Caro Povo,
Te escrevo na esperança de que, por alguma via possas receber esta carta e ficares a saber das novidades do teu país. Pode ser ridículo que me propunha a falar-te das novidades do teu país, mas todos nós sabemos que informação é dinheiro e um dos teus maiores problemas é a falta de dinheiro.
E por falar em dinheiro, tive que lamentar o facto de, durante o ano que está a findar, o preço real da comida tenha triplicado o seu valor relativamente aos dois anteriores anos, e que, mesmo assim, o valor real dos teus rendimentos tenha relativamente baixado com a inflação que sofremos.
Não é nada saudável falar-te de inflação, parece que essa linguagem te é muito estranha, sei que dá outra vez quando disseram que a economia moçambicana subiu dois dígitos tu simplesmente viraste as costas porque não sabes o que isso significa.
O povo irmão do Zimbabwe é que deve saber o que é inflação, porque em dez anos de inflação crescente, aprenderam a usar milhões de dólares zimbabweanos para comprar um refrigerante que custava dois ou três dólares há poucos anos e mesmo assim, os líderes aqui da região Austral de África insistem que não há crise nesse país.
Se calhar sejam os parâmetros usados para perceber os fenómenos do povo. Receio que esses parâmetros sejam os mais adequados ou os mais recomendados, porque tanto lá como cá, com centenas de pessoas a morrerem de fome, os porta-vozes continuam a afirmar que não há crise.
Não há crise quando povo tem medo da sua própria sombra. Não há crise quando o salário não chega, não há crise quando o ensino é inacessível, não há crise quando o povo é proibido de manifestar-se livremente ou opinar o contrario do chefe. Quem diz não ha crise, diz que a nação está bem.
Caro povo, no começo deste ano, vi até onde podia ir a tua paciência, marcaste o cinco de fevereiro com sangue e dor e te colocaste na linha da frente, disposto a lutares pelo que acreditas. Não tiveste medo da morte, afinal só pode temer a morte quem tem algo a perder e não quem já perdeu tudo.
Aprendi contigo que vale a pena morrer em combate que a lamentar. Aprendi também que a guerra é ganha com várias batalhas e não com uma só, dai que, pelo sim ou pela não, tenha valido a pena procurares aquela via para chamares a atenção de quem de direito.
Não sei se consegues ver isso, mas parece que, muitos daqueles que chamamos, ou esperamos sejam os “quem de direito” não estão em consonância contigo, quando dizem que não ha crise ou que tudo está bom, estão na verdade a responder outro tipo de questões e não as que tu colocas, porque se assim fossem teriam o mínimo de respeito.
Na sequência, houve alguém que afirmou categoricamente que estamos todos bem. Isso só pode significar que este país continua com aquelas sub repúblicas de que te falei outra vez, uma sub república de Maputo, outra sub república das cidades capitais, mais outra sub república das sedes dos distritos, alguns agora municípios e por fim a sub república do povo, ou seja, a sub república do mato, das machambas e das aldeias.
Infelizmente, é na sub república das machambas familiares onde tu te encontras e quando se diz que não ha crise ou que tudo está bom, pretende-se usar as pequenas sub repúblicas como referencia ou amostra da realidade em que vives.
Na tua república o tempo não corre, o sino não toca e a folga não chega. Todos os dias te são iguais, Sábado e Domingo, Natal e Ano Novo, porque nada de novo te vai acontecer tirando está carta que continuarás a receber. Fora desta, não esperas decimo terceiro porque nem o primeiro nem o segundo tens, o teu rendimento vem da terra, quando não há cheias ou secas.
Na tua república a emoção é a mesma, não te assustas, não te alegras e nem ficas na expectativa. Tudo te é obvio o que te dá o poder de visualizar o futuro com exactidão. Quando uma lei se aprova não sabes dela, alias, nem és incluso na lista dos a ser consultados, entretanto essa lei vai te vincular e ainda por cima diz o nosso direito que “a ignorância da lei não exime a responsabilidade”.
Tu não recebes presentes e as toleranças de ponto não te servem absolutamente de nada, pelo contrário, as vezes só atrapalham a tua luta pela sobrevivência. Nessa mesma Noite que chamam de Natal, enquanto na primeira república se festejava e se comia o perú, tua filha trabalhava no Luso, para garantir a refeição do dia 25 e forças para a noite voltar a trabalhar e garantir a refeição do dia 26 e assim sucessivamente.
Eu aprendi de ti que a esperança é a ultima coisa a morrer. Sei que é uma conclusão falaciosa mas ajuda a viver mais um dia. Infelizmente é isso que mais te aflige, haver gente que pensa que vais viver de provérbios, silogismos, relatórios, informes ou versículos. Se esquecem as pessoas que tu vives de pão, agua potável, hospitais, transportes públicos, segurança pública, trabalho, salários e tratamento dignificante. Se esquecem somente que as palavras não enchem barriga.
Alias, a verdade mesmo é que ninguém está lá para ti, veja que, quando apresentavam a tal conclusão da ausência de motivos para afirmar que o povo está em crise, os outros membros da selecção dormiam, quase ninguém acompanhava. Deve ser de muito trabalho que os campeões aparecem na casa do povo sonolentos.
E o discurso dos campeões, agora mudou, todos se justificam na oferta e na procura para resolver os problemas do povo. Afirmam que quanto maior for a oferta no mercado os preços vão baixar. Agora, não interessa satisfazer as necessidades do povo, vamos primeiro encher o mercado, mesmo que seja com preços altos, quando ele estiver muito cheio então os preços vão baixar. Se esquecem eles que as leis do mercado não são estáveis.
A outra coisa é que os campeões, mais parecem caixas de ressonância que realmente arquitectos. Saem todos a repetir as palavras do capitão. Será que o capitão gosta disso? Penso que não, pois, se assim fosse bastava ele só para implementar todo o plano pentatêuco.
De todas as maneiras, o meu maior desejo era felicitar-te a ti meu povo, desejar-te boas festas um prospero ano novo e não falar dessas politiquices todas que não matam a tua fome nem enchem o teu estômago.
Feliz Natal e um saudável 2009.
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