terça-feira, 10 de julho de 2007

Brutalidade da Policia Moçambicana


Ainda sobre a Tortura do Advogado

Penso que seria muito precipitado, neste momento e neste fórum debruçar-me sobre as circunstâncias que levaram aos factos altamente mediatizados sobre as agressões que o advogado da MGA sofreu na esquadra da Machava.
Mas tem algo que dentro de mim não quer calar: está relacionado com o facto do indivíduo torturado ser advogado.
Quando por vários motivos através da Liga de Direitos Humanos denunciamos os actos bárbaros perpetrados pela policia uma parte da opinião pública saiu para ridicularizar os factos apresentados.
Os eventos que marcam o lançamento do relatório anual dos direitos humanos, que é um dos instrumentos importantes sobre a matéria e que também ilustra tal situação são imediatamente ridicularizados.
Nem são poucas as vezes em que artigos são publicados contra os factos apresentados. Como se contra factos houvesse argumentos.
Contudo, o caso do colega advogado que foi barbaramente torturado pela Policia da Republica de Moçambique na esquadra da Machava onde também foi encarcerado por cerca de uma hora mesmo estando em estado grave depois da tortura, levantou meio mundo.
O facto da situação levantar meio mundo chama atenção a algumas situações que acho serem importantes:
Primeiro, porque a vítima é advogado, segundo porque a vítima lutou com o agente policial e terceiro porque o MGA é sem dúvidas um escritório importante de advogados.
É importante lembrar que ainda neste ano de 2007, Moçambique foi reportado pelo relatório do Governo Americano sobre a situação dos Direitos Humanos como tendo uma das polícias mais agressivas e violentas do mundo, argumentos que foram reforçados pelos relatórios da Amnistia Internacional e Human Right Watch.
Estes relatórios foram quase na sua totalidade ridicularizados e levados ao descredito. Vi altos representantes do Estado negarem os factos, jornalistas a reproduzirem o mesmo discurso e cidadãos a argumentarem que aquelas entidades não tinham legitimidade para tocar no assunto.
Penso que o desconhecimento do conceito dos direitos humanos esteja na fonte dessas constatações que as várias representações da nossa sociedade saíram fazendo sobre os relatórios relacionados com a situação moçambicana dos direitos humanos.
Quando escrevi o artigo sobre a responsabilidade dos Estados Africanos pelas graves violações dos direitos humanos no Zimbabwe passei pelas mesmas criticas, o que fiz foi rezar a oração de Jesus: “não sabem o que fazem”.
O que aconteceu com o advogado não é coisa de outro mundo nem é um facto novo, é como todos os dias a nossa polícia trata o cidadão moçambicano. A diferença é que esses cidadãos na sua maioria não são advogados e nem bilhete de identidade têm. Muitos deles são jovens que por causa do custo de vida, desemprego e outras situações transformaram-se em vendedores ambulantes, guardas, lavadores de carros, mendigos e outros.
Nalgumas vezes são pessoas que por certo motivo, e até justo, aproximaram a esquadra da polícia ou então para lá foram levados sob alguma acusação.
A resposta é sempre a mesma, maus tratos, chamboco, intimidação, ameaças e encarceramento.
Nem sempre o cidadão está em condições de fazer frente ao polícia. Este agente já vem fardado, armado e munido de outros instrumentos de poder que colocam o cidadão em circunstância de grande inferioridade, na verdade a polícia deve estar preparada para força maior, o que notamos é que essa força é aplicada para pessoas indefesas, esse é o grande espelho da cobardia dos agentes policiais.
Na maior parte das vezes, os cidadãos que são torturados pela polícia, tanto dentro da esquadra ou fora dela, são pessoas sem referências e sem a quem recorrer. Não tem escritórios nem fazem diferença quando passam nas ruas, são totalmente invisíveis quando falam ou dão um grito de socorro. São o que nós nos acostumamos a chamar de Zé Ninguém.
Em todos os casos, o corporativismo da polícia se faz sentir e a responsabilização nunca acontece.
Torturar um Advogado significa torturar a Ordem dos advogados, mexer com a classe toda e ameaçar os vários escritórios de advogados espalhados pelo país. Torturar um advogado, significa atentar contra toda a estrutura de justiça montada para garantir maior transparência acesso e equidade a pessoas que a procuram. Torturar um advogado significa atentar contra o estado de direito e afirmar categoricamente que as leis de nada servem.
Encobertar os agentes que decidiram e perpetraram este acto significa concordar com a prática e incentiva-la aos vários níveis. Encobertar essa prática significa colocar as pessoas num estado de total insegurança injustiça e vulnerabilidade, pois o advogado não deve nunca temer o polícia e o polícia não deve nunca abusar do advogado.
Esta prática pode ser traduzida na ideia segundo a qual o polícia pode maltratar a quem quiser desde que lhe apeteça.
Como advogado quero continuar a acreditar na Lei e na Justiça. Não quero trabalhar com princípios corruptos nem intimidado. Não quero trabalhar suspeitando o sistema nem quero pensar que a minha profissão é ingrata, na medida em que posso ser torturado por problemas que não são meus nem pessoais.
Quem não quiser acreditar que faça a sua opção, mas como disse Galileu “o que gira, gira”. Não é o facto de negarmos que a nossa polícia deixará de ser uma das mais violentas do mundo, não é o facto de desacreditarmos os relatórios sobre a violação dos direitos humanos em Moçambique que a situação vai melhorar.
Todos sabem que a cidade de Maputo e um pouco de todo o país virou faroeste, onde os policias e os bandidos fazem o que bem lhes apetece e quase ninguém é punido.
Mais ainda, não é necessário que a vitima seja advogado e pertença a um escritório para que a onda de solidariedade cresça, a exigência de responsabilidade seja séria e que o comando geral da policia abra um inquérito para averiguar a denuncia. O valor da pessoa humana é igual independentemente da circunstância em que cada uma se encontra.
Espero não ter exagerado na fala, mas como disse, algo não quer calar dentro de mim e quero muito que se cale.

1 comentário:

Anónimo disse...

Amat Victoria Curam (A vitória ama a cautela)
Tenho acompanhado o evoluir do debate que se levantou, resultado da suposta agressão do Advogado Aquinaldo Mandlate, meu amigo e colega de profissão.
Nunca gostei de discutir assuntos pendentes, porquanto, sei o quão estes, nos podem induzir ao erro, mas desta vez não resisti por razões óbvias.
Devo antes dizer que estou deveras preocupado com a maneira como este assunto está sendo conduzido, pois, se não for conduzido da maneira correcta, esta actuação, pode abrir um precedente deveras grave, para a jovem máquina da justiça do país, explico-me:
Há toda uma tendência de generalizar, como que resgatando a má e contestada actuação da Polícia para justificar este suposto acto macabro, que a pouco sucedeu.
Não posso deixar de reconhecer que a nossa Polícia é particularmente bruta e despreparada, e é como o outro diz que “tenho mais receio da Polícia que dos bandidos”, como que valendo à pena cair na alçada do bandido que da Polícia.
É todo um descrédito, que o evoluir dos acontecimentos não ajuda a combater, pelo contrário, cresce a cada dia a contestação à acção, senão inacção da Polícia.
Ainda a pouco, entramos no ranking dos poucos países em que bandidos atacam esquadras da Polícia, caso para questionar que se o bandido vai num à-vontade atacar a esquadra da Polícia, com todo o aparato de segurança que lhe é reconhecido, que será da casa do cidadão comum?
Mas voltando a actuação da Polícia no caso do Advogado agredido quero deixar um ponto de vista que talvez vá merecer a condenação dos demais, mas é necessário que o mesmo seja levantado, a seriedade que o assunto encerra não me permite ficar calado sem expor o meu pobre e modesto ponto de vista.
É que, tenho assistido a uma tendência generalizada de se olhar para este acto, que se diga isolado, como um acto que reflecte a actuação de toda uma corporação, como que, o que faltava nos já contestados, actos contrários a lei que a nossa Polícia vem praticando.

É verdade que os agentes da Polícia olham para os Advogados como pessoas que tem por missão obstruir a verdade no lugar de repô-la, mas é também verdade que nos anais do Moçambique democrático tem havido, embora divergência nos pontos de vista, algum respeito por parte da Polícia, pela figura do Advogado, sendo que não podemos querer normalizar ou chamar de consequência lógica de má actuação de Polícia ao suposto espancamento que foi sujeito o ilustre Advogado.
Ao Advogado, se deve o mesmo respeito e dignidade que se deve aos Magistrados judiciais como os de Ministério Público, porque todos comprometidos na descoberta da verdade, na verdade, auxiliares do Juiz, do Procurador e maxime da Polícia.
Não são poucas as vezes que a Polícia entende que o Advogado não deveria acompanhar os seus clientes, quando estes sejam chamados a depor na esquadra, este comportamento, entende-se, porque a Polícia sabe que com a presença deste, se veda o cometimento de qualquer ilegalidade; sabe, que vai ter que conduzir o auto de declarações respeitando os ditames da lei, quando a prática aconselha a Polícia a fazê-lo sem a presença de Advogado e com esquemas de coacção física e psicológica a que estão habituados a fazer.
È normal, que surja aqui uma discussão, mas nunca uma situação de possível agressão, felizmente a Polícia, embora custe aceitar isso, sabe dar em última ratio o respeito aos Advogados. Sou um exemplo vivo das enormes discussões que tive de travar, um pouco por todas as esquadras da Província para convencer a Polícia de que há necessidade de acompanhamento das declarações dos meus constituintes.
Mas que se diga, a minha profissão nunca foi sinónimo de imunidade contra os abusos e a fúria da Polícia, pelo que, quando há uma tendência, de exacerbação dos ânimos, tenho sabido por os pés no chão, pois, sempre lembro-me que quem tem a arma e o poder de manejá-la é a Polícia e o particularmente o Agente que está ali a discutir comigo e que sei que quando esgotados os seus argumentos, vai sempre recorrer a força e que se diga, quando o interesse a acautelar é maior, como a vida, vale pena vergar a pequenos abusos, porque nunca quis morrer com razão, quero é viver com razão.
Pelo que, há uma necessidade de olhar para este acto, de forma isolada e sabermos qual o tratamento que lhe é reservado.
Uma coisa era o ilustre Advogado ter sido agredido por Polícias sem cara, no meio da noite, mas não, no caso em apreço, é possível, a confirmar-se a sua suposta agressão, identificar os executores da mesma e dos superiores que não souberam conter os excessos dos seus próprios agentes.
Existem sim caras e o Advogado agredido terá a oportunidade de indicar as mesmas caras e são estas que devemos perseguir e sem tréguas, pois ao atacar toda a corporação teremos os habituais porta vozes a tentar justificar o injustificável, teremos superiores hierárquicos a desdobrarem-se em explicações para um assunto que pela sua clarividência dispensa certas, senão todas as explicações.
A mim não me assusta o comportamento da hierarquia e de outros membros da Polícia em tentar defender os colegas, pois em qualquer parte do mundo a tendência de um Estado, da Polícia, é para o abuso e é o cidadão que se deve insurgir, que deve ir contra os mesmos abusos, devemos sim, ser nós a pressionarmos para que a Polícia mude os seus métodos de trabalho.
Acreditem, esperaremos uma eternidade, para ver um porta-voz da Polícia junto as câmaras da Televisão a culpabilizar e responsabilizar seus agentes; esperaremos ainda bons e longos anos para vermos um Ministro de Interior a aceitar que na corporação existem esquadrões de morte, pois, ao aceitar, também, aceita que dirige uma força corrupta, contrária aos interesses do povo e perguntar-me-ia para quê valeria continuar a ter uma Polícia que se presume guardiã da lei e ordem?
A Polícia nunca se vai culpabilizar, tão somente o Ministro vai aceitar que esta não conforma a sua actuação com a lei, temos instituições credíveis e legitimadas para aferir do grau de culpabilidade ou não dos agentes: os Tribunais.
É certo que a Polícia pode realizar inquéritos, mas, os resultados destes, além de serem suspeitos, cairão sempre no segredo.
Meus senhores não temos como levar a barra de tribunal toda uma corporação, mas podemos sim, chamar o agente prevaricador e puni-lo exemplarmente se for o caso, pois a responsabilidade criminal é individual e recai única e individualmente nos agentes de crimes ou de contravenções.
Continuarmos a chamar a colação todo comportamento anterior da Polícia, para justificar esta suposta agressão que o jovem causídico sofreu, estamos dispersar forças e a perder uma soberana oportunidade de estancar este mal que não pode de forma alguma continuar, perdemos a ocasião de punir verdadeiras caras.
E quanto a actuação dos superiores hierárquicos em tentar sempre defender os seus agentes não devemos nos preocupar devemos sim, ficar preocupados quando estes negam-se a entregar os mesmos agentes à justiça, aí sim, deve haver alguma e toda a preocupação, enquanto isso vamos isolar este caso do resto e olhar para ele com a seriedade que o mesmo exige, porque não pode proceder e nem de brincadeira um agente pensar que pode agredir o Advogado, porque estaria a subverter a singela e importantíssima tarefa de garante de lei e ordem.
Ao olharmos para este caso em particular e com todas as especificidade que encerra, estaremos a dar a mão à aqueles agentes que embora casmurros, tem sabido aceitar a presença de um advogado, estaremos sim, a congratularmo-nos com aqueles que nuca se opuseram, mesmo não concordando, embora se saiba que não constitui este nenhum favor senão comando da lei, porque doutra forma seria frustá-los.

P.S. Até agora não sei exactamente o que sucedeu, pois quando o ilustre Advogado, agora recuperado da suposta agressão deveria trazer a verdade à superfície, confundiu-nos mais, sobre o que exactamente teria acontecido, numa atitude quase que similar as hierarquias da Polícia.
Procuro apenas a verdade, será pedir muito?

Amosse Macamo