Faz tempo que tento reflectir sobre este assunto, contudo, sempre que tento avançar, algo me manda procurar novos elementos. É que mais do que se tratar de um Bilhete de Identidade ou um Cartão de Eleitor, o assunto tem a ver com o exercício de cidadania.
O Bilhete de Identidade, é um documento nacional de identificação dos cidadãos. Para vários efeitos, não é possível realizar operações sem o Bilhete de Identidade. O Cartão de eleitor, é um documento que comprova que o cidadão está inscrito no Secretariado Técnico de Administração Eleitoral e por tanto, está apto para votar e ser votado.
Olhando para as funções e importância de cada um dos documentos, embora os dois visam o exercício de cidadania, é importante realçar que o Bilhete de Identidade tem maior importância para o próprio titular, enquanto que, em verdade, o Cartão de Eleitor é importante para os políticos.
Em Moçambique o voto é livre, ou seja, ninguém é obrigado a ir votar embora seja esse um dever cívico. Do mesmo jeito, ninguém é obrigado a ter um Cartão de Eleitor na medida em que o exercício da votação é um acto livre.
O contrário acontece com o Bilhete de Identidade. Este é um documento de posse obrigatória. Há inclusive casos de cidadãos que são detidos porque não se faziam acompanhar do seu Bilhete de Identidade. É claro que a obrigação não é expressa, mas as necessidades do dia a dia obrigam a ter esse documento.
Estranho é o facto do custo e tempo que se requer para obter cada um desses documentos. Quando se está próximo as eleições, o Estado, através de órgãos criados para o efeito, caso do STAE, Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, oferece todas as condições aos cidadãos para que estes se registem e tenham seu cartão de eleitor. Todo o procedimento de recenseamento leva apenas minutos, quase nunca mais de 20 minutos. Sublinhe-se que para este cartão não há custos financeiros a suportar, senão os de ir e vir.
É claro que essas facilidades são realmente de saudar, o preocupaste é que as mesmas condições já não são criadas quando se trata de obter um Bilhete de Identidade.
Para que o cidadão obtenha o seu Bilhete de Identidade, deverá esperar pelo menos um ano inteiro. Para alem de maus serviços oferecidos pelos funcionários públicos nas direcções de identificação civil que muitas vezes confundem sua missão, é necessário que traga uma série de coisas, entre documentos, fotos, dinheiro entre outros.
Olhando para importância de um e de outro, penso que o Estado empenha-se menos onde devia empenhar-se mais, ou seja, o Estado devia criar condições necessárias para que os cidadãos moçambicanos obtenham o Bilhete de Identidade em menos tempo e com menor custo.
Considerando que em Moçambique há pais que não conseguem matricular seus filhos porque estes não possuem um Bilhete de Identidade, considerando que em Moçambique há camponeses que não conseguem abrir uma conta bancária porque não têm um Bilhete de Identidade, considerando que em Moçambique há jovens que são detidos porque não têm Bilhete de Identidade, considerando estes e outros exemplos que poderiam ser citados, é engraçado que neste país seja tão difícil obter um Bilhete de Identidade.
O Cartão de Eleitor, possibilita o cidadão a votar e a ser votado. Na maior parte das vezes possibilita-o mais a votar que a ser votado. Votar significa conceder um pouco da sua soberania a alguém que vai exercer o poder político. O povo, os cidadãos, são o poder constituinte e exercem a soberania através do voto. Os políticos se interessam muito por isso, dai que investem grandemente nos processos de recenseamento eleitoral.
Já que o Bilhete de Identidade possibilita ao cidadão a sua participação na sociedade como sujeito activo, a ideia que fica é, que ele se arranje se puder. É verdade que a cidadania tem e deve ter um custo, mas o Estado devia sim abreviar os encargos do povo moçambicano que já estão demasiadamente sobrecarregados com outros custos, principalmente os referentes aos impostos.
Uma das melhores formas de abreviar esse sofrimento dos cidadãos moçambicanos é oferecer-lhes um Bilhete de Identidade que para alem de dar-lhes a existência legal também os permita votar, os permita pagar impostos, os permita estar no sistema de segurança social, etc.
Não sendo isso possível, porque não oferecer os mesmos serviços do Cartão de Eleitor a quem quer um Bilhete de Identidade? Ao demais, no mínimo o moçambicano requer um Bilhete de Identidade uma vez a cada cinco anos enquanto que as campanhas de recenseamento e sua actualização acontecem pelo mesmos três vezes no período de cinco anos.
Ainda mais, porque as pessoas sabem que aquele cartão só serve para eleições, e a vontade do eleitor moçambicano já é muito reduzida, a contar com as abstenções nas urnas, alias, abstenções no próprio recenseamento e sua actualização.
É que, é mais fácil para o cidadão exercer seu dever cívico, votar por exemplo, quando o governo do dia sabe valorizar sua importância como poder constituinte, através de oferecimento de serviços públicos mais inclusivos e participativos, como é o caso de maiores facilidades para obter um Bilhete de Identidade.
Políticas Públicas constituem estratégias para resolver estes e outros problemas básicos dos cidadãos. É isso que falta em Moçambique, dai que seja mais difícil para um cidadão ter um Bilhete de Identidade que ter um Cartão de Eleitor.
O Estado coloca mesas de recenseamento em todo o país, em todas as províncias, distritos, localidades, postos administrativos, bairros, círculos e até ao ponto mais recôndito, em muitas situações até em tempos chuvosos. O Estado que conhece a importância desse cartão vai ate ao cidadão, faz campanhas, implora, ele tira fotos, importa computadores com geradores, forma técnicos informáticos, unem-se forças do partido no poder com as forças dos partidos na oposição para pedir que os cidadãos possam ir obter o cartão de Eleitor. Isso porque amanhã querem votos.
O Estado já não se empenha para que os mesmos cidadãos tenham um Bilhete de Identidade. Estes podem ser emitidos somente em três locais do país, Maputo, Beira e Nampula. Não há campanhas para Bilhetes de Identidade, nem do governo nem dos partidos políticos, as fotos não são gratuitas e os serviços de identificação civil não vão ao cidadão.
A mensagem passada aos moçambicanos, que acima de 60% vivem abaixo da linha de pobreza é: para tornar-te eleitor, farei todos os possíveis e até os impossíveis, mas para que sejas cidadão com existência legal, faça tu o que puderes.
Obrigado!
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