes policiais e bandidos (crime organizado);

Más condições de trabalho (salários baixos, falta de alimentos durante o dia de trabalho, esquadras sem condições materiais mínimas, farda e viaturas envelhecidas, etc) e incapacidade de manter uma superioridade de circunstancias com os criminosos (uma autoridade já afirmou que polícias trabalham no medo)

Corporativismo, impunidade e falta de Lei que condene as práticas: execuções sumárias e tortura);

Quem Ganha Com a Tortura e as Execuções Sumárias

Mesmo que a política da corporação ou de alguns agentes que se pautem pelo assassinato de supostos criminosos, seja de manter a sociedade livre de malfeitores, a verdade é que a sociedade não ganha com isso. Ganham os criminosos e os vendedores de informação sensacionalista e nunca o Estado e a sociedade.

A tortura por exemplo, cria transtornos pesados e as vezes nunca reparáveis, tanto na vida de quem tortura bem como de quem é torturado.

Em Moçambique não há pena de morte e todos tem o direito a um julgamento justo. Na verdade, executar um cidadão, significa retira-lhe toda a possibilidade de gozar do seu direito a vida e de todos outros direitos a esse inerentes.

Conclusões e Recomendações

O problema da tortura e das execuções sumárias em Moçambique continua sendo muito grande e é agravado por duas situações: falta de uma política pública de segurança pública e aceitação do mal pela corporação. Ou seja, a estratégia de combate ao crime não é participativo e inclusivo e a corporação recusa que no país os agentes executam sumariamente os cidadãos.

Hoje, diferentemente dos anos anteriores em que descobríamos corpos sem vida no Costa do Sol e sabia-se do respectivo campo como lugar de execuções, sabe-se que Moamba e outros lugares distantes são escolhidos para essas práticas, entretanto, como todos sabem, não há crime perfeito e sempre ficam rastos que indicam a mão da polícia, sejam eles no activo ou fora da corporação.

Mesmo que a corporação recuse, sabe-se que a nossa polícia está estruturada para matar. Está dentro dela uma boa parte dos antigos militares e as ordens mostram que o bandido deve ser eliminado. Isso por si só, vai perpetuar o mal, ou seja, mesmo os ganhos que temos em termos de condenações não vão ajudar em nada, pois, mais policiais, mais prisões e mais condenações significam mais presos, mas não necessariamente menos crimes.

Na verdade o se pretende não é intervir de forma individual mas estruturalmente, prevenindo o mal na sua base e não nos seus efeitos.

Assim, é necessário:

· Que o Estado perceba que a nossa policia trabalha em péssimas condições, que o seu salário é humilhante e que ele não tem o orgulho do seu trabalho;

· Que o criminoso, embora seja bandido é um ser humano e não um alvo a abater, dai que é preciso moderar o discurso do combate a criminalidade;

· Que é preciso purificar as fileiras policiais que estão capturadas pelo crime organizado;
· Que o Estado precisa de uma Lei Contra a Tortura e Execuções Sumárias;

· Que não basta ter armas e polícias no campo, é preciso que tenhamos um política de segurança pública inclusiva e participativa;

· Que a impunidade é um dos grandes incentivos a desmandos, corrupção e más práticas de agentes do Estado;

· É importante que os cidadãos participem tanto no combate a criminalidade bem como na denuncia de todos actos praticados pelos policias: tortura e execuções. Sempre que um familiar desapareça de casa por um período anormal comunique-se às autoridades;

2 comentários:

Joaqum Macanguisse disse...

desculpa por expor neste espaço uma situacao nao muito ligado ao assunto em debate.Havendo um jurista a visitar este blog agradeço seus comentarios . Um estudante da UEM ( vindo da provincia de Tete ) acaba de ser expulso da Pousada dos CFM aonde arrendava um quarto apenas por ter permitido que um amigo seu tambem residente la usasse sua sena de refeicoes.A diretora do centro ( pousada ) da um prazo maximo de 48 Horas para esse retirar do quarto.tao aflito este mesmo estudante ja nao vai as aulas ,pois tem estado a procura de nova casa da arendar.a minha questao é seguinte ! nao sendo este conflito resultante de um acto de violencia e nao tendo o mesmo algum atecedente gravoso sera que a lei permiti que alguem seja desalonjado em menos de 48 Horas . como cidadao preucupa-me esta situacao .

umBhalane disse...

No Moçambique para Todos

"CANSEI DE ESPERAR

Parabéns à Liga dos Direitos Humanos de Moçambique (LDH).

Parabéns ao Dr. Custódio Duma.

É preciso coragem, no contexto.

Eu sei.

Por isso

BAYETE

para Vós.

Grande, e solidário abraço.

umBhalane"

Posted by: umBhalane | 19-09-2008 at 14:40