quarta-feira, 30 de julho de 2008

Quando Se Trata de Corrupção


Qual é o papel do Ministério Público?
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Já fui alvo de vários nomes e isso não me interessa. Dizem que exagero na minha explanação, mas também isso não interessa, o que interessa é que eu acredito em um Estado de Direito e Moçambique é um país com um grande potencial para chegar até lá.

Para tal, é importante que esforços para esse fim sejam envidados e que os cidadãos para alem de serem informados precisam estar a par do que está sendo feito.

Um dos pontos realmente muito urgentes no nosso Estado é a corrupção. Para alem de não existir um mecanismo contra, as várias denúncias sobre alegados casos quase que são desprezados por quem de direito. Acima de tudo, temos uma legislação que é extremamente ambígua sobre a definição do que sejam actos de corrupção.

Não só! Magistrados e cidadãos que queiram, dado o seu cometimento com a causa, levar a cabo acções de prevenção e combate à corrupção podem ter a mesma sorte da Dra. Rupia.

Desde o ano de 2005 que vários casos de alegada corrupção e desmandos nas instituições públicas têm sido levantados pela mídia sem no entanto sabermos se o Ministério Público o único que tem o poder de acusar o faz.

Eu concordo com o princípio da presunção de inocência, mas investigar não é acusar. Vamos entretanto aos exemplos:

As Contas do Tribunal Administrativo relativas ao ano de 2005 dão conta de desvios gritantes de valores monetários nos orçamentos da província de Sofala por parte do respectivo Secretário Permanente que chegou a comprar uma vivenda para si num bairro de luxo por cerca de 325 mil dólares americanos, do dinheiro público. Antes de comprar o tal imóvel, o referido secretário arrendava uma habitação em que pagava mensalmente cerca de 2 mil dólares americanos vindos do cofre do Estado.

Sobre este caso, mesmo depois do Tribunal Administrativo ter colocado as coisas em papeis limpos, mesmo depois de vários jornais terem publicado o assunto com destaque do Savana do dia 12 de Janeiro de 2007, pouco se ouviu dizer ou falar.

Muito recentemente, tivemos o caso do INSS em que se confirmou o roubo de cerca de oito milhões de dólares americanos, entretanto há murmúrios de que o mesmo já está no Ministério Público, para alem de processos disciplinares para os respectivos suspeitos.

Ao mesmo tempo que corre o caso do INSS, também se fala de alegados desmandos na EMOSE e no INAS, sendo que sobre esses dois não há informação publicada sobre eventual procedimento criminal que deveria estar, pelo menos, na sua fase de investigação para se apurarem elementos contra ou a favor.

Entretanto, nesta semana, foi publicado por uma mídia no dia 29 de Julho que, em Tete, o respectivo governador provincial e o director das finanças da mesma província estão envolvidos em uma rede de desmandos e saque de dinheiro público sob a sombra da Presidência Aberta e de outros actos de grande envergadura como é o caso do Processo Cahora Bassa.

Verdade ou não, a referida mídia publica elementos importantes, com relevância suficiente para que o Ministério Público accione os mecanismos legais, pelo menos, para somente apurar a veracidade das denúncias.

Em todos os casos, trata-se de avultadas somas de dinheiro, que mesmo falados em dólares soam a milhares. É dinheiro dos contribuintes moçambicanos que ao invés de se beneficiarem de investimentos públicos, assistem de forma impotente o saque protagonizado por servidores do Estado.

Pessoalmente tive o privilegio de visitar Changarra, para me apurar do desempenho económico da aplicação dos Sete Milhões, valor que é chamado de fundo de apoio ao orçamento distrital. A percepção foi a mais triste possível, não fomos recebidos pelo administrador e a respectiva Secretária Permanente limitou-se a dizer que não estava permitida a dar informações sobre esse dinheiro, para alem de que os dados sobre os sete milhões não tinham carácter público.

Entretanto, Changarra é apontado, ao lado de Mágoe, Chifunde e Angónia, como um dos distritos onde os Sete Milhões foram "literalmente esfacelados".

Em Cabo Delgado, foi tornado público que certos agentes ligados a Polícia de Trânsito abriram uma conta fantasma em um dos bancos locais para onde o dinheiro das multas e outras diligências do Estado era canalizado e depois levantado para fins particulares. O caso está nas mãos das autoridades e mesmo assim, somente estão arrolados alguns e não a rede toda, que deve incluir certos funcionários bancários a par do esquema.

O mais curioso é que a maior parte das figuras envolvidas permanecem exercendo os cargos que demonstraram se aproveitar deles para beneficio próprio. Pode ser da confiança política que eles granjearam e pela importância que podem ter para a reeleição dos candidatos do partido no poder.

Aqui reside uma pergunta que vale a pena deixar no ar: qual é a distancia entre o governo e o partido? Em um Estado de Direito, vale a pena frisar que essas são duas componentes com fronteiras bem delimitadas, sendo que uma não deve ter aproveitamento nem político, nem económico e muito menos financeiro do outro.

Mais importante ainda, é o papel do Ministério Público quando uma noticia ou informação sobre a ma gestão de fundos do Estado ou mesmo desvio, é publicado. Ele deve imediatamente investigar e, apurada a verdade, acusar para desencorajar actos futuros.

Cabe, de acordo com a Constituição da República, à Procuradoria, o papel de representar o Estado junto dos Tribunais e defender os interesses que a lei determinar, controlar a legalidade...exercer a acção penal.

Não pretendo afirmar que a Procuradoria deve, sempre, publicar o trabalho que realiza, é que se não realizar ninguém mais vai realizar e se ninguém realizar os corruptos e os corruptores permaneceram nos cargos públicos, dando destino alheio a coisa pública.

Transferências compulsivas de magistrados do ministério público, suspensão ou até mesmo repreensão por exigirem certas responsabilidades pode servir de instrumento de intimidação dos magistrados mais novos que dada a pujança da juventude ainda estão comprometidos com causas justas.

O Ministério Público não deve nunca ignorar as denúncias que aparecem nos jornais, do mesmo jeito que não deve cingir-se nelas a 100%, mas deve toma-las como ponto de partida e exercer a sua missão, porque ela é competente. Não se constrói um Estado de Direito com uma Procuradoria tímida e fragilizada.

A ideia que deve vincar no nosso Ministério Público é que, sabendo que o país não tem uma estratégia eficaz no combate a corrupção, o papel do ministério público é extremamente importante, sendo que sem ele, combater corrupção em Moçambique seria somente uma conversa de compadres.

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