A crença geral anterior era de que Samora Machel não servia, bem como Chissano. Agora dizemos que Guebuza não serve. E o que vier depois de Guebas também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Samora Machel ou no que é o Guebas. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país. Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais que o Dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito pelos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são provedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRPS para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo para as ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns. Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar. Um país no qual a prioridade da passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
Quanto mais analiso os defeitos de Samora Machel e de Guebas, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um Policia de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto Chissano é culpado, melhor sou eu como Moçambicano, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mi, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.
Como 'matéria-prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa. Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTICE MOÇAMBICANA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Samora, Chissano, ou Guebas, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são Moçambicanos como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não em outra parte...
Fico triste. Porque, ainda que Guebas fosse embora hoje mesmo, o próximo que lhe sucedesse teria que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada...
Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Samora, não serviu Chissano, e nem serve Guebas, nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa? Precisamos de um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!
Quando essa Moçambicanidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda...
Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias. Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos Moçambicanos nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que nos anda a acontecer: desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e estou seguro que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não preciso procurá-lo em outro lado.
E você, o que pensa?.... MEDITE!!!
Via: Lo Marxy
1 comentário:
Gostei imenso do texto, é com muita pena que não discordo com nada do que foi dito. Foi um momento de grande reflexão para mim e espero que mais gente leia e reflita a cerca desse belo e vasto Moçambique da qual somos materia prima.
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