segunda-feira, 22 de setembro de 2008

ALMERINO MANHENGE DETIDO:


Que Mensagem para o povo Moçambicano?

Eu sou uma das pessoas que na verdade, embora seja jurista, não acredita muito no nosso Sistema de Administração de Justiça, pois, em muitas ocasiões, ele já se mostrou incapaz de julgar com imparcialidade, isenção e sentido de justiça.

Em situações que não são poucas, muitos culpados foram inocentados e muitos inocentes foram culpados, para não falar de ocultação de informações e execuções sumárias.

Entretanto, depois de muitos terem gritado, o que era dado como caso perdido é trazido a tona por uma noticia bombástica: Manhenge, antigo ministro do Interior é detido com mais oito pessoas, penso eu, também envolvidos no caso que é considerado um dos maiores escândalos financeiros deste país.

Com efeito, de acordo com a auditoria da Inspecção Geral das Finanças, solicitada pelo actual ministro do Interior José Pacheco, chegou-se a conclusão, no começo do ano de 2006, que antigo Ministro do Interior, Almerino Manhenge era responsável pelo desvio de cerca de 10 milhões de dólares americanos dos cofres do Estado.

Depois de ter corrido uma informação que não veio a ser confirmada, segundo a qual Manhenge estava em prisão domiciliária e, depois de muitos exigirem uma explicação sobre o silencio que pairava no caso, hoje, dia 22 de Setembro de 2008, noticia-se que a mando da Procuradoria Geral da República, Manhenge foi detido e com ele mais oito pessoas.

Recebi a informação com susto, porque não é costume neste país ouvir-se falar de detenções de antigos ministros, se não estou enganado, Manhenge é o primeiro antigo ministro a ser detido e isso não é uma notícia para com ela se brincar.

Entretanto, há poucos dias alguém apareceu a dizer que o tal dinheiro havia sido usado para compra de armas. Seja como for, não é preocupação o fim para que foi aplicado o dinheiro, a grande preocupação, neste texto, é de saber qual a mensagem que se pretende trazer ao povo com a detenção do antigo Ministro do Interior. Para responder a esta questão, vou propor algumas hipóteses:

Primeira: para salvar o principio segundo o qual em Moçambique ninguém está acima da lei. Este princípio, no país, parecia estar morto, principalmente depois do antigo Procurador Geral da República, o Dr Madeira ter aparecido com um informe na Assembleia da República em que mostrava o seu desgaste no combate a corrupção e ao crime organizado no país, pois, alguns eram mesmo intocáveis.

Segunda: para recuperar a confiança dos doadores. Depois de muitos parceiros internacionais, principalmente o corpo diplomático acreditado em Moçambique ter aparecido publicamente a mostrar o seu desgaste em relação ao Governo Moçambicano que quase não move palha para esclarecer os alegados casos de corrupção, sendo que estavam inclusive dispostos a, por causa disso e de outros males, reduzir o seu apoio ao orçamento do Estado, era importante fazer alguma coisa.

Terceira: para preparar a reeleição do Presidente Guebuza nas próximas eleições presidenciais em 2009. Na verdade, uma das mensagens de peso no manifesto eleitoral do Presidente Guebuza era combater o deixa andar e punir os corruptos e corruptores, entretanto, quase no final do seu mandato ainda não tinha mostrado em prática a veracidade da sua mensagem, tanto que o deixa andar se consolidou ainda mais. Contudo e, com vista às próximas eleições e porque o povo não é burro, é melhor sacrificar alguns bodes.

Quarta: para completar a sua missão sobre a ala do antigo Presidente da República Joaquim Chissano. Há quem diga, olhando para o Governo indicado pelo Presidente Guebuza que este fez de tudo para apagar os vestígios do antigo presidente da República. Esse comentário voltou a sobressair com a não reeleição de Comiche como candidato a Presidência do maior Município do país, para alem de que o discurso sobre as alas no partido Frelimo chegou mesmo a ser confirmado por altas patentes do partidão.

Quinta: para acreditar o Estado Moçambicano como um Estado de Direito. As várias atrocidades deixadas visivelmente impunes no país, o corporativismo e os vários casos de corrupção, crimes e desmandos, levaram a que uma boa parte da opinião pública argumentasse de boca cheia que um Estado de Direito em Moçambique era uma utopia, pois, a verdade é que o Estado moçambicano estava capturado pelo crime organizado, por compadres, famílias e clubes de amigos.

Sexta: para salvar o Ministério Público Moçambicano. Depois do Dr Madeira ter quase declarado a falência da Procuradoria Geral da República, o Dr Paulino entrou com a sua cabeça quase decepada pela opinião pública que não acreditava que ele poderia mexer uma única palha no Ministério Público com vista a esclarecer alguns assuntos de interesse nacional. Era necessário, salvar esse órgão e o seu timoneiro.

Sétima: para mostrar ao povo que a Justiça no país é uma realidade e não uma miragem. Os linchamentos, as manifestações populares como as de 5 de Fevereiro, de entre outros exemplos, mostraram ao Governo e não só, que a justiça neste país, ou não existe, ou não funciona e, no meio de tantos interesses nacionais, que entretanto podem comprometer o propalado desenvolvimento económico e a tranquilidade política é preciso resgatar a confiança do povo nas instituições do Estado.
Oitava: para responder definitivamente às execuções sumárias, já que rumores há de que muitos Ministérios do Interior actuam neste país.

Seja como for e, para poupar o leitor de mais hipóteses, acredito que só o andamento do caso Manhenge poderá mostrar a hipótese verdadeira. Ou seja, o que sair desse caso, provará, se não estamos perante uma situação só para o inglês ver, ou então, numa situação em que os nossos dirigentes finalmente perderam o medo de atacar figuras consideradas Altas Individualidades e decidiram colocar a Lei acima de todos outros interesses.

Não passando de um caso só para o inglês ver, então a detenção de Manhenge só terá a importância de angariar mais votos, recuperar a confiança dos doadores e resgatar alguma confiança do público e da opinião pública, contudo, se o caso for levado a sério, a verdade é que Manhenge não vai nunca aceitar ser detido, julgado e condenado sozinho. Ou seja, Manhenge vai aceitar a justiça sim, mas com ele muitas outras cabeças irão rolar.

E se com Manhenge muitas cabeças rolarem, então aquela luz no fundo do túnel da justiça moçambicana será realmente transformada em luz verdadeira, em luz que veio para ficar, em uma luz que veio ofuscar e queimar a impunidade, o crime e todos os actos de corrupção. Se a luz não queimar, então não era luz, era um brilho que não era luz.

Mais do que uma simples detenção, a de Manhenge significa muito para este país, ou, o começo de uma nova era da justiça moçambicana, ou então uma mudança de táctica no regime que opta pela impunidade e corporativismo. Deixa, contudo, muitas reticências a maneira como um antigo Ministro do Interior é detido.

De uma ou doutra forma, só o andamento do caso poderá dar a resposta sobre qual a mensagem que se pretende transmitir ao povo Moçambicano com a detenção de Manhenge e mais oito pessoas.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Duma, concordo plenamente com a sua analise desta propalada detencao do antigo super-ministro do Governo de Chissano. Nao deixa de ser curioso o timing desta noticia. Vespera de eleicoes (Municipais, Provinciais, Legislativas e Presidenciais) e depois de os doadores ameacarem cortar os financiamentos ao Orcamento Geral. Espero, a confirmar-se esta noticia, que o julgamento seja feito com a mesma celeridade que o julgamento contra a seguranca do Estado foi feito...mas para ser franco, duvido que o julgamento ocorra antes das ultimas eleicoes em 2009, a nao ser que os patroes do Estado, os doadores, o exijam!

Anónimo disse...

Caríssimo,

Concordo plenamente contigo.

Fizeste uma boa leitura do caso.

Vamos todos torcer pra que a luz no fundo do poço seja verdadeira e não de um pirilampo.

Vamos torcer para que o timoneiro da nossa barcaça tenha absorvido os ensinamentos daquele que foi um grande homem e estadista, estou falando de George Washington, o qual, já em sua época, afirmava e com toda a sabedoria que:

"A verdadeira administração da justiça é o pilar mais firmme de um bom governo"

Leonardo Vieira disse...

Meu caro

Quando eu vi a noticia, no rodape de um dos noticiarios da STV, fiquei surpreso. Positivamente surpreso!

Porem depois de estar atento e olhado com olhos de ver, qualquer um pode imaginar o que ocorreu.
Ainda na semana passada li no Jornal Zambeze de uma certa maquina de mazer mandrax em que o jornalista afirmava com todos os dentes da boca "Almerindo Manhenge sabe da localizacao da maquina".

A ja alguns anos, lembro-me te ter ouvido que ele estava em prisao domiciliaria, pois tinha em sia posse, em casa, cerca de dois milhoes de meticais (e mais uns tantos no banco).

Ora pois, ou ele recusou partilhar com "alguem" e enfiaram-lhe o barrete, ou trata-se de uma teoria conspiratoria pre-eleitoral para notoriedade do governo Guebuza(?).

Eu penso que esta e uma questao de esperar o que o futuro trara..

Espero que traja justica. Estamos todos a precisar dela..

LV

Unknown disse...

Queridos, Leopoldo, Guanazi e Leonardo...

Acredito que o tempo poderá dizer o que realmente se passa. É como todos nós sabemos, uma notícia bastante boa, mas ao mesmo tempo extremamente preocupante e intrigante. São muitas as perguntas a serem levantadas.

O grande sinal que podemos esperar, se este caso não for uma encenção, é que muitos outros casos serão levantados e muitas pessoas chamadas, como fica claro no caso da máquina de mandrax...

Entretanto, o povo moçambicano está com sede de justiça, não uma justiça para o "ingles ver" mas uma justiça que sirva ao cidadão.

O Antigo PR, já apareceu publicamente a mostrar que não está nada feliz com a situação...é mais um caso para pensarmos que uma das hipoteses do texto acima pode ser verdadeira...

Vamos esperar para ver,

"Time Will Tell" Bob Marley: Album: Kaya, 1978!

Anónimo disse...

Dear Custodio

Thanks for your email! I hope all is well with you and that your work is going successfully.

About the arrest of Manhenge, I read your article with interest. It seems to me that it doesn't matter why he was arrested ( to seduce donors into continuing to give money, or to persuade the population to vote in the forthcoming elections, etc) , instead the significant thing is the message being given which is that no-one is beyond the law, even ministers. The question is: how much will the threat of arrest and public trial influence the behaviour of other corrupt ministers and citizens? Will corrupt persons simply find more devious and less detectable methods of practising their art? If Mozambique could export corruption practices as if they were a comodity for purchase and sale, the country would be rich indeed! Will ministers and public officers begin to conduct themselves with more honesty and honour? Not unless it is more profitable than being dishonest, in my opinion. The forecast? There maybe an avalanche of 'whistle-blowing' in the near future. It may become the fashion to report corrupt practices and persons, not because of a true belief in good governance, but because it is better to report somebody before somebody reports you! The end result may be beneficial in the long run for the country, nevertheless, it reminds us that, paradoxically, most of the time people do not commit good acts out of altruism but out of self preservation . It is too early to say that we can finally see the light at the end of the tunnel. We are still building the tunnel.

e.

Anónimo disse...

Custódio
Daqui do Brasil recebemos a notícia, primeiro, via sms e depois, à noite, pelo notócias on line. Olha, a tua leitura do fato é pertinente e acurada. Na linguagem do Italiano António Gramsci, ratificando a tua leitura, parece-me se tratar de uma revolução passiva, ou seja, a revolução sem revolução. Moçambique está se tornando campeão de revoluções passivas.
Abraços
Ciprix

Anónimo disse...

Caro Colega, Dr Duma!
O Prof Dr Boaventura Sousa Santos numa entrevista, ao jornal savana, vão ja cerca de 10 anos, dizia que, na sua opinião, a segunda revolução em Moçambique seria feita pelos intelectuais. Sempre que coisas como estas acontecem, procuro ver se não seria o inicio daquilo que o ilustre professor previu naquela altura! A sua premissa baseiava-se no facto de que poderia chegar uma altura em que os intelectuais terão muita influencia sobre o poder. Não sera que esse fenomeno esteja ja a comecar?

osátiro disse...

Cheguei agora ao blog, via José Milhazes, e queria dar-lhe os parabéns por lutar pelos Direitos Humanos.
Abraço.