quarta-feira, 23 de julho de 2008

Desafios para os Defensores dos Direitos Humanos em África

Primeira Parte

Artigo Publicado no Escopião

Começo a minha análise propondo a ideia segundo a qual hoje, os Estados Africanos como outros tantos no mundo optam pelo neoliberalismo onde o poder esta nas mãos do sector privado e não do povo. Isso, desde logo, põe em causa todos os princípios democráticos de um Estado de Direito.

Todos sabemos que somente um Estado de Direito pode garantir uma efectiva realização dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Ou seja, num Estado que não seja de direito, independentemente do modelo que ai for escolhido, a tendência será de tornar o povo cada vez mais passivo, mais obediente e quase nunca reactivo. O povo não participa.

Mais do que tudo, esse é o primeiro de todos os desafios do defensor dos direitos humanos, lutar por um Estado de direito, onde os cidadãos de forma organizada não são somente telespectadores passivos, mas participantes, actuantes e acima de tudo que exercem a soberania, já que ela reside no povo,

O Acesso a informação é fundamental. Em países como nossos, com elevadíssimos índices de analfabetismo, onde a opinião publica é fortemente manipulada pelo partido no poder e pelos empresários, o primeiro desafio consiste em levar a informação adequada e a tempo e hora a maior parte dos interlocutores sociais. Sem informação, sem liberdade de expressão e sem disponibilidade dos principais códigos de informação, não se pode pensar em um Estado que observe os direitos humanos.

No contexto africano, os países de expressão portuguesa já são discriminados, na medida em que principal informação, circula em inglês e depois em francês, nota-se inclusive nos fóruns da União Africana e da Comissão Africana onde a língua portuguesa, embora de trabalho não é usada. Se o defensor dos direitos humanos tem dificuldades de participar nesses fóruns imagine o cidadão desses países, que por qualquer razão não fala nem entende o português.

Os interesses dos nosso Estados estão ligados aos interesses das multinacionais, as multinacionais dependem dos nossos Estados ao mesmo tempo que os controlam, sendo que seu interesse primordial é o lucro e nunca os direitos fundamentais dos cidadãos, esse é para mim o segundo desafio dos defensores dos direitos humanos: como fragilizar o neoliberalismo, na medida em que só essa acção pode contribuir para uma legislação eficaz sobre direitos fundamentais e defensores dos direitos humanos.

A legislação não é um fim em si, já é contudo uma boa parte do caminho andado, na medida em que sem ela a situação dos direitos humanos e dos defensores se torna mais precária ainda. Sabemos contudo que os nossos Estados tem sido progressistas em termos de adequar a legislação aos princípios dos direitos humanos, mas pecam porque não acompanham esse progresso com práticas que promovam os direitos humanos.

Em Moçambique por exemplo, onde não há ainda uma legislarão contra a tortura, execuções sumárias e outros tratamentos degradantes, ou mesmo uma legislação contra o tráfico de órgãos e seres humanos, contra a violência doméstica e contra actos ou práticas racistas, xenofobia ou protecção dos defensores dos direitos humanos, em nada são exemplares as leis existentes, dado que o Estado não possui uma política ou uma estratégia nacional para os Direitos Humanos. Na verdade é proibido que o Estado improvise a defesa e a promoção dos direitos humanos, pois estes dizem respeito a dignidade humana.

Com uma legislação adequada, é preciso que os defensores dos direitos humanos não trabalhem de forma isolada, tanto a nível nacional bem como a nível internacional. A estratégia dos Estados neoliberais é dividir para reinar. Quanto mais divididos os defensores estiverem, menos influência podem criar nos cidadãos, que se pretendem sejam como ovelhas sem pastor e dirigidos pelas leis do mercado, sendo extremamente consumistas, distraídos pelos programas supérfluos transmitidos pela mídia e fortemente cegados pela moda.

A nível internacional, os defensores precisam ser capazes de manter viva uma rede que para alem de trocar informações monitora a política externa dos seus Estados e procura parceiros estatais ou privados que pela sua posição sócio política podem influenciar os seus Estados a praticas que abonam aos direitos humanos.

Na verdade, não é novidade para ninguém que a tendência dos Estados neoliberais como os nossos, é de excluir os defensores dos direitos humanos, desacreditar o seu discurso e se possível intimida-los, puni-los e retira-los do palco político, o único onde podem exercer a sua actividade de forma eficiente.

A actual situação do Zimbabwe, levou a que vários defensores de direitos humanos no mundo tomassem acções concretas contra a onda de violência e a restrição dos direitos fundamentais dos zimbabueanos, mas a resposta dos Estados não foi agradável, em Moçambique por exemplo, quando pretendemos realizar uma marcha por Zimbabwe no dia 27 de Junho, o Comando Geral da Policia mandou impedi-la imediatamente.

Mas quais são as fraquezas dos defensores dos direitos humanos em África. Em primeiro lugar é que olham para esta actividade como um emprego e não como um exercício de liberdades fundamentais. É claro que o defensor tem família e precisa sobreviver com um salário e plano de saúde, etc. A minha convicção é que não se pode ser um defensor de direitos humanos só por questão profissional. O defensor é um activista e não um mercenário.

Esta fraqueza é muito importante na medida em que hoje temos um activista que amanha é um político, um comerciante ou simplesmente um neoliberal descarado. Como diz a Bíblia não é possível servir a dois senhores. Mesmo sabendo que ninguém é proibido mudar de lado, tal característica fragiliza o grupo.

Isso passa necessariamente em, o activista aceitar o sacrifício, ao mesmo tempo em que a organização em que esta vinculada se preocupa em garantir salários compatível e condições de saúde e protecção adequados a conjuntura sócio política e económica em que se enquadra.

Outra fraqueza dos defensores dos direitos humanos em África e principalmente nos países de expressão portuguesa é o fraco domino da Carta Africana. Essa Carta traduz os Direitos Humanos na visão Africana da coisa e procura estabelecer critérios de tratamentos específicos dados a certas matérias que no ocidente não são tão importante, como é de ver na Declaração Universal que simplesmente se exonerou de aborda-las.

Estou a falar do modelo de democracia africana, dos deveres dos cidadãos, do respeito pelos usos e costumes e da interpretação dos direitos fundamentais partindo do grupo para o indivíduo e não do indivíduo para o grupo como se interpreta no universalismo. Esse domínio dos principais princípios da Carta Africana eventualmente fortaleceria a nossa actuação como defensores, pois circundaria o nosso discurso.

Nos ajudaria a compreender e a criticar a diplomacia silenciosa dos governantes da África Austral em relação ao Zimbabwe, por exemplo, que mais do que cobardia revela-se uma grave violação da Carta Africana. Ajudar-nos-ia a criticar o novo modelo de Golpes de Estado notadamente protegida pela União Africana. A carta Africana deve ser o nosso código de conduta em todos os aspectos e faces do nosso trabalho.

Monitorar a actuação dos nossos Estados tanto na sua política externa como na interna ‘e um imperativo de sobrevivência das nossas sociedades como bem afirma Noah Chomsky nas “Duas Horas de Lucidez” . Isto é, se não monitorarmos os nossos Estados e se não instamos os cidadãos a abandonarem a passividade, o silencio e a cumplicidade, corremos o risco de ver o desaparecimento da sociedade no conceito clássico que conhecemos. Esse é acima de tudo um desafio do defensor dos direitos humanos.

Sem comentários: