segunda-feira, 30 de julho de 2007

Papel da Mídia na Construção da Cidadania


Generalidades
A cidadania tem sido definida como sendo o conjunto de direitos e obrigações que dá a pessoa à possibilidade de participar ativamente da vida e do governo do seu povo.
Este conceito foi construído ao longo da história partindo da Roma antiga onde só o cidadão podia participar da vida da civitas, que era a cidade. Sendo que os estrangeiros, estranhos e escravos não eram cidadãos.
Na cidade romana, o cidadão tinha a consciência de membro e era reconhecido como tal.
Assim, podemos construir um raciocínio lógico do que realmente seja a cidadania, podemos incluir elementos que naquela definição clássica com certeza faltaram e, a partir dai abordarmos a questão que se pretende nesse tópico, ou seja, o papel da mídia na construção de uma cidadania inclusiva e participativa.
Sendo, pois a cidadania um conjunto de direitos e obrigações que possibilitam a participação do cidadão na governação, afere-se desde logo que num sistema de governo democrático e estado de direito, esse conjunto já é e deve ser inerente ao cidadão.
Contudo, impedido por vários fatores, o cidadão muitas vezes não usufrui dessa prerrogativa, ficando a margem da sociedade, transformando-se num espectador e não num ator. Por mesmos fatores ele chega a pensar que qualquer atuação do Estado em seu favor é um favor imerecido a sua pessoa.
No conceito acima dado, três idéias fundamentais merecem uma especial consideração no exercício da cidadania, são elas: a consciência de direitos, a consciência de obrigações e a consciência de participação.

1.1 A Consciência de Direitos

Direito na acepção a que é tratado neste texto deve ser entendido como sendo a prerrogativa de exigir de outrem a prática ou abstenção de certos atos ou mesmo o respeito a situações que lhe aproveitam, também pode ser entendido como a faculdade de dispor ou não dispor de algo e por força legal praticar ou deixar de praticar certo ato.
Sendo, pois consciência a faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos ou simplesmente o seu conhecimento e noção, a consciência de direitos como a primeira idéia fundamental no exercício da cidadania, seria a noção da faculdade de dispor ou de não dispor de algo e a prerrogativa de exigir de outrem a pratica ou abstenção de certos atos ou o seu respeito.
Nessa acepção é notória a idéia segundo a qual o direito é a faculdade de exercer certo poder, tendo em conta os princípios da reciprocidade e da sociabilidade.
Contudo o exercício de direitos exige a existência certas garantias como veremos a diante, para sua efetivação sendo que sem elas não seria possível.
Dentro de cada sociedade o cidadão precisa ter a consciência dos direitos que lhe são inerentes, saber e ter noção de que por ser pessoa humana, por ser integrante da comunidade e por existir naquele lugar, existe o mínimo de direitos que não lhe podem ser negados, sendo os primeiros relacionados com a sua personalidade, tais como, a identidade e a preservação da imagem, intimidade e segredo, as liberdades etc, sendo o conjunto desses direitos entendidos como o poder sobre seus atributos físicos e morais, sendo irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis.
Depois vem o rol dos direitos civis e políticos, econômicos e culturais, que tornam plena a realização da pessoa humana como ser. Inclusos a habitação, o emprego a segurança, educação saúde, lazer, votar e ser votado, etc.
Nisso tudo o mais importante é a consciência desses direitos. A pessoa precisa saber que é a obrigação do Estado providenciar condições para uma melhor habitação, providenciar uma assistência medica e medicamentosa, providenciar meios de comunicação adequados para deslocamento e comércio, providenciar políticas que assegurem o emprego e a realização artística de cada um, sabendo que isso não pode ser considerado um favor, mas algo que pelo contrato social entre o cidadão e o Estado este se obriga a realizar em troca dessa parte de liberdade que o cidadão concede ao poder constituído.


1.2 Consciência de Obrigação
A obrigação constitui um dever ou um encargo. É um compromisso a que por ato de vontade ou por força da lei alguém deve dar, fazer ou não fazer algo em proveito de outrem. A consciência de determinada obrigação passa pela noção e conhecimento desse encargo como resultado de um direito que o outro tem.
Normalmente a obrigação é na proporção do direito exercido, embora essa relação não seja forte quando se trata de direitos do cidadão em relação ao poder ou coisa pública.
Como se afirmou no primeiro ponto, é preciso realçar neste segundo ponto que os direitos que o cidadão tem e usufrui, possuem a sua contraparte que é a obrigação para com o Estado e concidadãos.
O exercício de direitos só tem sentido quando se observa a reciprocidade e a sociabilidade, ou seja, entre pessoas humanas iguais perante a lei e onde todos têm mesmos direitos e obrigações.
Por exemplo, se tenho o direito de segredo e intimidade, também devo respeitar a intimidade dos outros, se o Estado deve criar condições de educação digna para mim, eu não devo fugir aos impostos, se tenho direito à saúde e a morar em ambiente são e conservado, eu tenho obrigação de não deitar o lixo em qualquer esquina da cidade, obrigação de manter a cidade limpa e de não fazer o uso abusivo da coisa pública, tendo em vista o direito que o resto da sociedade tem.
Muitas vezes o cidadão se esforça em exigir do Estado, certos comportamentos e, contudo não toma uma atitude que dignifique a sua pessoa como cidadão.

1.3 Consciência de Participação

A consciência de participação significa o conhecimento ou a ciência de ter ou tomar parte, a noção de associar-se pelo pensamento ou sentimento, noção de ter traços em comum ou pontos de contacto com determinada comunidade.
A consciência de participação passa pela responsabilidade de governação, onde a pessoa não só executa as decisões do executivo, mas também participa da sua tomada e se sente parte integrante do motor que move a maquina social.
Uma das grandes dificuldades nos nossos dias é a falta de noção de participação. Tanto o cidadão academicamente instruído assim como aqueles sem formação acadêmica todos devem ter a noção de participar, contribuir e construir a sociedade em que fazem parte. Essa não é obrigação dos outros, não é só coisa de funcionários públicos, de agentes de Estado, de membros de ONGs, é coisa de todo o cidadão e nesse ponto não há exceção, desde a criança ao adulto, ao empregado como não, cada um no que deve e pode, há obrigatoriedade de participar para o bem estar da sociedade.
A participação aqui exigida não deve ser medida em quantidade, mas em qualidade e finalidade, partindo da menor atitude, como não deitar o lixo nas ruas, como não cuspir nas passadeiras, como deixar e ajudar o idoso atravessar a rua, como não quebrar s vidros das escolas, não pisar a grama não buzinar nos arredores escolares ou hospitalares, não estacionar o carro nas passadeiras até ao pagar os impostos, votar, ser votado, obedecer às leis, etc.

É, pois nessas três idéias que se fundamenta a cidadania sendo que a sua efetivação plena significaria a realização plena do ser homem como cidadão. A efetivação plena da cidadania carece da realização plena e cumulativa dessas três idéias, não excluindo nenhuma, pois a relação aqui existente é de complementaridade direta.

Do lado do Estado

Cidadania participativa é, pois a consciência de fazer parte na construção da sua sociedade, escolher seus dirigentes, votar fiscalizar e controlar o poder político, ser não só governado, mas também governante. É ser capaz de construir e ver o que esta sendo feito, como está sendo feito, o que não esta sendo feito e o que precisa ser feito. Contribuir com ações e com propostas, estar presente e pronto para responder a dinâmica social na sua própria comunidade.
A cidadania participativa é ao mesmo tempo inclusiva quando exercida com consciência e responsabilidade. Contudo se aqueles três pontos referem ao cidadão, devem existir pontos que referem ao Estado como poder instituído para assegurar as liberdades e os direitos dos indivíduos.
Essas liberdades e direitos individuais possibilitarão ao cidadão exercer plenamente os seus direitos e cumprir prontamente com as suas obrigações.
O Estado como poder máximo, contudo entendendo-se não como instituição fora do cidadão, mas o conjunto das suas vontades deve criar condições necessárias para que a cidadania seja efetiva.

2.1 Das Garantias Mínimas

Todo o direito necessita de garantias para que ele seja exercido. Quando se diz que o cidadão tem o direito de expressar a sua opinião, ela já deve ter a certeza de que o mecanismo necessário está criado para tal. Garantias são condições que a própria lei cria com força constitucional, indispensáveis a efetivação do direito, como sejam a igualdade, a transparência, o acesso aos tribunais, etc. As garantias são da exclusiva responsabilidade do Estado, sendo ele o poder mais forte.
Por exemplo, uma pessoa só tem o direito à educação quando um outro poder superior tem a obrigação de criar uma escola e condições necessárias para que ela chegue e tenha acesso à escola. Se não existe essa condição, a pessoa não pode afirmar que tem o direito. Ninguém pode afirmar que tem um direito à habitação se não tem condições mínimas de obtê-la e por causa disso mora num barraco ou sob uma ponte.
Assim sendo, não basta que o cidadão tenha o direito, tenha a noção de obrigação e participação, é preciso que o Estado crie condições para que as leis sejam iguais para todos e que constitucionalmente atribua garantias para a efetivação dos direitos e das liberdades.
Olhando atentamente para os poderes criados em vários Estados do mundo vemos que as suas constituições na maioria já asseguram esses direitos, liberdades e garantias, contudo muito longe estão os seus cidadãos de se sentirem parte da governação dos seus paises, sendo que pela vida que as pessoas vivem, não é possível afirmar que são cidadãs, elas não têm o mínimo para serem cidadãos.

2.2 Igualdade Perante a Lei

Um outro fator determinador desse exercício de cidadania é a igualdade perante a lei. A igualdade perante a lei não deve ser entendida só em termos de obrigações, mas também de direitos e participação.
Quando há dois pesos e duas medidas não é possível o exercício da cidadania, quando as pessoas são tratadas de acordo com a cor da sua pele, de acordo com seu sexo, estado social, ou de acordo com seu local de origem, suas crenças ou convicções, não se pode falar de cidadania.
A lei precisa ser igual para todos e as instituições legalmente criadas para zelarem pela lei e ordem, pelo seu cumprimento e implementação precisam como nas figuras jurídicas herdadas da mitologia ter os olhos vendados e balanças equilibradas, transmitindo a confiança e a segurança ao cidadão que não deve fazer justiça pelas suas próprias mãos.
A desigualdade de tratamento perante a lei fragiliza a convivência social, retira a confiança do cidadão ao poder político e cria condições para a rebeldia, revoltas crimes e comportamentos desonrosos por parte dos cidadãos, pois, movidos de frustração e desconsideração, para alem de não participação na construção da sua sociedade e realização da sua pessoa, nada mais sobra senão usar de seus extintos animais para alcançar benefícios individuais em prejuízo da maioria.
A teoria criminalista defende a multiplicação dos criminosos no desleixo da sociedade, enunciando-se na máxima segundo a qual cada sociedade cria e forma seus próprios criminosos.
Assim as leis iguais para todos devem ser capazes de englobar todas as pessoas em mesmas situações da mesma maneira, ou seja, criar condições necessárias para a convivência em harmonia pacifica, estabelecer regras transparentes de participação na sociedade e saber escolher os árbitros que farão a verificação e fiscalização das atuações para que as injustiças sejam reduzidas e punidas.
Com leis justas e aplicadas a todos sem exceção, já estão criadas as bases mínimas para o exercício da cidadania.

2.3 Transparência na Administração

O terceiro ponto referente ao Estado é também extremamente importante quanto os dois primeiros, para uma cidadania inclusiva e participativa, trata-se da transparência na administração sendo que sem ela o cidadão não pode participar da vida da sociedade.
A transparência na administração começa desde logo na criação de políticas públicas, onde o cidadão participa contribuindo na definição de metas, na seleção de idéias e na construção dês estratégias. O cidadão participa na execução e na efetivação das políticas traçadas, ele fiscaliza, melhora, aperfeiçoa e contribui na adequação daquilo que não mais é eficiente.
Aqui as políticas públicas não são entendidas como um sonho, ou uma idéia por se efetivar um dia se Deus quiser, mas como estratégia e como principio sine qua no, na inclusão de todos. A política pública não deve ser para o futuro embora vise para o amanhã, ela deve ser para hoje, deve ser um método para o bem estar do cidadão.
A função pública deve prezar pela transparência a partir do recrutamento dos seus agentes, pois estes devem sentir-se servidores do cidadão nunca senhores ou opressores. O cidadão não deve sentir que esta recebendo um favor quando se beneficie de algum serviço público. Deve por isso existir mecanismos claros para qualquer reclamação do cidadão pela má atuação desses agentes e esperar que as autoridades tomem imediatamente medidas necessárias.
A transparência na administração pública passa também pela prestação de contas, pela punição de infratores e pela realização dos fins traçados, estando o cidadão a par de tudo que estiver acontecendo.
Políticas públicas inclusivas não devem ser um ideal a ser alcançado, elas devem ser uma metodologia para a formação de uma sociedade igualitária, onde todos têm mesmos direitos e mesmas obrigações.
As políticas públicas no ambiente de transparência devem ser uma metodologia para desenvolvimento humano.
De entre todas política que podem ser aqui discutidas, a educação constitui a de maior relevo na medida em que a partir dela as pessoas ganham a consciência e o conhecimento sobre o que seja o Estado, suas funções e obrigações para alem de conhecer todos os direitos inerentes à pessoa humana.
As políticas públicas que visem o acesso à educação por parte de todos cidadão contribuem bastante na construção da justiça social e no combate as desigualdades sociais, abrindo assim uma ampla porta de acesso aos direitos da cidadania.
Assim, com uma sociedade educada e uma administração transparente o cidadão pode realmente participar da vida social construindo, avaliando e melhorando a governação, as políticas públicas e as outras metas de desenvolvimento humano traçados.

Onde é que a mídia entra nisso tudo
Depois de todo esse discurso, alguém poderia questionar: onde é que a mídia entra nisso tudo. E a resposta seria: na construção da opinião, na incitação ou não a ação, na conscientização ou não da população, na intermediação ou mediação do dialogo e como veiculo de informação que contribua na construção dessa desejada cidadania inclusiva e participativa.
A mídia entra na mobilização das massas, na construção da opinião e na critica social.

3.1 A mídia o Poder
A mídia é o principal veiculo de circulação de informação e formação de opinião, através dela é possível ter a garantia da efetivação de todos direitos humanos, desde os direitos da personalidade, os direitos civis e políticos, até aos econômicos e culturais. Isso quando os seus mentores sejam a pluralidade de atores que compõem a sociedade, pois para alem de mentor a mídia também é fiscalizadora dos poderes políticos. Chega-se por isso a afirmar-se que a mídia constitui o quarto poder.
Contudo o maior problema na atualidade é a falta do controle e do poder sobre a mídia por parte dos cidadãos. Tanto na Brasil como em Moçambique o poder e o controle sobre cerca de 90% da mídia pertence a menos de 10 dez entidades, composto por pessoas singulares ou jurídicas. Sendo que quase todo o resto da população depende única e exclusivamente da opinião formada por aquelas menos de 10 entidades.
Quem tem a mídia tem o poder e se formos a perguntar hoje em dia quem é que tem a mídia às respostas concordarão em uma: as empresas e os políticos. Logo o poder pertence a esses tais. Isso contrasta desde logo com a constituição que define o Estado de Direito e de Democracia, pois não estando o poder nas mãos dos cidadãos não se pode falar de Estados de Direito.
O poder tem a capacidade de conferir ao seu titular a possibilidade concreta da ação. O poder oferece a força de agir.
Os empresários, monopólios ou blocos econômicos usam a mídia como produto para o mercado, ou como meio de passarem o seu produto no mercado, para estes não interessa a verdade nem a mentira, o que interessa é vender mais e mais, atropelando tudo e todos em busca de mais lucros e benefícios econômicos.
Já os políticos, ou as forças políticas, tanto as no poder como as da oposição, usam a mídia como meio ao poder, eles querem através da mídia chegar ao poder, especular o poder, combater os concorrentes e manter-se no poder. Estes na verdade não se preocupam com as liberdades individuais, eles usam a mídia para manipular a opinião do cidadão, para dividir idéias e para reinar.
Neste cenário a luta para que o distanciamento do cidadão ao acesso a informação é muito séria. Ou seja, tanto os políticos como os comerciantes e empresários não deixarão que o cidadão tenha acesso e conhecimento da verdade para que assim possa construir a sua opinião.
O direito a comunicação deve ser entendido como seja a pluralidade de visões e opiniões e a representação de todos os setores sociais, devidamente estruturados e equipados para passarem a sua voz.
A mídia tem uma grande força de criar e difundir estereótipos, ela cria o preconceito sobre negros, árabes, mulheres, gordos, baixinhos etc, e com a mesma força ela pode transformar essas figuras que cria.
O papel da mídia na construção de uma cidadania participativa e inclusiva seria então o de promover a compreensão, a fraternidade e a tolerância, a justiça social e a igualdade.
Precisamos fortalecer a mídia e combater a violência por ela veiculada, através do controle permanente da sociedade, exigindo isso uma organização da sociedade civil em conselhos com vista à democratização da mídia.
A democratização da informação torna a sociedade não só consumidora, mas também produtora de informação, respeitando-se a pluralidade e a diversidade.

Principais vicissitudes

Na idéia de cidadania participativa e inclusiva tendo em conta a contribuição da mídia, a sociedade deveria ser cada vez mais organizada e impulsionada a propor, acompanhar e a avaliar políticas públicas. E de forma atuante, exigir e cobrar que os compromissos políticos estabelecidos em campanhas sejam realizados. Contudo devidas situações ligadas à própria mídia e ao cidadão, hoje é difícil ou mesmo impossível falar disso.
Se for possível falar será com certeza em proporção bastante diminuta, contudo positiva por constituir um começo nessa luta.
A organização da sociedade civil em grupos afins e com mesmos interesses, a mobilização das massas e a conscientização das pessoas significam o primeiro passo no assegurar que o cidadão possa exercer o poder.
Entretanto, dentro da experiência jornalística que tive em Moçambique comparando com a realidade de outros locais, importa citar os seguintes pontos como principais vicissitudes que impossibilitam uma cidadania inclusiva e participativa construída a partir da mídia:

4.1 Do lado do Jornalismo

A falta de Alternativa Jornalística
Nota-se nas noticias e informações veiculadas nos mais diversos meios de comunicação que o que realmente existe é uma repetição da mesma matéria. Inclusive o leitor já prevê o que vai sair na próxima edição do diário ou do semanário.
Os produtores e encaminhadores da informação pouco se preocupam com a novidade, exclusividade e qualidade. Pelo contrario preocupam-se mais é com a edição em si, com a venda de mais números e com os ganhos com a publicidade.
Por outro lado está o monopólio das cadeias de informação, falando sobre o Brasil, por exemplo, vemos que a Globo regula e molda a opinião publica brasileira pois é ela que tem maior cobertura e com certeza representada em todo o campo da comunicação social.

Quem produz a informação em Moçambique?

O resto é uma caixa de ressonância, fora de informação nacional que é absolutamente uma repetição de tudo usando novas palavras.
Esses motivos deixam o cidadão sem possibilidade de escolher o que é valido para si e para a construção da sua opinião. O cidadão aparece aqui instrumentalizado e usado como um objeto.

Quando o Jornalismo é só para vender
Muitas vezes o principal objetivo dos jornalistas é vender informação e não educar, informar e defender um exercício de cidadania responsável.
O nosso entender é que a constituição de qualquer organização ou empresa ligada à mídia deveria conter como princípios básicos a pretensão primaria de contribuir na educação do cidadão, na sua informação e na defesa de seus direitos, na defesa da coisa pública e na promoção do bem estar social.
Não são poucas as vezes que as dissensões, as revoltas e os desmandos no seio social são promovidos pela mídia.
A própria lei da imprensa já deveria focalizar esses pontos como obrigatórios na atuação da mídia.

Ausência de investigação e uso incorreto de terminologia
Na pratica estamos acostumados a ver uma simples descrição dos fatos, muitas vezes baseada em aparências, propagada ou boatos. Tal prática jornalística impulsiona a formação de profissionais caixas de ressonância, que estão simplesmente para reproduzir o que aparece sem se preocupar com o seu conteúdo e com as verdades ai subjacentes.
Alguns profissionais de informação limitam-se em concordar com o pensamento da fonte, com as suas argumentações e com as suas palavras. Esse contentamento imprudente reforça a deformação da informação e dos objetivos subjacentes no direito a informação e a liberdade de imprensa.

O compromisso de emprego
Em países pobres onde o desemprego é realmente forte e marcante muitos jornalistas não estão no ramo por amor, arte ou vocação. Estão lá simplesmente porque o jornalismo é também um emprego, o que desde logo significa deficiência na prática do trabalho e conseqüente falta de contribuição na construção de uma cidadania participativa e inclusiva.
Em Moçambique muitos jornalistas não têm a formação especializada, não tem domínio da língua e nem têm o conhecimento da cultura geral ligada ao ramo. Esses jornalistas acabam sendo produtos do desemprego e aperfeiçoados pelo próprio ofício.

Papel da Mídia na Construção da Cidadania (Continuação)

1.2 Quanto ao cidadão

Exclusão Social
O primeiro ponto a ser citado do lado do cidadão, é que este muitas vezes se exclui do exercício da cidadania. Esta atitude é quase sempre motivada por falta de conhecimento e de mecanismos legais para tal.
A auto exclusão é também resultado da pobreza extrema em que a maior parte da população é votada, as assimetrias entre o norte e o sul ou entre o campo e a cidade acaba excluído ou promovendo a auto exclusão do cidadão na vida política do seu país.

Analfabetismo e falta de educação
O segundo maior problema que afeta o cidadão é o analfabetismo e a falta de educação secular. Em países como Moçambique onde mais que metade da população não sabe ler nem escrever a participação do cidadão na construção de uma cidadania participativa e inclusiva é quase nula. É também nula a crítica a atuação da mídia.
Entendemos que a educação constitui o primeiro passo para o desenvolvimento e para a construção não só da personalidade do indivíduo, mas de uma sociedade cada vez mais organizada e responsável. Quem não sabe ler nem escrever não pode analisar, criticar ou opinar quanto ao debate nacional.

Sentimento paternalista: eles vão fazer
Existe também um mal que tem sido alimentado no lado do cidadão: esperar que os políticos façam tudo, esperar que os acadêmicos sejam eles a fazer, a reclamar ou a pedir, porque são eles que sabem, porque são eles que conhecem ou porque são eles que tem o poder.
Isto acaba fazendo com que o barco que é a nossa sociedade se guie sem um capitão nem marinheiros.
Esta idéia que foi construída no processo da colonização segundo a qual o cidadão era simplesmente um sujeito obrigado, não sendo ator social nem portador de iniciativas construtivas foi engrossado pelos regimes ditatoriais que dominaram muitos países de África e que estagnaram a evolução da consciência cidadã.

1.3 Do lado do Estado

O Estado tem uma grande obrigação de elaborar políticas públicas que funcionem. Cabe a ele regular a mídia e conceder as liberdades e garantias para o exercício de um jornalismo livre e responsável.
A medida de liberdade que o Estado concede aos jornalistas ou a imprensa acabará sendo o tamanho das garantias que o cidadão terá para efetivar o seu direito.
Em países como Moçambique e Zimbabwe, ou Nigéria e Serra Leoa, onde os índices de corrupção são altamente elevados, o estado reserva para si o direito de definir o que deve e o que não deve ser publicado. O caso de Moçambique é especial na medida em que a Lei de Imprensa é bastante enriquecida por direitos aos profissionais de comunicação, contudo a repreensão e assassinato de jornalistas têm vindo a crescer e a ser tolerada nos últimos 10 anos.
Nosso entendimento é de que ao Estado como entidade constituída para garantir a justiça social, a ordem e o bem estar cabe incentivar um jornalismo mais profissional, livre e responsável que possa servir como meio de inclusão social e construção de uma cidadania participativa.
Também cabe ao Estado elaborar e implementar políticas públicas capazes de impulsionar aos cidadãos a participarem da vida do país. A sociedade civil como tal não é obrigada a tomar o lugar do Estado nessas obrigações embora tenha um grande papel de mobilização e construção da opinião pública.
O Estado representa o único ente criado para garantir que os cidadãos explorem no máximo a sua potencialidade de seres humanos, é o ente criando para garantir que as pessoas atinjam a plenitude do exercício de seus direitos cívicos.

Problematização
A Participação da Mídia na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos

A comunicação existe para atender o direito à informação do cidadão, o acesso aos bens culturais, para que ele exerça seu poder de produção de conteúdo. A violação acontece quando esses direitos são desrespeitados.
Todo Homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948).
A problemática da mídia na promoção dos direitos humanos está em quem decide efetivamente o que pode ser publicado ou veiculado. A motivação por reunir pessoas com este tipo de responsabilidade justifica-se pelo fato de que não basta o empenho do repórter para que o tema “Direitos Humanos ” chegue às páginas da publicação ou ao telejornal. É preciso que a empresa para quem trabalha adote uma linha editorial que lhe dê respaldo.
Outra questão é a dos interesses econômicos e políticos concentrados na direção dos conglomerados jornalísticos que impedem que conteúdos de interesse do cidadão estejam nas primeiras páginas.
Para alem de que uma adequada formação ao profissional do jornalismo em termos de Direitos Humanos seja fundamental.
Neste sentido, sua função seria a de fornecer elementos para a evolução da vida em sociedade. Isso se confirmaria ao olharmos para o passado e percebermos que a evolução dos direitos teve determinada ordem e que o jornalismo acompanhou.
1. Primeiro foram os direitos civis, na Revolução Americana, com a questão da propriedade;
2. Depois vieram os direitos políticos, com a questão do voto
3. Depois os direitos sociais, na Revolução Industrial.
O jornalismo veio mostrando o que são esses direitos, ajudando até no processo de formação, mas sempre do ponto de vista de divulgar as idéias dos homens que planejavam esses direitos.”
Seguindo esta lógica, o jornalismo teria colaborado também para a organização dos direitos humanos. E com um elemento contundente.
O objetivo do jornalismo que promove e defenda os direitos humanos deve ser o interesse público, o da sociedade e do homem, e não do mercado consumidor. O negocio do jornalismo comprometido com os direitos humanos deve ser o cidadão
Outra forma é promover, da mesma forma que as entidades de direitos humanos, um debate mais fácil, mais decodificado para população de um modo geral, acompanhando a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, por meio de denúncias, por exemplo.
Nesse contexto, a liberdade de expressão - aqui entendida como as leis que impedem a interferência directa do governo e para a defesa do discurso livre - pode fazer pouco no sentido de evitar a dominação das vozes que falam mais alto, ou seja, daqueles que podem influenciar mais os meios de comunicação dentro da sociedade, sejam eles do governo, proprietários de jornais e de outras mídias ou poderosos grupos de interesse.
Num mundo onde a mídia é complexa e disputada é preciso erradicar o analfabetismo e a pobreza.
Como se pode falar em “liberdade de receber e partilhar informações”, se mal se consegue ler, escrever ou não se consegue falar a língua oficial do país? Ou ainda, como se pode falar em liberdade de “procurar e receber informações”, se os governos e as corporações não são obrigados a fornecê-la? Ou quando não se consegue pagar por materiais educacionais ou ainda para acessar os principais meios de comunicação, como o telefone ou (cada vez mais) a Internet? E se você souber que seus meios de comunicação estão sendo espionados?
Direitos assegurados
A Constituição da Republica de Moçambique 2004 é muito enriquecida quanto a matéria dos Direitos Humanos, na relação entre a mídia, cidadania e os órgãos do Estado:
· O artigo 11 dos Objectivos do Estado nas alíneas c) e e)
· O artigo 43 da Interpretação dos Direitos Fundamentais que remete e Declaração Universal e a Carta Africana
· O artigo48 da Liberdade de Expressão e Informação
· Artigo 71 da Utilização da Informática,
Os direitos à comunicação beneficiam-se de aspectos de outros direitos humanos fundamentais contidos na Carta Internacional dos Direitos Humanos e complementam tratados e documentos oficiais. Por exemplo:
o direito a participar da própria cultura e usar a língua materna, incluindo-se minorias étnicas, religiosas e linguísticas;
o direito a informações relativas à governança e aos assuntos de interesse público (liberdade de informação);
o direito à protecção dos interesses morais e materiais da autoria;
o direito à honra e à reputação, bem como à protecção contra ataques;
o direito à privacidade;
o direito à formação pacífica de associações e assembleias;
o direito à educação básica gratuita (ensino fundamental) e a progressiva introdução da educação secundária (ensino médio) também gratuita.
Cada um desses possui uma dimensão relevante para o processo de comunicação na sociedade (tudo poderia ter no final “em relação à mídia e às comunicações”). Esses podem ser considerados como direitos da comunicação de mais alto nível.
O Plano de Acção produzido pela III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Durban, na África do Sul em 2001.
Entre as suas recomendações, destaque-se que os países devem "incentivar a representação da diversidade entre o pessoal das organizações (governos, empresas, ONGs etc.) de mídia, das novas formas de informação e tecnologias de comunicação, tais como a internet, através da promoção adequada da representação de diferentes segmentos dentro das sociedades em todos os níveis de sua estrutura organizacional".
O documento do Plano Durban chamou a atenção para o uso da internet e "das novas tecnologias de informação e comunicação para a criação de redes educacionais e de sensibilização contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata, tanto dentro quanto fora da escola", em todos os níveis de ensino.
produção de material didático com linguagem inclusiva, resgatando de modo positivo as imagens da comunidade negra;
coibir em toda a manifestação literária (incluindo a teledramaturgia) o uso de termos lingüísticos ou imagens que insinuem, estimulem ou reforcem estereótipos em relação à comunidade negra e outras minorias do ponto de vista do exercício do poder político;
veicular mensagens na "mídia" que promovam os direitos humanos e a justiça social;
A mídia deve ser impusionadora de acções afirmativas: "As ações afirmativas definem-se como políticas públicas (e privadas), voltadas à conscientização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade."
Um jornalismo que eduque o cidadão
Que apresente propostas de governação
Que fiscalize o poder publico, as finanças públicas
Que não se conforma com os desmandos e abuso de poder
Que denuncia os corruptos e corruptores
Que se interessa pela gestão e cuidado da coisa pública
Que não seja veiculo de intrigas e palco de contendas e dissensões
Que se preocupe com os tribunais, procuradoria e PIC
Que exija o cumprimento do plano qüinqüenal
Que entenda dos documentos internacionais e Metas do Milênio
Que produza material aproveitável no seio acadêmico
Que mobilize as massas no exercício da cidadania
Que não se compactua com os políticos e não puxa o saco

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Ministério Público Deve Acusar a Dama do Bling


Pelo Crime de Aborto Voluntário (artigo 358 CP)

A Dama do Bling, cantora bastante acarinhada pelo público de Maputo e um pouco por todo o país deve estar em um dos momentos mais difíceis da sua vida per ter passada a experiência de aborto, sobre o qual tive conhecimento através da mídia. Sendo verdade, a noticia que li dizia ter sido a causa do tal aborto “o stress psicológico pelo qual Ivania tem vindo a passar nas últimas semanas, devido a criticas e comentários sobre a sua performance artística...”
Não quero contradizer tal afirmação de familiares que ainda argumentam que “este stress ocasionou-lhe hipertensão arterial, constrição e diminuição do fluxo sanguíneo levando a perda do bebé”.
Na verdade, o que eu saiba, salvo o erro pois não acompanho regularmente as suas actuações e aparições em público, constou-me que tais críticas foram lançadas justamente para salvaguardar o seu estado de gravides uma vez que a mulher no seu quinto mês de gestação deve evitar certos movimentos, comportamentos e lugares, o que a Dama simplesmente ignorou e achou que fossem afrontas a sua pessoa.
Para alem de cantora, a Dama é jurista e penso que não terá dificuldades em entender porque acho que o Ministério Público deve acusá-la por ter cometido um crime que tem uma moldura penal entre dois a oito anos de prisão, previsto no artigo 358 do Código Penal.
O segundo parágrafo do artigo em questão diz o seguinte: “será punida com a mesma pena a mulher que voluntariamente procurar o aborto a si mesma, seguindo-se efectivamente o mesmo aborto.” Sendo que a doutrina jurídica adianta que os meios para abortar podem ser medicamentosos, físicos ou psíquicos, é importante referir que para este caso a Dama usou meios físicos ao sujeitar seu corpo gestante a movimentos, horários e lugares que podem contribuir para efectivação do crime em questão.
Penso que o factor psicológico colocado pela família deve ser, se não provado por laudo pericial descartado, uma vez que a Dama está acostumada a críticas e contra críticas devido o seu jeito de aparição pública o que ela mesma responde friamente e canta com naturalidade.
Já que o elemento subjectivo no crime do aborto é o dolo, não sendo punida a negligência ou mera culpa, é importante referir que a Dama, sabendo por meio de informações veiculadas por mídia e outros, que seu comportamento a levaria a cometer tal crime persistiu nele o que por si prova haver desígnio criminoso, sendo que também se prova o ânimo de prejudicar, o artificio ou manobra para cometimento de tal acto estando também patente a relação causa e efeito bem como a sua participação intencional. Penso que a opinião pública é testemunha.
Pela natureza do meu trabalho, sou contra a penalização do aborto, contudo, em duas circunstâncias, quais sejam: a) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante e b) quando a gravidez resulte de estupro e é precedido do consentimento da gestante ou quando incapaz de seu representante legal. Por uma questão de salvaguardar o direito a vida dos nascituros e até da humanidade inteira, sou a favor da penalização do aborto fora daquelas duas situações.
Quando estamos agora a espera da aprovação de uma lei que eventualmente possa revogar o artigo 358 do Código Penal, importa analisar profundamente todos os elementos que possam de alguma forma contribuir para a banalização do acto e tornar tal prática recurso de satisfação de caprichos pessoais dos genitores.
É importante reflectir na mesma Lei, quais os casos em que o aborto é punível. Penso que para os casos em que tal acto não é punido já trata a própria lei e de forma exaustiva, embora também de forma demasiada pois transparece a meu ver um tendência de liberar completamente o acto independentemente de situações. Quanto ao processo, a grande pergunta reside no facto de, durante as discussões a própria proposta de lei não ter sido socializada nem mesmo aos directamente interessados e aos jornalistas, facto este que pode levar as dissonâncias semelhantes as trazidas pela Lei de Família.
Pode ser difícil para uma mente de mãe, no estado de choque e movido pelo sentimento materno e emoção humana, entender o grau profundo da responsabilidade que a Dama tem no acto que levou a expulsão do feto do seu útero, mas a sua chamada pelo Ministério Público faria sentido na medida em que o crime pode ser considerado público e sua punição relevante na prevenção de futuros comportamentos.
Ressaltou durante os shows em que a protagonista foi uma das melhores atracões, senão a melhor atracão, que pouco ou nada fez, mesmo sabendo que devia, para manter uma grávida saudável e protegida. Os shows são quase sempre realizados depois da meia noite, as casas de espectáculo como o coconuts, para alem de som excessivo são completamente recheados de fumo de discoteca, de cigarros, charutos e em alguns casos de marijuana. A Dama do Bling como artista conhece melhor esses ambientes, e como doutora sabe muito bem como são prejudiciais.
Não sei se, para alem disso ela era também dada ao álcool, mas alguns indivíduos chegaram a afirmar que a Dama já apareceu dizendo que a sua médica havia garantido que nada do seu comportamento artístico influiria no seu estado de gestante, é caso para dizer que, sendo verdade a médica também devia ser chamada pelo Ministério Público.
Repico que nada tenho contra a Doutora em questão e folgo em saber que ela é jurista, uma boa jurista, que fez o curso com boas notas, isso a ajudará a entender que nada de pessoal se esconde neste texto, para alem de que faço votos para que rápido recobre a sua saúde e disposição.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Cidadania e Gestão de Recursos Naturais

Dúvidas Ingénuas

Moçambique é um país extremamente rico em recursos naturais, facto que por sinal, ao invés de manter vivo o orgulho dos nacionais, contribui para uma maior atracção de investidores estrangeiros e turistas.
Os recursos naturais constituem a riqueza de um povo, é dela que maior parte da riqueza é construída, aliás, em Moçambique a agricultura foi constitucionamente definida como sendo a base do desenvolvimento, sendo que esta é praticada na terra que é a mãe de todos os outros recursos. A própria terra pertence ao Estado e a soberania nacional reside no povo.
Com as várias denuncias de extracção desenfreada de recursos naturais, principalmente os faunísticos e florestais algumas perguntas são levantadas e carecem de respostas:

Primeiro: quem autoriza a entrada no país de tais estrangeiros que chegados em Moçambique tomam a liberdade de abater livremente as árvores que lhes apetecem, dizima as florestas, tiram o camarão e peixe em épocas impróprias, poluem as aguas e não criam condições de sustentabilidade, preservando a floresta, plantando novas arvores e obedecendo as regras?

Segundo: quem concede licença de exploração aos cidadãos estrangeiros que uma vez liberados de exercerem a actividade de extracção dos recursos extravasam os limites impostos por razões ecológicas, económicas, sociais e políticas, operando como se de animais se tratassem?

Terceiro: não sendo eles autorizados a operar no país ou a não operarem naqueles moldes, uma vez denunciados os actos hediondos por eles cometidos contra os recursos naturais moçambicanos, qual o papel do Ministério Público nisso? Será que não constitui crime atentar contra a riqueza de um Estado ou de um povo?

Quarto: provada a ineficiência dos órgãos de administração da justiça será que o cidadão pode por si mesmo ou de forma organizada com outros membros da comunidade empreender acções de defesa das suas riquezas e assim impedir a continuidade das actividades a serem desempenhadas por tal investidor estrangeiro?

Quinto: que meios o cidadão moçambicano pode recorrer para ter direito a momentos de lazer nas praias de Gaza e Inhambane onde os estrangeiros donos de empreendimentos turísticos nesses locais pautam por atitudes racistas, impedindo a entrada de negros pobres e de forma descarada vedam o local e o reservam aos seus clientes, amigos e familiares?

Sexto: até que ponto um moçambicano pode ser sócio de estrangeiros, ou seja, quanto tempo e o que o investidor estrangeiro necessita como requisitos a preencher para obter o direito de uso e aproveitamento da terra, direito de exploração de estabelecimento comercial, turismo e outros?

Sétimo: será que o cidadão moçambicano pode reivindicar como seus e de seus herdeiros as florestas, as praias, os animais selvagens e outros mistérios escondidos na natureza dentro do território nacional?

Oitavo: o que significa cidadania para os recursos humanos? Será que existe um mecanismo de monitoria e fiscalização das actividades desenvolvidas nas áreas de extracção e exploração de recursos naturais? Se existe um mecanismo, ele pode ser usado pelos cidadãos?

Nono: que garantias tem o cidadão de hoje na preservação do meio ambiente a ponto de poder dar certeza aos seus filhos de que a terra em que os viu nascer jamais os poluirá e que sempre respirarão ar puro para sua vida e saúde?

Décimo: porquê é que dos principais investidores e empreendedores a nível nacional são de origem chinesa e sul africanos, associados a alguns moçambicanos que por algumas razões também de ordem desconhecida fazem parte do maior partido ou mesmo do poder político?

Décimo Primeiro: porquê os cidadãos nunca têm acesso aos documentos referentes aos acordos bilaterais com países como a China e os outros, no sentido de poder entender e perceber para onde caminha o barco escolhido? Qual é, para o cidadão, o encargo desses acordos?

Décimo Segundo: como é que o governo, a sociedade civil e outros actores definem os recursos naturais e que políticas foram definidas para que todos os cidadãos pudessem usufruir dela de forma plena?

Décimo Terceiros: quanto tempo é necessário para repor qualquer recurso natural que é tirado ainda virgem e é exportado para ser usado de forma desconhecida em outros países sem aproveitar as comunidades locais? Quanto custa uma arvore, uma praia? Quanto custa o ar poluído, as águas poluídas e os peixes dizimados?

Estas e outras perguntas constituem uma pequena parte dos vários questionamentos que valem a pena levantar no sentido de encontra uma resposta na inclusão do cidadão nas políticas públicas sobre os recursos naturais nacionais.

Se calhar a resposta não chegue a ser assim tão necessária neste debate, mas a reflexão em si. A indagação é também indignação contra aqueles que fazendo-se companheiros saqueiam a pátria e contra aqueles que sendo irmãos, reforçam os estrangeiros na aquisição dos vários títulos e permitem que as riquezas naturais nacionais sejam não só saqueadas, mas também vandalizadas e dizimadas.

Amat Victoria Curam (A vitória ama a cautela)

Tenho acompanhado o evoluir do debate que se levantou, resultado da suposta agressão do Advogado Aquinaldo Mandlate, meu amigo e colega de profissão. Nunca gostei de discutir assuntos pendentes, porquanto, sei o quão estes, nos podem induzir ao erro, mas desta vez não resisti por razões óbvias. Devo antes dizer que estou deveras preocupado com a maneira como este assunto está sendo conduzido, pois, se não for conduzido da maneira correcta, esta actuação, pode abrir um precedente deveras grave, para a jovem máquina da justiça do país, explico-me:Há toda uma tendência de generalizar, como que resgatando a má e contestada actuação da Polícia para justificar este suposto acto macabro, que a pouco sucedeu.Não posso deixar de reconhecer que a nossa Polícia é particularmente bruta e despreparada, e é como o outro diz que “tenho mais receio da Polícia que dos bandidos”, como que valendo à pena cair na alçada do bandido que da Polícia.É todo um descrédito, que o evoluir dos acontecimentos não ajuda a combater, pelo contrário, cresce a cada dia a contestação à acção, senão inacção da Polícia. Ainda a pouco, entramos no ranking dos poucos países em que bandidos atacam esquadras da Polícia, caso para questionar que se o bandido vai num à-vontade atacar a esquadra da Polícia, com todo o aparato de segurança que lhe é reconhecido, que será da casa do cidadão comum? Mas voltando a actuação da Polícia no caso do Advogado agredido quero deixar um ponto de vista que talvez vá merecer a condenação dos demais, mas é necessário que o mesmo seja levantado, a seriedade que o assunto encerra não me permite ficar calado sem expor o meu pobre e modesto ponto de vista. É que, tenho assistido a uma tendência generalizada de se olhar para este acto, que se diga isolado, como um acto que reflecte a actuação de toda uma corporação, como que, o que faltava nos já contestados, actos contrários a lei que a nossa Polícia vem praticando. É verdade que os agentes da Polícia olham para os Advogados como pessoas que tem por missão obstruir a verdade no lugar de repô-la, mas é também verdade que nos anais do Moçambique democrático tem havido, embora divergência nos pontos de vista, algum respeito por parte da Polícia, pela figura do Advogado, sendo que não podemos querer normalizar ou chamar de consequência lógica de má actuação de Polícia ao suposto espancamento que foi sujeito o ilustre Advogado. Ao Advogado, se deve o mesmo respeito e dignidade que se deve aos Magistrados judiciais como os de Ministério Público, porque todos comprometidos na descoberta da verdade, na verdade, auxiliares do Juiz, do Procurador e maxime da Polícia. Não são poucas as vezes que a Polícia entende que o Advogado não deveria acompanhar os seus clientes, quando estes sejam chamados a depor na esquadra, este comportamento, entende-se, porque a Polícia sabe que com a presença deste, se veda o cometimento de qualquer ilegalidade; sabe, que vai ter que conduzir o auto de declarações respeitando os ditames da lei, quando a prática aconselha a Polícia a fazê-lo sem a presença de Advogado e com esquemas de coacção física e psicológica a que estão habituados a fazer. È normal, que surja aqui uma discussão, mas nunca uma situação de possível agressão, felizmente a Polícia, embora custe aceitar isso, sabe dar em última ratio o respeito aos Advogados. Sou um exemplo vivo das enormes discussões que tive de travar, um pouco por todas as esquadras da Província para convencer a Polícia de que há necessidade de acompanhamento das declarações dos meus constituintes. Mas que se diga, a minha profissão nunca foi sinónimo de imunidade contra os abusos e a fúria da Polícia, pelo que, quando há uma tendência, de exacerbação dos ânimos, tenho sabido por os pés no chão, pois, sempre lembro-me que quem tem a arma e o poder de manejá-la é a Polícia e o particularmente o Agente que está ali a discutir comigo e que sei que quando esgotados os seus argumentos, vai sempre recorrer a força e que se diga, quando o interesse a acautelar é maior, como a vida, vale pena vergar a pequenos abusos, porque nunca quis morrer com razão, quero é viver com razão. Pelo que, há uma necessidade de olhar para este acto, de forma isolada e sabermos qual o tratamento que lhe é reservado.Uma coisa era o ilustre Advogado ter sido agredido por Polícias sem cara, no meio da noite, mas não, no caso em apreço, é possível, a confirmar-se a sua suposta agressão, identificar os executores da mesma e dos superiores que não souberam conter os excessos dos seus próprios agentes. Existem sim caras e o Advogado agredido terá a oportunidade de indicar as mesmas caras e são estas que devemos perseguir e sem tréguas, pois ao atacar toda a corporação teremos os habituais porta vozes a tentar justificar o injustificável, teremos superiores hierárquicos a desdobrarem-se em explicações para um assunto que pela sua clarividência dispensa certas, senão todas as explicações. A mim não me assusta o comportamento da hierarquia e de outros membros da Polícia em tentar defender os colegas, pois em qualquer parte do mundo a tendência de um Estado, da Polícia, é para o abuso e é o cidadão que se deve insurgir, que deve ir contra os mesmos abusos, devemos sim, ser nós a pressionarmos para que a Polícia mude os seus métodos de trabalho. Acreditem, esperaremos uma eternidade, para ver um porta-voz da Polícia junto as câmaras da Televisão a culpabilizar e responsabilizar seus agentes; esperaremos ainda bons e longos anos para vermos um Ministro de Interior a aceitar que na corporação existem esquadrões de morte, pois, ao aceitar, também, aceita que dirige uma força corrupta, contrária aos interesses do povo e perguntar-me-ia para quê valeria continuar a ter uma Polícia que se presume guardiã da lei e ordem?A Polícia nunca se vai culpabilizar, tão somente o Ministro vai aceitar que esta não conforma a sua actuação com a lei, temos instituições credíveis e legitimadas para aferir do grau de culpabilidade ou não dos agentes: os Tribunais. É certo que a Polícia pode realizar inquéritos, mas, os resultados destes, além de serem suspeitos, cairão sempre no segredo. Meus senhores não temos como levar a barra de tribunal toda uma corporação, mas podemos sim, chamar o agente prevaricador e puni-lo exemplarmente se for o caso, pois a responsabilidade criminal é individual e recai única e individualmente nos agentes de crimes ou de contravenções. Continuarmos a chamar a colação todo comportamento anterior da Polícia, para justificar esta suposta agressão que o jovem causídico sofreu, estamos dispersar forças e a perder uma soberana oportunidade de estancar este mal que não pode de forma alguma continuar, perdemos a ocasião de punir verdadeiras caras.E quanto a actuação dos superiores hierárquicos em tentar sempre defender os seus agentes não devemos nos preocupar devemos sim, ficar preocupados quando estes negam-se a entregar os mesmos agentes à justiça, aí sim, deve haver alguma e toda a preocupação, enquanto isso vamos isolar este caso do resto e olhar para ele com a seriedade que o mesmo exige, porque não pode proceder e nem de brincadeira um agente pensar que pode agredir o Advogado, porque estaria a subverter a singela e importantíssima tarefa de garante de lei e ordem. Ao olharmos para este caso em particular e com todas as especificidade que encerra, estaremos a dar a mão à aqueles agentes que embora casmurros, tem sabido aceitar a presença de um advogado, estaremos sim, a congratularmo-nos com aqueles que nuca se opuseram, mesmo não concordando, embora se saiba que não constitui este nenhum favor senão comando da lei, porque doutra forma seria frustá-los.
P.S. Até agora não sei exactamente o que sucedeu, pois quando o ilustre Advogado, agora recuperado da suposta agressão deveria trazer a verdade à superfície, confundiu-nos mais, sobre o que exactamente teria acontecido, numa atitude quase que similar as hierarquias da Polícia. Procuro apenas a verdade, será pedir muito?
Amosse Macamo

terça-feira, 10 de julho de 2007

Brutalidade da Policia Moçambicana


Ainda sobre a Tortura do Advogado

Penso que seria muito precipitado, neste momento e neste fórum debruçar-me sobre as circunstâncias que levaram aos factos altamente mediatizados sobre as agressões que o advogado da MGA sofreu na esquadra da Machava.
Mas tem algo que dentro de mim não quer calar: está relacionado com o facto do indivíduo torturado ser advogado.
Quando por vários motivos através da Liga de Direitos Humanos denunciamos os actos bárbaros perpetrados pela policia uma parte da opinião pública saiu para ridicularizar os factos apresentados.
Os eventos que marcam o lançamento do relatório anual dos direitos humanos, que é um dos instrumentos importantes sobre a matéria e que também ilustra tal situação são imediatamente ridicularizados.
Nem são poucas as vezes em que artigos são publicados contra os factos apresentados. Como se contra factos houvesse argumentos.
Contudo, o caso do colega advogado que foi barbaramente torturado pela Policia da Republica de Moçambique na esquadra da Machava onde também foi encarcerado por cerca de uma hora mesmo estando em estado grave depois da tortura, levantou meio mundo.
O facto da situação levantar meio mundo chama atenção a algumas situações que acho serem importantes:
Primeiro, porque a vítima é advogado, segundo porque a vítima lutou com o agente policial e terceiro porque o MGA é sem dúvidas um escritório importante de advogados.
É importante lembrar que ainda neste ano de 2007, Moçambique foi reportado pelo relatório do Governo Americano sobre a situação dos Direitos Humanos como tendo uma das polícias mais agressivas e violentas do mundo, argumentos que foram reforçados pelos relatórios da Amnistia Internacional e Human Right Watch.
Estes relatórios foram quase na sua totalidade ridicularizados e levados ao descredito. Vi altos representantes do Estado negarem os factos, jornalistas a reproduzirem o mesmo discurso e cidadãos a argumentarem que aquelas entidades não tinham legitimidade para tocar no assunto.
Penso que o desconhecimento do conceito dos direitos humanos esteja na fonte dessas constatações que as várias representações da nossa sociedade saíram fazendo sobre os relatórios relacionados com a situação moçambicana dos direitos humanos.
Quando escrevi o artigo sobre a responsabilidade dos Estados Africanos pelas graves violações dos direitos humanos no Zimbabwe passei pelas mesmas criticas, o que fiz foi rezar a oração de Jesus: “não sabem o que fazem”.
O que aconteceu com o advogado não é coisa de outro mundo nem é um facto novo, é como todos os dias a nossa polícia trata o cidadão moçambicano. A diferença é que esses cidadãos na sua maioria não são advogados e nem bilhete de identidade têm. Muitos deles são jovens que por causa do custo de vida, desemprego e outras situações transformaram-se em vendedores ambulantes, guardas, lavadores de carros, mendigos e outros.
Nalgumas vezes são pessoas que por certo motivo, e até justo, aproximaram a esquadra da polícia ou então para lá foram levados sob alguma acusação.
A resposta é sempre a mesma, maus tratos, chamboco, intimidação, ameaças e encarceramento.
Nem sempre o cidadão está em condições de fazer frente ao polícia. Este agente já vem fardado, armado e munido de outros instrumentos de poder que colocam o cidadão em circunstância de grande inferioridade, na verdade a polícia deve estar preparada para força maior, o que notamos é que essa força é aplicada para pessoas indefesas, esse é o grande espelho da cobardia dos agentes policiais.
Na maior parte das vezes, os cidadãos que são torturados pela polícia, tanto dentro da esquadra ou fora dela, são pessoas sem referências e sem a quem recorrer. Não tem escritórios nem fazem diferença quando passam nas ruas, são totalmente invisíveis quando falam ou dão um grito de socorro. São o que nós nos acostumamos a chamar de Zé Ninguém.
Em todos os casos, o corporativismo da polícia se faz sentir e a responsabilização nunca acontece.
Torturar um Advogado significa torturar a Ordem dos advogados, mexer com a classe toda e ameaçar os vários escritórios de advogados espalhados pelo país. Torturar um advogado, significa atentar contra toda a estrutura de justiça montada para garantir maior transparência acesso e equidade a pessoas que a procuram. Torturar um advogado significa atentar contra o estado de direito e afirmar categoricamente que as leis de nada servem.
Encobertar os agentes que decidiram e perpetraram este acto significa concordar com a prática e incentiva-la aos vários níveis. Encobertar essa prática significa colocar as pessoas num estado de total insegurança injustiça e vulnerabilidade, pois o advogado não deve nunca temer o polícia e o polícia não deve nunca abusar do advogado.
Esta prática pode ser traduzida na ideia segundo a qual o polícia pode maltratar a quem quiser desde que lhe apeteça.
Como advogado quero continuar a acreditar na Lei e na Justiça. Não quero trabalhar com princípios corruptos nem intimidado. Não quero trabalhar suspeitando o sistema nem quero pensar que a minha profissão é ingrata, na medida em que posso ser torturado por problemas que não são meus nem pessoais.
Quem não quiser acreditar que faça a sua opção, mas como disse Galileu “o que gira, gira”. Não é o facto de negarmos que a nossa polícia deixará de ser uma das mais violentas do mundo, não é o facto de desacreditarmos os relatórios sobre a violação dos direitos humanos em Moçambique que a situação vai melhorar.
Todos sabem que a cidade de Maputo e um pouco de todo o país virou faroeste, onde os policias e os bandidos fazem o que bem lhes apetece e quase ninguém é punido.
Mais ainda, não é necessário que a vitima seja advogado e pertença a um escritório para que a onda de solidariedade cresça, a exigência de responsabilidade seja séria e que o comando geral da policia abra um inquérito para averiguar a denuncia. O valor da pessoa humana é igual independentemente da circunstância em que cada uma se encontra.
Espero não ter exagerado na fala, mas como disse, algo não quer calar dentro de mim e quero muito que se cale.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Brutalidade da PRM

Agora Alargada aos Advogados

Não há duvidas sobre o tamanho e grandeza da má actuação da Policia da República de Moçambique. Esta polícia que não conhece a sua missão e não entende a razão da sua existência, tem mostrado nos últimos anos que para alem de ser cobarde, ineficiente, bruta e desonesta, também é capaz de impor o terror o medo e a desordem.
Semanalmente temos notícias de investidas de bandidos em conluio com agentes da Policia da República de Moçambique, diariamente recebemos notícias de tortura e extorsão a cidadãos por parte dos agentes policiais e a cada hora vemos os polícias maltratando psicologicamente os cidadãos nas ruas exigindo documentos e recibos de bens que eventualmente possam estar a transportar.
O intervalo de tempo entre a denúncia de uma ou mais alegadas execuções sumárias não passa em média quinze dias e quase sempre, os resultados das investigações independentes do Comando Geral da Polícia de Moçambique acabam confirmando que, quando se fez o tiro, realmente houve intenção de matar.
O mais caricato e também obvio é, a protecção que o comando dá aos seus agentes, protegendo-os sempre que estes fogem as regras e agem fora da lei.
Estamos acostumados a uma polícia que não sabe o que são direitos humanos e muito menos conhece as suas próprias regras de trabalho. O perfil da nossa policia é na sua maioria composta por cidadãos que falharam na vida ou foram vítimas do sistema económico que lhes roubou oportunidades para estudarem e ter uma vida condigna a seu próprio gosto e sonho. A nossa PRM é composta por jovens revoltados com a vida, agressivos e que em certo momento alguns experimentaram a droga, o crime e todas as consequências de um cidadão moçambicanamente pobre.
Temos uma polícia composta por jovens de décima classe onde muitos tem dificuldades de escrever e ler o seu próprio nome.
Houve momentos que eu pessoalmente tinha acreditado que da Academia de Ciências Policias, vulgo ACIPOL sairiam agentes que poderiam resgatar a boa imagem da nossa polícia, eu enganei-me. Enganei-me porque esses jovens recém formados, embora ostentem a patente de subinspetores, dentro das esquadras as suas vozes e os seus conhecimentos pouco servem ou quase nunca são aplicados. Pelo contrario, até constituem alvos de inveja, intriga e ameaças na medida em que os chefes das operações e os comandantes das esquadras olham-nos como adversários e concorrentes aos postos.
Estive há dias em uma esquadra importante dentro da cidade do Maputo, em trabalho, e o comandante da tal esquadra apresentou-se, pelo cheiro que senti, embriagado, acompanhado de dois agentes também cheirando bebida alcoólica. No meio da conversa, que foi assistida por um jovem, também agente da PRM, só que recém formado da ACIPOL, o comandante ameaçou-me, dizendo que podia mandar chamboquear-me, e encarcerar-me se insistisse com a conversa dos direitos humanos. Ameaçou o jovem graduado de chamboco e também de cárcere se este abrisse a boca. Alegou que já era policia mesmo antes de nós termos nascido.
Porque não sou de muitas confusões abandonei a esquadra, embora tivesse entendido de dentro como é a nossa PRM e como os agentes saídos da ACIPOL estão longe de constituir uma mais valia para o nosso país.
Aquinaldo Manjate é meu amigo e colega de profissão, fiquei chocado quando pela televisão e Internet recebi as imagens do seu estado físico. Dá para ver seu estado de espírito e o choque emocional. A televisão mostrou as imagens, os familiares e amigos em todo o país puderam ver o que os polícias são capazes de fazer.
Estamos acostumados a imagens chocantes apresentados pelas televisões. Há que concordar que hoje em dia o crime beneficia em grande medida a mídia que pode vender mais e mais. Mas ver imagens de advogados torturados e espancados pelos agentes policiais, isso é novidade. Isso só pode ter um único significado: a PRM alargou o leque do seu alvo, que agora abrange advogados e procuradores.
Como advogado já fui várias vezes ameaçado por agentes armados da PRM, mas nunca tinha imaginado que as ameaças poderiam transformar-se em tortura e homicídio.
O tiro recebido de raspão na cabeça do Aquinaldo mais uma vez mostra a intenção do agente em matar o advogado. Mesmo que tal agente ignorasse Aquinaldo como advogado nenhum cidadão merece esse tipo de tratamento. Ou seja, nenhum agente tem direito de matar pessoas, independentemente de quem quer que seja.
Na verdade isso só vem a provar que realmente a nossa polícia, por motivações próprias e individualizadas ou por ordens superiores, está preparada para matar e não deixar rastos.
Um advogado é também um agente de justiça, auxilia o procurador e o juiz a chegar perto da verdade para que se faça a justiça. Um advogado é também uma autoridade e o seu trabalho visa o engrandecimento do estado de direito e respeito pelos direitos fundamentais. Um advogado não é um inimigo é um parceiro, um colaborador e até um amigo de todos aqueles que amam a justiça. Infelizmente a nossa polícia, o nosso comando geral não entende isso. Entende que o advogado é um perturbador da ordem e amigo dos criminosos e por conta disso alvo a ser abatido.
Infelizmente eu e os meus colegas de profissão ainda acreditamos na justiça e nos órgãos públicos encarregues de administrar a justiça e garantir a ordem pública. Os cidadãos já não acreditam nesses órgãos, o grande indicador é a onda de linchamentos e outros formas de justiça por mãos próprias levadas a cabo por singulares na expectativa de por si garantirem a sua segurança e de seus vizinhos.
Sou trabalhador da Liga Moçambicana de Direitos Humanos e já fazemos várias denúncias contra agentes policiais por maus tratos a cidadãos. Mesmo assim, graças ao corporativismo nos órgãos de justiça nunca ouvimos falar de processos disciplinares e mesmo os processos crimes abertos por obrigação da Procuradoria Geral, muitas vezes nunca chegam a ter desfecho porque o réu acaba por ser transferido e patenteado, passando a estar em lugar incerto.
Os polícias que por azar acabam respondendo perante o tribunal por assassinarem cidadãos chegaram a afirmar que tinha sido a mando de seus superiores hierárquicos e, esses superiores, curiosamente, muitos deles foram em seguida promovidos, coso concreto das afirmações dos polícias condenados na cidade de Chimoio. Lembrar que um deles chegou a puxar da pistola para matar o Procurador chefe em plena sala de audiências. Salvou-lhe a pistola que encravou.
A nossa policia é intimidatória, é ela mesma perigosa. Extremamente perigosa e seriamente preparada para matar. Agora que se juntou a militares nas patrulhas e rondas na cidade, o índice das execuções sumárias subirá grandemente, justamente porque militares foram treinados para matar inimigos da pátria e não para garantirem a ordem pública.
Temo que cedo o cidadão tenha mais medo de polícias que de bandidos. Aliás, enquanto a polícia intimida e mata os cidadãos indefesos os bandidos assaltam com maior liberdade as pessoas e os seus bens.
Amigo Aquinaldo, não desista da profissão, pelo contrário continue lutando pela justiça

Custodio Duma
texto publicado no Autarca da Beira dia 4 Julho dia da independencia dos EUA