quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Linchamentos, Manifestações e o Custo de Vida


Vejo os linchamentos na cidade de Maputo e Beira, bem como as manifestações violentas do dia 5 de Fevereiro em Maputo, como problemas originados pela mesma causa: a ausência do Estado na vida das pessoas.
É claro que o Estado deveria chegar até as pessoas, a partir de políticas públicas participativas e inclusivas. Para que elas sejam participativas e inclusivas é necessário que a sua definição seja o mais aprofundado possível, passando necessariamente pela integração e actuação conjunta dos vários ministérios e sectores da vida económica e social.
Em Maputo, Matola e Beira, os linchamentos acontecem devido a má qualidade dos serviços da administração de justiça. A polícia é deficiente no seu trabalho e o Ministério Público é quase desinteressado nos vários casos apresentados. O tribunal, para alem de ser moroso exige do cidadão um esforço que em muitas situações este não é capaz de fazer na hora.
Por várias vezes, pessoas que foram entregues as autoridades competentes por populares, horas ou dias depois estavam na comunidade a cometerem os mesmos crimes. Por várias vezes, a população tentou lutar com procuradores porque estes não viam crimes onde a população tinha certeza de ter encontrado em flagrante delito.
Perto do fim do ano de 2007, a população de Gondola em Manica, barricou as estradas, quase que assaltava a esquadra e linchava o procurador local porque estes se mostraram ineficientes no garantir a segurança pública e a justiça.
Tratou-se de um caso que muitos chamaram de isolado. Para alem de ter sido reportado pela mídia nada mais foi feito para perceber as causas do problema.
A cidade da Beira apresenta desde o último semestre de 2007 uma tendência de aumento dos casos de linchamento, um fenómeno que é visto com normalidade e não com seriedade. A população desta cidade chegou a manifestar-se na esquadra exigindo pessoas que deviam ser linchadas.
Em todos os casos, incluindo os que não foram citados, é evidente o olhar cúmplice do Estado que acredita tratarem-se de situações isoladas e que com alguma repreensão ou com o passar dos dias as populações se esquecerão e se envolverão em outros problemas.
Esse olhar cúmplice, agrava a situação quando mesmo com uma oferta quase inexistente de serviços públicos ao cidadão, o custo de vida é demasiadamente agravado e exige-se impiedosamente que pessoas vivendo abaixo dos níveis de pobreza possam ser capazes do nada assegurarem o básico para sua sobrevivência.
A revolta popular do dia 5 de Fevereiro, teve como causa o elevadíssimo custo de vida e a ausência de serviços públicos para satisfazer as necessidades básicas dos cidadãos. A imagem que nos é mostrada é de um povo que para alem de ser explorado é punido com a falta do básico que necessita para sobreviver.
Enquanto isso, os criminosos andam a solta e saqueiam o pouco que as pessoas têm sob o olhar tímido das autoridades. As próprias autoridades, sempre que podem, dedicam-se a saquear o cidadão, principalmente os que se encontram nas estradas, como fiscais e polícias. Os professores e enfermeiros, bem como os outros funcionários públicos que no seu dia a dia deviam dedicar-se ao cidadão, simplesmente o saqueiam.
O cidadão fica numa situação de quem está a fugir de um leão e encontra um urso ou de um urso e encontra um leão. Quer dizer que de todas as maneiras tem a sua situação agravada e colocada no mais alto perigo.
Não vejo o fenómeno dos linchamentos e o da revolta social como problemas isolados. São sim problemas com motivações na mesma causa e visam o mesmo fim.
Um Estado que recebe reclamações de todos os lados deve rever suas posições. Reclamações de funcionários, reclamações de produtores, reclamações de vendedores, reclamações de pais, reclamações de filhos, reclamações de todos que de alguma forma esperariam uma resposta a centenas de perguntas que são diariamente formuladas.
O alto custo de vida e a ausência de políticas públicas retiram por inteiro todas as oportunidades que os cidadãos teriam de se realizar como pessoas. Retiram dos cidadãos o sonho de ter sucesso por vias licitas. A falta de oportunidades está na origem dos vários crimes diariamente cometidos aos nossos olhos.
Tenho dito em muitas situações que o problema da criminalidade no nosso país reside nos problemas sociais e económicos que não conseguimos resolver. Apetrechar a polícia com os mais altos equipamentos de choque só fará crescer o índice de execuções sumárias e torturas, como aconteceu durante as manifestações, mas o problema não estará resolvido.
Julgar rapidamente todos os processos, sem isso constituir uma política pública de resposta aos problemas sociais só trará problemas de superlotação nas cadeias como se nota na cadeia Civil e na Machava. A superlotação das prisões traz consequências gravíssimas aos reclusos e repercussões drásticas aos cidadãos.
Não estou a tentar trazer aqui uma imagem de um Estado que deve ser perfeito, penso que não existe em lugar nenhum do mundo. Mas Estados que respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos e se preocupam em garantir o mínimo às pessoas, existem aos montes e é essa imagem que pretende aqui trazer.
Agora, o Estado moçambicano, aprendeu a ter medo dos cidadãos, agora desconfia dos seus passos e daqui para frente se preparará para com força de choque e bloqueio responder imediatamente qualquer sinal de revolta, reclamação ou manifestação.
Procura-se vender uma imagem perfeita de Moçambique a custa do sangue e sacrifício das pessoas. Isso é que causa revolta nas pessoas. Procura-se esconder a verdadeira realidade deste país para manter os favores das instituições de Bretton Woods em beneficio de alguns. Isso é que causa revoltas ao cidadão.
Penso que, se o curso da política moçambicana não muda de estratégia, estaremos a caminhar para uma situação de descontrole total em relação ao sentimento do povo. estaremos a tornar este povo cada vez mais imprevisível e disposto a alinhar para e contra tudo que der e vier.
Está provado que não houve mão externa nas manifestações que quase paralisaram o Estado. Na hipótese de se levantarem mãos, líderes e grupos organizados os males serão imensuráveis e isso só será possível se o governo do dia se limitar a responder situações pontuais como reduzir preços de combustíveis para os chapeiros e não olhar para a generalidade do problema.
Todos os povos tem o direito de revolta ao governo que se mostre tirano, mesmo que essa revolta ou manifestação seja considerada ilegal. Ao mesmo será legitimada com a sua finalidade de garantir os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e as respectivas garantias.
Não se engana ao povo, mesmo que este seja maioritariamente analfabeto. Não se mente ao povo, mesmo que este não entenda de políticas e estratégias. Pode adiar-se uma situação mas não será sempre assim.
Para bom entendedor, os linchamentos e as manifestações já são um prenuncio de uma mudança de atitude na mentalidade do povo que é açoitado pelo altíssimo custo de vida.

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