ALGUNS moçambicanos são “chics”, por excelência. A sua finória não tem igual nem rival. E a esta virtude acrescentasse-lhes o “show” em exibicionismo.
Maputo, Terça-Feira, 27 de Fevereiro de 2007:: Notícias
Esta crónica vem a propósito de um espectáculo que me foi dado a observar num destes dias em um supermercado de Nelspruit, África do Sul e na fronteira de Ressano Garcia, lado moçambicano, respectivamente. O “show” tinha como protagonistas gente “folgada” e cheia de “mola”. Tipo que sabem gastar manifestamente o seu dinheiro... conseguido claro, nos “árduos” 30 dias de labor (quiçá, não sejam dinheiros públicos).
Aconteceu assim: no supermercado onde me encontrava, entra uma senhora “chic” moçambicana acompanhada de uma sua filha. Dirigiu-se à prateleira de produtos de higiene e limpeza e, de lá, pegou quase “tudo” que tinha rótulo de detergentes. Depois pela secção dos cosméticos e, não escapou nenhum desodorizante, champô, creme e outro produto de beleza. Na secção dos consumíveis para cozinha, ela “arrasou” tudo o que estava disponível para uma boa cozinha de luxo. Acto contínuo, deu-se com outras prateleiras, a que se direccionou, nomeadamente de frescos, comidas, bebidas etc. Vou poupar o leitor com outros etc. e tal...
Na hora de pagar a conta, aí é que foi o verdadeiro “show”. Só mesmo visto: a senhora retira da bolsa e espalha pelo balcão notas em dólar, rand, metical, incluindo cartões multibanco e livros de cheques. A conta da cliente atingiu o “tamanho XXXL”, segundo mostrava o painel digital da caixa electrónica de pagamentos. Mesmo assim, a “chic” foi a tempo de exclamar de viva voz e a bom som (para os presentes, claro) a “gorda conta” que tinha a pagar. Mas que falta de modéstia e pudor! Uma “chic” que se preze é discreta e evita fazer exibicionismo em público.
E quando se supunha que a “chiquérrima” tinha finalmente adquirido “tudo mais alguma coisa” para o seu rancho, eis que a filha se lembra de acrescentar à farta ração do seu cachorro veludo, mais uns quilogramas de carne... parece ficção não é? Mas é verdade! Só mesmo visto!
E no final, o volume das compras mais se parecia para a revenda do que para o consumo doméstico de uma simples casa... só que mais tarde, ela se apercebe de que o seu “Rodeo” já não dispunha de espaço suficiente para arrumar tanta carga na bagageira do cromado “pick-up”. Curiosamente, parte daqueles produtos poderiam ser adquiridos em qualquer esquina e supermercado de Maputo. Enfim, a “chic” acabava de dar incontestavelmente, o merecido destino às suas economias. Para os “chics”, não há mãos a medir quando se trata de gastar dinheiro que é seu e, assim sendo, estão livres de fazerem dele o que bem entenderem.
Naquele instante, vieram-me imagens de uma viúva de Inhaminga em Sofala que vive no limite da linha de pobreza absoluta, sem meios para sustentar os filhos órfãos da falecida irmã que morreu vítima de Sida.
Uma outra imagem povoou o meu imaginário: a velha Massaganha, uma idosa de Nicoadala, na Zambézia (cerca de 80 anos) que perdeu o marido durante a guerra e vive rodeada por uma dúzia de netos menores, cujas mães e pais morreram por diversas doenças. A cubata que alberga estes infortunados só tem estacas cercadas pelos quatro lados e nada mais.
“Demasiado pobre”
Maputo, Terça-Feira, 27 de Fevereiro de 2007:: Notícias
Com tudo isto, fiquei emocionado e chorei “dentro-dentro”.
Chorei de raiva e repulsa. Senti-me chocado e agredido psicologicamente com a extrema contrariedade de um país, “demasiado pobre” e paradoxalmente “demasiado rico”. Chorei também por remorso e culpa, por eu e outros clientes naquele “shop” sermos também cúmplices daquele exibicionismo barato já que assistíamos impotentes e acomodados sem poder fazer nada. E o mais preocupante nisto tudo é que a “chic” vinha acompanhada de sua filha!
Afinal, que valores queremos transmitir às nossas crianças? Que geração de crianças queremos formar para o Moçambique de amanhã ? Como será, por exemplo, esta criança que “participa” com a mãe neste tipo de “show-off”? Será esta criança capaz de compreender amanhã existência de um outro lado da sociedade moçambicana o lado da penúria e carência absolutas? Estas crianças serão que saberão que mais de 80 porcento da população do seu país vive abaixo da linha de pobreza absoluta? E por que então gastar “rios de dinheiro” aos olhos dos nossos filhos, quando há outras da mesma idade sem lápis, um caderno para escrever, para não falar de um tecto e comida (como os netos órfãos daquela velha Massaganha)!? Já se pensou no que poderá acontecer se estas crianças um dia (na juventude ou na fase adulta) não conseguirem dinheiro “que baste” para alimentar os seus caprichos?
Não custa adivinhar que a frustração levá-la-ás ao submundo da droga, prostituição e criminalidade para conseguirem aquilo a que foram habituados na sua lorde infância.
Sem pretender apregoar o igualitarismo na sociedade, já que igualdade na Natureza não passa de um conceito ou de uma abstracção, não custa compreender essa oposição de contrários em que alguém com dinheiro à farta, compra carne e champôs para cachorros de estimação quando um outro semelhante ao lado, nem pão sequer tem para “enganar” o estômago?
Voltei a emocionar-me, pois não compreendia a insensibilidade humana e questionei-me “afinal onde andam os valores morais de que tanto defendemos”? Ao mesmo tempo que me soavam aos ouvidos as insistentes recomendações do Presidente da República, Armando Guebuza, para a entrega dos cidadãos no combate à pobreza no país.
É tempo de incutirmos nas nossas crianças, o espírito de simplicidade e modéstia. É preciso dizer a elas (quando choram caprichosamente por uma fantasia de brinquedo de luxo que, invariavelmente, destroem dias depois) que há outros meninos que vivem do lixo e não têm casa nem nome registados...
Às nossas crianças cultivemos valores de solidariedade e generosidade para que amanhã possam perante a sociedade orgulhar-se dos pais que tiveram (os filhos de Samora Machel, figuram nesta lista). Vamos salvá-las do ganancioso mundo material (música de Stewart Sukuma) ensinando-as a amar o próximo como no video-clip “Vidas Positivas”, que passa nos nossos canais televisivos.
ALBINO MOISÉS
SÓ O QUE NÃO ACONTECEU : “Chics”, carros, compras e exibicionismo (2)
MAS o filme que mais me alongou o queixo passou-se na fronteira de Ressano Garcia - do lado moçambicano: um “chic” estaciona sua viatura e dirige-se ao “guichet”. Já aviado vai a um agente das Alfândegas para últimos demarches, o agente junto de mim, pergunta ao “chic”: qual é a marca da sua viatura? E o “chic” depois de uma ligeira pausa respondeu, meio duvidoso: “Mercedes” (provavelmente, daqueles da classe “C”).
Maputo, Quinta-Feira, 1 de Março de 2007:: Notícias
Só quando iniciam o passo para o local da viatura, o “chic” dá conta que se enganara. Afinal, ele desta vez não vinha no seu habitual “Mercedes”, mas no elegante “RAV4”. Rectificou o erro e pediu desculpas pelo despropositado... aquele “engano” do “chic” deixou-me boquiaberto e fiz algumas confidencia aos meus botões, “puxa, será que esta gente tem tantos carros assim, que troca como camisas, até ao ponto de não se recordar em qual deles se fazem transportar, a dado momento?
Talvez por isso mesmo, Jaime Cuambe editor na sua coluna “escreviver” de 11.06.02 tenha observado e que, passo a citar “... o que é dado a assistir é que existem casos de funcionários e técnicos do Aparelho do Estado que possuem nas suas garagens uma frota de carros das mais variadas e modernas marcas e estilos. Muitos destes “quadros” justificam a posse destes carros dizendo tratar-se de viaturas adquiridas para projectos. Mas a realidade é tão nua que desmente por completo este argumento. Os tais carros que dizem ser para projectos são viaturas que vemos desfilar nas cidades, quintas, praias e outros lugares de diversão. São carros que vemos nas mãos das esposas, filhos, sobrinhos e, muitas vezes “enteados” e amigos dos funcionários seniores do Estado, e não muitas vezes assistimos aparatosos acidentes de viação envolvendo pessoas próximas aos funcionários que beneficiam dessas regalias tropicais”. E isto acontece precisamente, volto a citar o cronista, “... quando o principal hospital do país não possui ambulâncias para atender a casos de urgência, o enfermeiro de Mavonde, em Manica, percorre centenas de quilómetros a pé para assistir os seus doentes”.
Esbanjamento de dinheiro
Maputo, Quinta-Feira, 1 de Março de 2007:: Notícias
A crónica de “James” (como é tratado pelos mais próximos na Redacção) levou-me a uma “viagem” daquele doente cadavérico que vi em Morrumbala transportado na jangada montada numa bicicleta “cansada” percorrendo dezenas de quilómetros a pé. E talvez venha a propósito um apontamento de Gil Carvalho (15.07.02) sobre este assunto que afirmava “... há muitos dirigentes neste país (desculpa a ousadia), que pegam nos dinheiros do Estado e passam férias em locais cómodos deste mundo, sob o pretexto de estarem em missão de serviço”.
Tal como nos é mostrado pelos dois cronistas, parece existir muita evidência de utilização do dinheiro público para fins pessoais. Fará sentido que um tipo tenha tantos carros na garagem a ponto de até se esquecer das marcas e seus modelos?
Voltando ao “chic” do “RAV4”, dizia eu que fiquei apavorado e boquiaberto. E foi então que resolvi evitar um olhar frontal ao “chic” com o medo que ele se voltasse para mim e perguntasse à moda “ku duru”: “Tá me olhar porquê / Támos sempre a subir/ Estamos a subir mesmo assim”. E foi então que desviei o meu olhar para um outro ponto e, mais uma vez não fui feliz: é que os meus olhos captaram uma outra cena: um dos carros que acabava de estacionar ao meu lado um “Audi” (A4) tinha na sua bagageira entre as inúmeras compras um produto que me agrediu psicologicamente... PAPAIAS. Tive que abrir bem a vista para acreditar no que via. Sacudi a cabeça para me certificar de que não estava a sonhar... ou seja, “Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade”(Mia Couto, carta ao presidente Bush, 26.03.03, in “SIC Online”). E afinal o que eu via eram papaias mesmo. Importadas da África do Sul. Mas para quê isso compatriotas? Há justificações para tal? Alguém encontrará uma resposta convincente? Isso não levará a que os outros pensem que cá nós não produzimos nem sequer papaias?
Perante isto, fiquei imobilizado e a minha auto-estima ficou “em baixo”. Fará qualquer sentido que alguém vá ao estrangeiro comprar aquilo que mais aqui temos aos “pontapés”: papaias”? Por favor, revejam os padrões de consumo!
ALBINO MOISÉS