quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Uma Carta de Boas Festas ao Povo



Querido povo, chegados a esta altura do ano, resta somente deseja-te festas felizes. Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Estas são palavras que achei em um postal português de felicitações e como nada tenho de material para oferecer, deixa-as para ti.
São todas tuas, mesmo sabendo que passarás um natal sem pão e que entrarás para um novo ano sem esperança nem certeza.
Sinto muito porque vivemos em um país onde a verdade é um bem de luxo e anda escondida entre algumas e bem poucas pessoas. Muita pena porque quem tentar falar a verdade, neste país será conotado como membro do partido da oposição, como se a oposição fosse inconstitucional.
Desejo-te festas felizes, mesmo sabendo que terás um Natal sem salário e um Ano Novo sem justiça porque os salários e o acesso a justiça não são bens para o povo. O povo deve continuar a ter um salário mínimo que não satisfaz nem um quarto das suas necessidades, assim ele não saberá definir suas prioridades. Continuará a viver numa condição sub-humana.
O povo continuará a chorar por justiça. E ao falar de justiça, espero que entendas que ela ainda vai demorar a chegar neste país. Afinal de contas, quando certo gabinete contra a corrupção tentou provocar os tribunais foi imediatamente chicoteado porque os entendidos procuravam salvar sua própria pele? E o povo? Onde fica nisso tudo? Só observa, ele não tem direito a opinião.
Mais tarde, o tal gabinete veio mesmo a ser desmantelado. Depois vieram a luz denuncias e, muitos escritores a acusar, a defender, a opinar, a insultar, em fim, cada um a falar do que sabe, do que ouviu, do que acredita e do que acha que deve dizer.
Feliz Natal meu povo. Feliz Ano Novo também. O pior de tudo é que para o ano ainda terás um monte de cientistas que ao olharem para ti morrendo de fome vão pedir provas. Para o ano continuarás a ter cientistas que quererão que se produzam premissas que demostrem que teus filhos estão nas estatísticas da mortalidade infantil e que nunca acreditarão que a tua aldeia não tem água potável.
Então, já conseguiste comprar um rádio? Como é que pensas que vais ouvir as notícias. Bom, não estás atrasado, pelo menos não para ouvir sobre o estado da nação. No próximo ano ouvirás o que neste não ouviste, que o estado da nação é bom e que a Cahora Bassa já é nossa. Só não sei se conseguirás perceber porque é que ainda moras em trevas e continuas a pagar muito caro para manteres a luz.
Ouvirás que o estado da nação é bom, mesmo que os teus filhos estejam na décima classe e não saibam ler nem escrever, mesmo que as tuas crianças prefiram a rua que a casa, e mesmo que a prostituição seja agora uma das melhores alternativas para que as tuas filhas possam sustentar a família. E mesmo assim, continuarás a ter cientistas que continuarão a rotular-nos de retardados, ignorantes e alto-falantes de presidentes de partidos políticos na oposição.
Desejo-te Festas Felizes meu povo. Procure consolar-te no que podes. Consola-te em qualquer coisa, qualquer ideia ou qualquer crença, porque este teu país continuará nas mãos de certa elite, um clube de amigos e de familiares. Tu que és Zé ninguém e com o pé rapado continuarás a pagar os impostos e cada vez mais excluído da riqueza, porque tudo tem um dono. O pior de tudo é que haverá cientistas que te desafiarão a provar que tudo que digo tem uma dose de verdade. Não te preocupes, Jesus já tinha respondido a esse paradoxo: o que foi escondido aos sábios foi revelado as crianças e aos que ainda mamam. O povo consegue ver onde os cientistas não conseguem. Afinal de contas aquele que fala sabe o que sente.
Nesta altura te pedirei somente que não te preocupes com assuntos difíceis, não percas tempo a querer compreender porque é que o Presidente da República manda plantar jatropha onde devias plantar milho, mapira, mandioca ou bata doce. Não percas tempo a querer perceber o que é revolução verde, alguns músicos desta canção ainda nem percebem a sua letra. Não invistas tempo também a procurar saber porque o ministério da agricultura em três ano teve três ministros e o que agora é já foi povo.
Não procures perceber o que são eleições provinciais, parece que ninguém mesmo sabe o que são. Há vezes em que penso que se calhar uma pessoa invisível está a dirigir este país, na verdade são tantas as perguntas sem respostas, são tantos os absurdos que não se percebe de onde eles vêem.
Peço-te que não perguntes porque compraram transportes públicos demasiadamente luxuosos para a nossa realidade? Não te perguntes porquê há sempre enchentes a noite nas paragens de chapas. Não procures saber porque é que a política de transportes públicos deve ser confiada na sua maioria aos chapeiros. Suportas os chapas na estrada?
Te pedirei também que não invistas tempo a querer perceber porque é que em vez de informação só te dão novelas e músicas que exaltam sexo, ócio, riqueza, beleza e nunca o trabalho, a fraternidade, a união e a humildade. Não procures perceber isso, só te roubará tempo.
Evite também ser enganado pelos oportunistas, todos pensam que o povo é burro, é inconsequente e não tem direcção. Mostra que és um povo consciente e que a tua maneira sabes fazer valer os teus ideais. Não te esqueças que mesmo sendo o último na fila, tu é que dás poder a quem está em cima, por isso procure saber usar muito bem o teu direito a voto.
Não te deixes levar pelo discurso segundo o qual a criminalidade reduziu ou está controlada. Afinal de contas, quase ninguém pára para pensar na pessoa do criminoso. Tu que és povo conheces muito bem quem é o criminoso. Ele é teu filho, teu sobrinho, teu irmão teu amigo, produto da exclusão social, alguém que é criado na rua, lava os carros, ganha uns trocos, cresce e quer tomar seu protagonismo.
Quero que tenhas festas felizes e saibas que fazer justiça com tuas próprias mãos não vai resolver o problema. É verdade que o Estado já falhou na sua política de segurança pública, embora haja alguém que ainda queira que apresentemos provas, mas só a ele como Estado, cabe fazer a justiça. Mesmo que o procurador não pronuncie aqueles que tu apresentas como criminosos, não adianta matá-los, insista com os órgãos do Estado porque água mole, em pedra dura tanto bate que chega a furar.
Feliz Natal e próspero Ano Novo meu povo. Confio em ti e estou certo de que conseguirás sobreviver este momento difícil da vida sem pão e sem esperança. Tu já sobreviveste ao muito, ao mais difícil e ao mais pesado, por isso mesmo que acredito que sobreviverás.
Ora bem, para não encher-te de palavras e palavras, vou ter que fechar esta carta. Tu precisas de tempo para reflectir sobre a tua vida, assim como eu preciso de tempo para pensar como fazer te chegar esta carta, já que não usas internet nem tens uma caixa postal.
E mesmo assim: FELIZ NATAL E PROSPERO ANO NOVO!

2 comentários:

Matsinhe disse...

Feliz Natal Ilustre Dr. Duma,

Espero que as cheias na região centro (por sinal cíclicas) não provoquem vítimas humanas. Que o INGC vá lá com rapidez. Está a chover, o caudal do rio sobe (todos os anos) e as pessoas continuam lá (como continuam aquelas ao lado da Auto-estrada).

Detendo-me a sua carta não se te exige que nos prove a pobreza. Todos sabemos que ela existe. Exige-se-te que proves as suas afirmações graves de que a pobreza é fruto da roubalheira de poucos. Exige-se-te que proves até que ponto o Estado já não tem património (o que a ser verdade é grave pois esse património poderia ser usado para gerar riqueza para minorar os efeitos da tal pobreza).

Exige-se-te que deixes de apelar ao senso comum para, como cientista, argumentares sobre os pontos que levantas.

Só isso.

No geral, boas festas para ti.

Matsinhe

Anónimo disse...

ya ,sem sombra de duvidas..uma verdadeira reflexão..olha caro duma,gostaria de convidar-te a abrires um blog no ovo portal moçambicano..o www.mozlog.co.mz sempre podes fazer upload nos dois..
1 abraço
mozlog@mozlog.co.mz