segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Cumplicidade europeia vs ditaduras em África

Cimeira Europa / África – a cumplicidade da Europa na legitimação das ditaduras em África

Por: Fernando Casimiro (Didinho)
16.12.2007


Uma Europa com princípios de conveniência nos dias de hoje, é uma Europa claramente desacreditada quanto à essência e ao percurso evolutivo da humanidade em função de tudo o que tem tentado definir até aqui, em nome de um mundo mais equitativo, mais seguro, mais justo, mais social, em suma, de um mundo globalizado na sua vertente humana!
A Europa continua a ser um continente com vários discursos: um para consumo interno, outro para as relações com os Estados Unidos; outro para as relações com a Rússia, outro para as relações com a China; outro para as relações com o Brasil, outro para as relações com África, etc.
A questão que se coloca não se prende com as realidades de circunstância nos diferentes discursos de relacionamento entre a Europa e os seus parceiros, mas tão somente no critério de referência em relação às temáticas do Direito Internacional, tendo em conta a defesa de princípios e valores universalmente reconhecidos.
Tendo acompanhado pela Comunicação Social, os trabalhos da Cimeira Europa/África e, na qualidade de cidadão do mundo com raízes de ambos os continentes, atrevo-me a contrariar o espírito de consagração (hoje em dia acto corrente, vulgar), resumido numa definição de histórico, com que se abriu e se encerrou a referida Cimeira.
Uma Cimeira de retórica, com discursos de referência a princípios e valores universais por parte das presidências executiva e de comissão de ambos os organismos continentais, mas assente na falta de coragem para abordagens concretas relativamente a temas do Direito Internacional que, por exemplo, só em relação aos Direitos Humanos teria uma larga abrangência de sub-temas de interesse comum, para debater e esclarecer.
Dizer que "Esta é uma Cimeira entre iguais" foi uma forma elegante de dizer que na verdade nunca estivemos em pé de igualdade (humanamente falando) e estávamos a sê-lo naquele instante, só naquele instante...obviamente, por razões de conveniência, já que o essencial era que a Cimeira decorresse sem incidentes do tipo - abandono de sala por parte de delegações africanas, caso houvesse uma referência mais detalhada e acusadora da parte europeia sobre questões de Direito Internacional, com destaque para os Direitos Humanos, um tema que não devia ficar pelo resumo, pela superficialidade, mas sim por uma abordagem extensiva e de lealdade em busca de respostas enquadradas e argumentadas.
Em África os governantes também falam de Democracia, de Direitos Humanos e de Boa Governação, por conveniência, tal como se falou nesta Cimeira...
No entanto, que respostas temos para as seguintes questões em relação aos Direitos Humanos no continente africano?
a) Ausência de liberdade de expressão;
b) Incumprimento no acesso aos direitos básicos como a Saúde, a Educação, o direito à água potável etc.;
b) Perseguições, agressões e assassinatos de cidadãos e políticos da oposição em diversos países africanos que não só o Zimbabwe, sendo que, com conhecimento de facto da União Europeia!
c) O exílio ou refúgio forçado de cidadãos africanos (fluxos migratórios incluído) consequentes do desrespeito e violação dos Direitos Humanos nos seus países, sendo que com conhecimento factual da União Europeia.
Também poderíamos equacionar a ironia da expressão "entre iguais" para nos referirmos comparativamente ao que hoje se intitula de Boa Governação, um termo a meu ver dirigido ao continente africano precisamente pela constatação de maus desempenhos governativos no continente.

- Boa governação
a) Ausência de rigor na aplicação de financiamentos e investimentos, incluindo os enviados/disponibilizados pela Europa;
b) Desvio e transferência de fundos por parte de governantes africanos para agências bancárias na Europa;
c) Alastramento da corrupção;
d) Enriquecimento visível e ilícito de figuras de Estado de vários países africanos;
e) Ligação/envolvimento/conivência de várias figuras de Estado de diversos países africanos com o tráfico de droga e de seres humanos inclusive para o espaço europeu;
f) Acentuar dos índices de pobreza nos países africanos, quando a tendência, numa governação positiva deveria ser a melhoria das condições de vida das populações africanas.
Falou-se muito, mas fugiu-se aos assuntos delicados durante esta Cimeira.
Digamos que houve uma manifestação de propaganda política principalmente da parte europeia, ao querer mostrar que está tudo bem, apesar de algumas referências superficiais e sugestivas sobre os Direitos Humanos e a Boa Governação em África que insinuam precisamente o contrário.
Foi uma Cimeira de discursos ambíguos, uma Cimeira que não produzirá resultados práticos em relação aos Direitos Humanos e à Boa Governação em África, pois o essencial da Cimeira não era e nem é a vertente humana, mas sim a vertente económica e é aqui que a Europa se despe de princípios e valores e regressa aos velhos tempos do cinismo, da hipocrisia, influenciada por uma concorrência feroz e também meramente de interesse material por parte da China.
Esta Cimeira "limpou" e reforçou a imagem dos ditadores africanos, pois demonstrou um certo servilismo político da Europa, que ao catalogar a Cimeira de "Entre iguais", não fez mais do que tentar desencorajar os que lutam contra a ditadura nos seus países, sabendo que a ditadura existe e quem são os ditadores. Mas a Europa também sabe disso e por conveniência, usa a ambiguidade para manter uma postura de bem com todos mas, principalmente com pessoas que têm dado ordens para assassinar, torturar ou perseguir os seus opositores políticos, dentro e fora dos seus países!
A Europa ofereceu dinheiro a 30 países africanos, uma oferta que visa dividir, mas uma oferta que irá servir para o reforço da corrupção, do enriquecimento de elites e, que servirá igualmente para a repressão dos povos africanos!
Porquê este cinismo?
1- Porque os ditadores estão há vários anos no poder e são eles que dominam as riquezas e decidem os negócios dos seus países, prejudicando o continente africano, beneficiando os seus interesses pessoais, ao mesmo tempo que fortalecem a Europa e outras potências.
2- Porque quem colocou no poder ou sustenta a maioria dos ditadores africanos é precisamente a Europa, através das antigas potências coloniais. (Nas eleições legislativas ou presidenciais em África, a maioria dos observadores internacionais são da União Europeia e são os primeiros a dizer que correu tudo bem...)
3- À Europa interessa que África continue a ser um continente dependente, um continente por desenvolver em vez de desenvolvido, um continente de importação e não de exportação, um continente dividido nas suas tomadas de decisão e acção, mesmo que para isso se tenha que fomentar guerras, sendo que o negócio de armamento faz parte da estratégia ambígua de relacionamento que a Europa mantém com África.
Para mi, quem quer a Paz e a Segurança, não incentiva a guerra. A Europa tem produzido e vendido armas de guerra a países africanos, a governos ditatoriais em África, a troco de dinheiro, de benefícios de exploração de riquezas dos países africanos, alimentando guerras, enquanto cinicamente fala em Paz e Segurança.
Onde estão os bons princípios europeus?
Onde está a igualdade de critérios na definição e aplicação de valores que a Europa defende para os seus cidadãos e para os seus países, comparativamente com a forma como a Europa se posiciona (face aos governantes africanos), em relação aos mesmos critérios de definição e aplicação de valores em África?
Há quem diga que a África está a passar por problemas que outros continentes tiveram no passado, um argumento incoerente e que não deve ser tomado em consideração por quem quer, de facto, ver África no bom caminho, não pelo que reza o percurso de outros continentes no passado, mas pelo que é a realidade de outros continentes no presente!
Se ontem outros continentes ou potências não tinham exemplos reais e pontuais dos passos a dar, hoje, a África tem-nos, de todas as formas e com meios de acompanhamento que podem servir para encurtar o percurso que outros levaram muitos anos a trilhar para hoje se apresentarem da forma como se apresentam.
Porque será que os exemplos de luxo, de uso e porte de bens pessoais se equipara e em certos casos supera a de realidades de outros continentes e os exemplos de fazer bem, de servir os países e povos africanos já é visto como um percurso que merece comparação com o que outros passaram e até para a eterna atribuição de responsabilidades e condenação do colonialismo em África?
Quantos anos mais precisarão os governantes africanos para compreender que a vida humana é a maior riqueza dos seus países?
Que outros exemplos são precisos para se perceber isso para além da liquidação dos melhores filhos de África ao longo dos anos e o exílio forçado dos que conseguem escapar da tirania?
O mundo está em mudança, todos sabemos disso, no entanto, há quem não tenha em conta o reaproximar das potências ao continente africano, onde existe toda a matéria prima/recursos naturais de que África praticamente não se serve, porquanto não ter indústrias dignas do termo, mas que são fundamentais para a sobrevivência dos programas de desenvolvimento ousados e de sobrevivência de potências e continentes carenciados de matérias primas vitais para os seus programas estratégicos de desenvolvimento, isto falando da área industrial, num conceito geral.
Hoje, cada um quer garantir o seu espaço em África, esquecendo-se que África pertence aos africanos e deve ser apoiada para se desenvolver e, no futuro ajudar positivamente outros continentes na base de relações saudáveis e justas, visando servir toda a Humanidade!
Que não se reedite o imperialismo, que não se ressuscite o colonialismo nesta nova definição que é a Globalização, bastando para isso que o humanismo se sobreponha aos interesses materiais e o Homem sinta a sua dor e tristeza para tentar compreender a dor e a tristeza do seu próximo; que o Homem viva a sua alegria e felicidade para tentar compreender a alegria e felicidade do seu próximo.
Digamos a verdade por inteiro e não por meios-termos se, realmente, querermos ajudar na definição e edificação de um mundo melhor!
Vamos continuar a trabalhar!

Sem comentários: