Clodoveo Piazza, que presidiu a OAF, é um dos apontados
HELGA CIRINO hcirino@grupoatarde.com.br
TARDE teve acesso, com exclusividade, a um documento do Ministério Público (MP) baiano (procedimento 003.0.79035/09) solicitando à Delegacia de Repressão a Crimes contra Crianças e Adolescentes (Dercca) que apure “suposta conduta criminosa atribuída ao padre Clodoveo Piazza e Marcos Paiva Silva, que teriam abusado sexualmente das crianças e adolescentes internos da Organização do Auxílio Fraterno (OAF)”.
Apesar de o documento ser datado do último dia 29 de junho de 2009, a denúncia ao PM foi apresentada em novembro do ano passado por 12 jovens. Um dos citados, o padre Clodoveo Piazza, ex-presidente da OAF, além de ter sido um dos que assinaram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi secretário estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza no governo passado. Marcos Paiva é ex-diretor-executivo da instituição.
Os denunciantes, hoje já fora da entidade e com idades entre 20 e 35 anos, dizem ter sido vítimas de abusos desde os 6 anos, no tempo em que viveram nos alojamentos da OAF, no Largo do Queimadinho, na Liberdade.
“Eles eram treinados para servir aos padres e aos italianos que ajudavam a instituição”, revela a conselheira tutelar Nilza Silva Pereira, integrante da equipe do Conselho Tutelar 4 (Liberdade), que encaminhou a informação pelo disque-denúncia (100).
Responsável pelas investigações, a delegada plantonista Simone Malaquias não foi achada ontem para falar sobre o assunto e assume o plantão do Dercca hoje pela manhã.
JOVENS – A equipe de reportagem localizou três dos denunciantes, que terão identidades omitidas como forma de preservação de sua integridade. Os meninos contam histórias que vão desde o abuso sexual a atentado violento ao pudor contra um menino com idade não revelada, praticado por um adolescente interno, segundo os denunciantes, com a conivência dos suspeitos.
“Você sabe o que é para um menino não ter nada e ver que está andando descalço, mas o coleguinha que tem tudo só conseguiu porque se deixou levar pelos anseios de um padre que se dizia ser o Deus dos meninos?”, desabafou um dos jovens.
De acordo com a denúncia, os abusos começavam ainda quando tinham 5, 6 anos. “Os meninos contam que eram convidados a dormir com o padre Piazza na mesma cama”, relata a conselheira tutelar. Segundo ela, após as primeiras denúncias, ummenino teria ido ao MP contar nunca ter sido vítima. A conselheira explica o motivo: “Ele ainda é mantido pela OAF e foi acusado de roubar dinheiro. Era denunciar e ser preso”, afirma Nilza.
DESAJUSTE – De acordo com a conselheira, muitos dos garotos vivem hoje histórias de desajuste social, envolvimento com drogas, roubos, furtos e problemas psiquiátricos. “Dois estão doidos, um deles presos, sem falar dos problemas de muitos com as drogas”, lamenta a conselheira tutelar.
Procurado pela equipe de reportagem, o assessor de comunicação da OAF, Valdomiro Júnior, informa que a direção atual da entidade “já foi ouvida pelo MP e está disposta a colaborar nas investigações”.
O assessor lembra que hoje a fundação não é mais gerida pelo padre Piazza e que se houver culpados a posição da OAF é que seja feita justiça.
“Nós vamos auxiliar no que for possível, pois temos o interesse de que as investigações sejam conduzidas com a responsabilidade que acreditamos ter o MP”, resumiu Valdomiro.
Presentes caros para agradar
“Ouvia falar de colegas que se relacionavam com padres, mas nunca quis me envolver”. O depoimento é de um jovem de 21 anos que foi interno da OAF do primeiro ano de vida aos 17 anos. Usuário de drogas, ele começou a usar entorpecentes aos 13 anos. “Usava na OAF. Acho que se eles tivessem me dado uma formação poderia ser um homem de bem”, lamentou. De acordo com o jovem, muitos colegas da OAF se enveredaram pelo mundo das drogas como ele. “Passei da maconha ao crack em um ano”, completou.
O jovem, cujo nome está sendo preservado, disse nunca ter sido vítima de qualquer tipo de aliciamento.
“Mas Paiva uma vez me cantou discretamente, mas ele sabia que essa não era a minha e não insistiu”, afirmou.
De acordo com o jovem, era comum entre os internos os comentários de que Paiva costumava sair com os adolescentes, a quem agraciava com presentes caros. Hoje preso na 2ª CP (Delegacia da Lapinha), acusado de roubo, o usuário de drogas só estudou até a 8ª série e disse não ter tido formação técnica e educacional enquanto esteve na organização.
Procurado pela equipe de reportagem, o advogado de padre Piazza, Gamil Foppel viajou aos Estados Unidos e não pôde comentar a denúncia. De acordo com funcionários de seu escritório de advocacia, ele deve falar sobre o caso hoje à tarde. De acordo com o site da OAF, depois de 30 anos de trabalho missionário no Brasil, “voltado para a defesa de crianças e adolescentes carentes”, o padre Piazza está realizando um trabalho missionário para o mesmo público em Moçambique, África.
A TARDE esteve ontem, por duas vezes, no prédio onde reside Marcos Paiva, pela manhã e à noite. Nas duas vezes, ele não foi encontrado. Por volta das 19h50, após a informação de um vigia de que Paiva havia chegado há pouco, o interfone foi tocado cerca de cinco vezes, mas ninguém atendeu.( H.C.)
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