O Brasil tem as Favelas
e África tem os Safaris
É impressionante como o mundo se diverte com a vida. A vida é um valor supremo que deve ser protegido de igual maneira para todos os homens apesar das eventuais diferenças que possam caracterizar cada grupo de pessoas, consoante o meio, a cultura e os usos e costumes
que o rodeia.
As pessoas gostam de se divertir. Ver é uma das muitas formas que as pessoas tem para se divertirem. Até aqui tudo bem, contanto que depois de ver não passemos a desejar irracionalmente aquilo que a gente não tem direito de possuir. Alguém dizia que a ganância começa no ver.
Mas a verdade é que durante a minha estadia no Rio de Janeiro, de entre muita coisa boa que vi, também vi vários anúncios nos jornais sobre visitas às favelas. Os preços variam entre 50 a 100 reais, dependendo das condições em que a viagem se vai realizar.
Fiquei interessado nos anúncios e procurei saber quais as favelas do Rio de Janeiro seriam visitadas e como é feita a tal visita. Achei a resposta muito drástica e remeteu-me a varias situações que a gente vive em África.
Em África, muitos curiosos, de vários países do mundo, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, gostam de vir a África para ver. Ver o quotidiano africano, sua comida, sua indumentaria e adorno, suas relações do dia a dia, suas casas, suas opiniões e seus produtos de
arte.
Até aqui nada mau. Eu como africano também gosto de viajar, para ver como é o mundo e fico bastante surpreendido porque pelo mundo em que viajo cada vez mais encontro a África e muitos elementos que remetem ao continente dos negros.
O mal começa, no meu ponto de vista, quando os curiosos viajam para assistir gente como se de um zoológico se tratasse. É verdade que muitas pessoas pensam que África é uma grande floresta, recheada de animais e onde os africanos vivem como o Tarzan.
Realmente, há muita floresta em África, muitas reservas e parques, contudo, os africanos não vivem como o Tarzan e nem convivem com os bichos. Conheço muito africano que nunca viu um leão, uma girafa, um elefante, um hipopótamo ou até mesmo um macaco.
E hoje, há muita publicidade turística para visitar as comunidades zulus, as comunidades swazis, os macuas, os matsais, os shonas ou outro grupo populacional africano.
Essas agências trazem pessoas de vários lugares do mundo para verem africanos, para assistirem os africanos de tanga e as africanas com peito descoberto.
Mais do que assistirem animais, estão assistindo pessoas. É um safari na comunidade humana, composta por pessoas que nasceram iguais em dignidade e direitos, mas que, devido os seus usos e costumes, devido a certos imperativos históricos elas são como são.
Vi uma vez um documentário na National Geografic, o titulo era: "A Tribo que Fugiu do Homem". A tribo, fugiu do homem que vinha assistir e ao mesmo tempo explorar e destruir o que essa comunidade tinha do mais sagrado e do mais importante.
Essas viagens à África não são diferentes dos passeios nas favelas do Rio de Janeiro. O passeio é feito em um Jeep e todos os turistas, na sua maioria brancos, vestindo um colete a prova de bala, são conduzidos pela favela, olhando as pessoas, vendo as casas sobrepostas uma a outra, olhando para as crianças negras vergando uma pistola ou um AKM, assistindo as meninas negras, lindas e assoladas pela maior pobreza da favela.
Assistir pessoas deve ser bom, mas não sei até que ponto divertir-se com a exclusão social e com a vida das pessoas é satisfatório. Assistir a pobreza para se comover ou assistir a cultura para confirmar que determinadas pessoas são selvagens não é turismo, é violação dos direitos humanos.
Nas conversas que tive posteriormente com alguns cidadãos cariocas (do Rio de Janeiro) fiquei a saber que tais agencias de turismo, chegam a encenar momentos de violência só para que os brancos vejam e sintam certo medo ou mesmo em situação de perigo, quase sendo assaltados pelos traficantes.
Os pobres e os miseráveis sempre os teremos connosco, esse é um princípio bíblico, contudo, o facto curioso é que o capitalismo sobrevive na sua maioria a custa dos menos privilegiados. Esses são na verdade o motor ou o sangue que faz com que esse grande monstro sobreviva.
A questão é também que uma das principais estratégias do capitalismo é agudizar as diferenças e concentrar o capital para sustentar o mercado. Para além de sobreviver das desigualdades e da injustiça social, a pobreza e a miséria são também um cenário de diversão.
As experiências turísticas vividas nas favelas brasileiras, são praticamente as mesmas vividas em África, por isso sou obrigado a afirmar que, assim como o Brasil tem as favelas, a África tem o safari e os dois tem os negros.
O Brasil e a África tem negros como a população maioritária, como a população mais empobrecida e menos privilegiada. Gosto da ideia de viver em um mundo globalizado, mas não suporto o facto dele colocar-se acima dos interesses que promovem e protegem a dignidade
e os direitos da pessoa humana.
Quanto mais a gente percebe os problemas e os desafios colocados pelo capitalismo nas sociedades e comunidades compostas por pessoas pobres, mais lamentamos a característica corrupta, desatenta dos nossos governantes que não estão cometidos com programas que visem o desenvolvimento humano, promoção de direitos humanos e sobretudo com um turismo mais humano e mais digno.
PS. No próximo Domingo, dia 25 de Maio celebra-se o 45º aniversário do continente africano, enquanto isso, no mundo inteiro, a vida dos negros continua sendo de exclusão social e miséria.
Por: Custodio Duma
Publicado n'O AUTARCA – 21.05.2008
7 comentários:
Nas conversas que tive posteriormente com alguns cidadãos cariocas (...) fiquei a saber que tais agencias de turismo, chegam a encenar momentos de violência só para que os brancos vejam e sintam certo medo...
Tenho k entender que só há turistas brancos no Brasil? E os turistas não brancos não vejam nada?
ola,
pertinente a questao, mas a verdade 'e que uma boa parte dos turistas sao brancos. E nessas viagens pelas favelas, sao mais brancos que negros.
os negros, principalmente norte americanos preferem as lindas praias, onde tb ha muita moldura humana para ser vista.
posso ter sido infeliz na fala, mas 'e o que acontece...
Olá,
Não considero infeliz sua colocação a respeito dos turistas brancos e complemento: eles são brancos e em sua quase totalidade, europeus.
Ver é uma forma de se divertir e sor for de bem perto, pode ser bem mais divertido... assim é o favela tour.
Isso em recorda um pouco da situação que conviviamos na Bahia, no final da década de 80 e início dos anos 90, em que turistas brancos e europeus buscavam inspiração ao "comtemplar" a região dos alagados,região extremamente pobre da periferia de Salvador onde a populaçao vive em palafitas construídas sobre uma área pantanosa, enfretando as piores condiçoes de vida. Lembro-me que certa feita alguém me disse que comtemplar aquela paisagem trazia muita inspiração... tentei entender de que inspiraçao me falava tal pessoa, mas nunca entendi.
Hoje quando vejo aqueles Jeeps cheios de turistas europeus em sua maioria homens,passando pelas ruas do Rio de Janeiro rumo às favelas, considero que houve uma "evolução" nessa busca pelo exótico, pelo diferente. Os moldes do Favela Tour permite que os turistas adentrem a coumindade podendo até mesmo a experimentar a sensação de conviver com a violência cotidiana. No caso dos que buscavam inspiração nos palafitas, eles mantinham a distância necessária, uma vez que não deve ser nada agradável ter a sensação de pisar ou cair naquela água fétida, cheia de ratos e dejetos diversos.
Caro Custódio Duma
Os meus cumprimentos, e que nunca lhe doa a pena.
Força, e sempre a bombar, como diz a juventude.
No essencial, na parte estrutural, estamos de acordo.
Há muita distorção, e armadilhas bem montadas, …no turismo.
Já turistei no Brasil várias vezes – Fortaleza, Belém, Recife, Olinda, Porto Galinhas, etc, e constatei a rede de interesses montada em volta do turista, desde a Agência angariadora, à Agência correspondente no Brasil, Hotéis, excursões, táxis, restaurantes, casa de diversão, lojas várias, etc,…
O turista é rodeado por uma máquina que o aprisiona completamente.
A pressão da oferta de produtos, aliado ao comércio do medo – que se amplifica e gere – precisamente para não deixar solto o turista.
Depois vai em grupo, como num qualquer rebanho.
Para onde vai um, vão geralmente todos.
O turista “entra” no circuito das comissões que os guias vão ganhar, a título particular, para compor os baixos ordenados das suas Agências empregadoras.
Infunde-se o medo, aprisiona-se o turista, e tira-se o maior proveito possível da sua extorsão em tudo o que é sítio – as comissões do negócio é que contam.
E o turista.
Volta com um misto de desilusão e tempo perdido, além de financeiramente defraudado.
Brasil, continue assim…
O turista muitas vezes não sabe ao que vai…realmente.
Quem monta o cenário, o negócio no Brasil?
Quem dele tira o proveito?
Quem induz?
Fiquei também a “saber” que nas favelas não vivem “brancos”
Que os “bandidos” são só “pretos”
Que os turistas norte-americanos, negros, têm bom gosto – preferem as praias…
O que a gente “aprende”, e divulga…
Ola, obrigado amigo umbhalane
Obrigado a Viviane tambem, ela que de um modo simples e directo mostra uma experiencia que bem conhece.
Ainda bem que a experiencia 'e tambem trazida pelo amigo Umbhalane que tendo varias vezes passado pelo Brasil viu em varias cidades a realidade do turismo.
Seja como for, pelo sim e pelo nao, pela manipulacao ou nao do que os nossos olhos possam ver e nossos ouvidos possam ouvir a verdade 'e a mesma: instrumentalizacao da pobreza, agudizacao da miseria da classe pobre e maioritariamente composta por negros e transmissao ofuscada dos verdadeiros interesses da classe que detem a maior parte da economia.
Ja tinha afirmado antes e volto a afirmar, no especifico posso ter sido infeliz, mas no geral o quadro triste 'e visivel para qualquer mente lucida.
Mais uma vez muito obrigado amiga e amigo.
Caro Custódio Duma
Permita-me que me dirija abertamente.
A constatação das verdades não fere ninguém, …ou não deve ferir.
Pode chocar, consciencializar, alertar,...nunca ferir.
A verdade, por muito dura que seja, não ofende, não fere, não mata.
Desde que haja estofo, preparação, cultura e compreensão dos fenómenos.
E interesse.
Interesse, também.
Em mudar, ajudar a mudar, cooperar, entre ajudar,...
Bom, mas os fazedores de opinião têm responsabilidades...
Lamentavelmente constato, em alguns blogues, um crescendo de racismo, exponenciado com a crise da África do Sul.
Estava latente, escondido ou auto-censurado.
Mas emergiu.
Já tinha notado LAIVOS de racismo, escapando em pormenores, detalhes, que, como nos icebergs, apenas mostram o cume, a ínfima parte.
Mas há gente bem formada, com bom íntimo…embora também produtos da sociedade em que vivem. E o meio molda as pessoas, pelo menos influencia.
Eu incluo-o nesta última gente.
Bem formada.
VAMOS AO ASSUNTO.
Só ouço falar em brancos e pretos, pretos e brancos – uns são ricos, os outros pobres, uns são racistas, os outros não, perseguem os pretos, os brancos não, uns têm empregos, outros não, e por aí fora…
Sejamos inteligentes, e práticos.
O que é que podemos fazer, TODOS, para resolver os problemas existentes?
Nivelando por cima, claro.
Progredindo.
Acabando a miséria, absoluta, relativa, todas e quaisquer misérias.
Este é o desafio que deixo.
Compete-me dar a minha opinião.
Aceitem definitivamente os brancos como Africanos, aceitem todos os homens de boa vontade.
Não os façam sentir estranhos na própria terra onde já estão há muitas, e muitas gerações.
Não façam deles provisórios, mas definitivos…e aprendam a viver e cooperar juntos.
O resto, o progresso, o desenvolvimento, virão por acréscimo
Afinal, fazem falta!
E Moçambique, Angola, Zimbabwe, …, etc, sabem disso.
E a que preço?
'E um desafio muito grande esse que voce deixa, embora eu acredite que sendo ele ultrapassado, realmente teremos uma africa muito prospera.
O branco 'e gente como o negro, o negro tambem 'e gente como o branco. Olho para o desafio de aceitacao como de ambos os lados.
Nao acho que o que mais pesa 'e o ser ou nao ser africano. Sao todos africanos sim, assim como os negros que estao no brasil sao brasileiros e os que estao nos EUA tb sao norte americanos.
A questao esta na cor. No preconceito da cor, no racismo, na discriminacao, na segregacao e ate nas piadas que se contam por um sobre o outro e vice versa.
Africa 'e um continente que fora de negros e brancos tb pertence a gente com origem asiatica, arabica e outros...
Nao podemos recusar tambem que por imperativos historicos os brancos embora africanos ou nao sao em africa mais ricos que os negros (no geral). E isso repete-se um pouco em todo o mundo.
Nao nego k haja brancos mais pobres que negros, mas sao poucos casos. Na bahia mesmo, onde os negros sao a maioria no brasil, veja quantos dles tem poder economico, politico? quantos deles estao na universidade ou ocupam cargos importantes. Embora haja um e outro, no geral os negros, que sao a maioria sao os menos privilegiados.
Eu sou contra a pregacao segundo a qual africa para os negros europa para os brancos, minha tese 'e que onde quer que estejamos, tenhamos mesmas oportunidades.
A culpa entrtanto nao 'e dos brancos, nem do negros, penso eu que 'e uma questao de politicas publicas. O que os governos em africa faze para reduzir as desigualdades. Quase nada, pelo contrario, usam o poder para se enriquecerem e criar uma elite.
Ontem culpou-se o apartheid na africa do sul, hj culpa-se os outros negros, mas o maior culpado 'e o governo, que manteve as desigualdades, a segregacao e usou o blackempowerment para beneficiar alguns, os que estavam ligados ao poder e ao saber. O pobre, seja ele negro ou branco, continua na mesma ou no pior.
Amigo umbhalane, gosto dos seus posicionamentos, seus ensinamentos e sobretudo da sua eperiencia. Sei entretanto que esse acervo de conhecimento que voce tem vai ajuda-lo a perdoar o meu duro posicionamento, porque tendo passado toda a minha infancia no chimoio, em uma familia extremamente pobre, numa situacao de extrema miseria, me 'e dificil separar a discussao da exclusao dos pobres racionalmente e emocionalmente.
Muito obrigado
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