sábado, 7 de março de 2009

Mais um Relatório Sofrível sobre os Direitos Humanos


Cartas ao Amigo Araujo I

Comentários ao artigo de Paul Fauvet

A pedido do meu amigo Manuel Araújo, dediquei um pouco do meu tempo a comentar o artigo do conhecido, respeitado e um dos mais velhos jornalistas que operam em Moçambique, Paul Fauvet, sobre o último relatório de Direitos Humanos, capítulo moçambicano, assinado pelo Departamento de Estado norte-americano.

Para a minha sorte e sem calhar se ser necessário, a Ministra de Justiça em Moçambique, aceitou o convite da RM a participar do programa de Emílio Manhique, café da manhã, onde na integra, tirando alguns aspectos, o discurso foi baseado nesse artigo do conceituado jornalista que assina para AIM. Entretanto, já tinha lido no blog do jornalista Ericino de Salema que a midia pública não considerara o relatório mas os rebates.

Não querendo ser advogado dos americanos, esses que podem contratar dos melhores, tenho antes que aceitar, que do ponto de vista de abordagem, Fauvet tem razão em alguns aspectos, concernentes a justiça militar e a pauta aduaneira. Também a tem relativamente aos titulares do Conselho Superior da Magistratura Judicial.

Entretanto, Fauvet não pode estar certo quando fala da independência do judiciário, da ingerência dos Estados Unidos nos assuntos internos moçambicanos e das execuções sumárias. Sobre a independência do judiciário, fora de citar nomes, era melhor que se tomassem casos jurídicos em curso ou decididos pelos tribunais, como exemplos e referências. Os advogados percebem melhor o que o relatório pretende dizer.

Sobre as outras matérias, partamos da ingerência.
Os direitos humanos são universais, sendo que a doutrina do sistema global dos direitos humanos, inclusive a defendida pela União Africana através da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em que várias vezes participei das suas sessões, aceita que os países membros das Nações Unidas ou da própria União Africana, as organizações nacionais e internacionais, acreditadas nesses órgãos, grupos de cidadãos organizados ou representados, monitorem as práticas nacionais dos direitos humanos.

O penúltimo relatório do Departamento de Estado Norte americano, foi respondido pelo Governo chinês com um outro relatório sobre as práticas dos Direitos Humanos nos Estados então dirigidos por George W Bush.

Assim como os Estados Unidos podem escrever relatórios sobre as práticas dos direitos humanos em relação aos países no sistema global dos direitos humanos, os outros países também o podem fazer, não só em relação aos EUA, mas também em relação aos que bem achar, é o que no ano passado, a China fez. É o que Paul Fauvet deveria sugerir a Moçambique que fizesse, inclusive, ele mesmo, seria um bom consultor, a julgar pelos dados que apresenta no seu artigo.

O direito internacional dos direitos humanos, consagra que o que é permitido aos Estados fazerem em relação aos outros não pode significar ingerência e a doutrina é fortemente defendida pela professora Flávia Piovesan, titular da cadeira na PUC SP no Brasil.

Só a titulo ilustrativo, Fauvet sublinha no seu artigo que a Amnistia Internacional tem mais moral de escrever sobre os direitos humanos, que os Estados Unidos. Porque é que a Amnistia que é uma organização pode mais que um Estado? Sendo que o Estado é membro das nações unidas e a organização somente acreditada, ou seja, com estatuto de observador?

E mesmo assim, quando a Amnistia escreve sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique, é alvo das mesmas criticas que os EUA, com a única diferença de serem os EUA um país que não tem práticas saudáveis quando se trate de Direitos humanos e a Amnistia uma organização que não goza de jus impere para interferir com direitos e liberdades fundamentais.

No que diz respeito a execuções, Fauvet vem com um argumento meio sem graça. Dizer que as execuções sumárias não são legais em Moçambique é repetir o que todos sabem e é por isso que o país em criticado em relatórios de direitos humanos. Assim também, as execuções não são uma política do governo moçambicano, mas são uma prática da ma actuação da polícia moçambicana, prática essa devidamente reportada pela Amnistia Internacional no ano passado. Amnistia Internacional mais legitimada pelo jornalista.

Quem tiver dúvidas sobre as execuções sumárias em Moçambique que consulte os processos nos tribunais, que investigue reportagens publicadas sobre a matéria, que visite e pesquise na morgue do Hospital Central do Maputo e na medicina legal e sobretudo procure consultar os arquivos da Liga dos Direitos Humanos. É verdade que não são as execuções, uma política do Estado moçambicano, mas este, é responsável por não estancar o crime organizado e em vários momentos permitir o corporativismo no Ministério do Interior e especialmente nas brigadas especiais e na Polícia de Investigação Criminal.

Fauvet compara Moçambique com os Estados Unidos e estes com o Paquistão, Irão, Arábia, China, contudo, esquece que os direitos humanos não são uma questão de comparação, são uma questão de políticas públicas e boas práticas.

Fora dos pontos que o artigo aborda, o relatório dos EUA toca noutras matérias, como é o caso de tortura, detenções ilegais, perseguição, prisão e desaparecimento de cidadãos por razões políticas, interferência na privacidade, morada ou correspondência, liberdade de expressão, liberdade de associação, liberdade de reunião e manifestação, protecção de refugiados, tráfico humano ou de órgãos humanos, boa governação, transparência e corrupção, direitos sociais na generalidade e outros. Entretanto, embora matérias muito urgentes, não foram criticadas no artigo de Paul.

É verdade que o Departamento de Estado norte-americano, deveria estudar um pouco mais, aprofundar mais os dados e confrontar as suas fontes, mas o seu relatório não é desajustado, infundado e ultrapassado. Penso eu que é pouco elaborado, principalmente no capítulo sobre Moçambique.

Para concluir, devo lembrar a responsabilidade dos Estados sobre a violação dos direitos humanos em outros Estados. Tanto no sistema global como no africano dos direitos humanos, cada Estado membro pode reportar sobre as más práticas e pode inclusive remeter queixas aos órgãos competentes, por exemplo, Moçambique pode remeter uma queixa contra a África do Sul na Comissão Africana ou em outro órgão com competência internacional se este país viola os direitos humanos. Se pode remeter queixas pode por maioria de razão reportar.

Devo também lembrar o papel da comunicação social e da mídia na defesa e promoção dos direitos humanos, do Estado de direito, da boa governação e de boas práticas e não na desinformação e indução de lideranças a discursos falaciosos.

Só um desafio: que no ano de 2009, o departamento de Estado norte-americano seja mais apurado ao escrever o seu relatório sobre os Estados, especialmente sobre Moçambique e que Moçambique, querendo, responda aos norte americanos com um relatório, permitido pelo direito internacional dos direitos humanos e, aprofundando os temas que Paul Fauvet levantou no seu artigo: “Mais um Relatório Sofrível sobre os Direitos Humanos”.

Obrigado

1 comentário:

Tomás Queface disse...

Aqui está o relatório completo http://portuguese.maputo.usembassy.gov/relatorio_dos_direitos_humanos_-_2008.html