domingo, 31 de janeiro de 2010

O Drama dos Negros e a Maldição

Ninrode

A tragédia no Haiti levantou várias questões relativas a situação dos negros no mundo. Uma reflexão que não é de hoje mas que nunca chega a resultados confortantes. O que se apresenta como tese provável é que onde estiverem os negros, ali há dor, sangue, lágrimas e miséria. Isto leva-me a desenvolver um pouco a questão da maldição.

Acompanhei que um alto funcionário do governo haitiano no Brasil, chegou a afirmar que os negros estavam todos amaldiçoados e que onde eles estiverem esse lugar está mal. É claro que ele pronunciou estas palavras em off record, mas os jornalistas, naquele seu jeito característico publicaram a gafe. Entretanto, a questão que fica é: de onde vem essa ideia de maldição dos negros?

Uma das teorias mais difundidas tem como fonte a Bíblia Sagrada. Numa história acontecida depois do dilúvio, em que Noé, o sobrevivente, não era o único, ele tinha três filhos que eram: Sem, Cam ou Cão e Jafeth. Estes três filhos de Noé é que povoaram a terra depois da morte de todos por chuvas intensas. Mas antes de povoarem a terra Noé tornou-se lavrador da terra e plantou uma vinha.

A vinha é uma plantação de videiras para a produção de vinho ou uvas de mesa e passa. Quando a plantação é de grandes extensões, então chama-se vinhedo. Noé plantou uma vinha e dela colheu uvas suficientes para produzir vinho e embebedar-se pesadamente a ponto de deitar-se nu na sua tenda.

É aqui que a coisa se complica, de acordo com a Bíblia Sagrada, no livro de Génesis, no capitulo 9 a partir do versículo 20 a 29, conta-se que Cam, o tal que também é conhecido por Cão, (não o canino) quando viu a nudez do seu pai, foi contar como uma piada aos seus outros dois irmãos, a Sem e a Jafeth. Estes tomaram a providencia de cobrir o pai sem olhar para os seus órgãos genitais.

Noé recuperado da bebedeira, ouviu o que acontecera e o que o seu filho mais novo Cam fizera. Foi assim que ele proferiu as seguintes palavras de maldição: Maldito seja Canaa, servo dos servos seja aos seus irmãos. Depois abençoou os outros dois filhos, os que lhe taparam a nudez, com as seguintes palavras: Bendito seja o Senhor, Deus de Sem, e seja-lhe Canaa por servo. Alargue Deus a Jafeth e habite nas tendas de Sem e seja-lhe Canaa por servo.

O Capitulo 10 de Génesis fala dos descendentes de Noé, homem sobrevivente do dilúvio e que viveu 950 anos. Jafeth teve 7 filhos, Cam teve 4 filhos e Sem, que era o irmão mais velho de Jafeth teve 5 filhos.

Não vou falar de todos os netos de Noé, mas somente dos filhos de Cam, o tal que foi amaldiçoado. Os seus filhos são: Cusi ou Cush, Mizraim, Pute e Canaa. Um dos netos de Cam, filho de Cush, tornou-se um homem muito poderoso e famoso, ele esteve na origem de Babel, da Assíria de Ninive, entre outros grandes reinos e grandes cidades da época, trata-se de Ninrode.

De acordo com estudiosos dessa época, como o famoso Flavius Joseph, Ninrode, de seu nome que significa rebelde,"pouco a pouco, transformou o estado de coisas numa tirania, sustentando que a única maneira de afastar os homens do temor a Deus era fazê-los continuamente dependentes do seu próprio poder. Ele ameaçou vingar-se de Deus, se Este quisesse novamente inundar a terra; porque construiria uma torre mais alta do que poderia ser atingida pela água e vingaria a destruição dos seus antepassados. O povo estava ansioso de seguir este conselho, achando ser escravidão submeter-se a Deus; de modo que empreenderam construir a torre [...] e ela subiu com rapidez além de todas as expectativas."
Entretanto, os filhos de Cush, neto de Noé por Cam, o tal que foi amaldiçoado, para alem de dominarem e povoarem uma larga área na Ásia, também povoaram as regiões da Africa como é o caso hoje de Egipto Sudão, Etiópia, Somália e outros. Aqui, afirma-se que os filhos de Cush também estiveram na origem dos africanos, já que antes deles nada existia em consequência do dilúvio.
Esta é pois a origem da tal apregoada maldição dos negros. No caso do relato bíblico estar certo, diríamos que a mesma maldição atingiu asiáticos já que os descendentes de Cam povoaram largamente aquele continente. E os defensores desta tese fazem uma pergunta realmente forte: no contexto moderno da sociedade, quem está servindo quem? Quem é o servo dos servos? A resposta para esta pergunta está em África e na Ásia.
São os africanos que servem o mundo. Parece verdade. São os africanos que parecem para alem de servir aos servos dos servos, continuam a viver uma série de infortúnios que de nenhuma maneira dignificam o ser humano. A ser verdade tudo que a bíblia diz, Ninrode seria o primeiro modelo de rebeldia para os africanos e asiáticos e desde ele para cá, entre estes povos, dificilmente se chega a consenso.
Por economia de espaço, gostaria de continuar esta reflexão na próxima semana. Mais não disse.

domingo, 17 de janeiro de 2010

O Pós Eleições: As Tomadas de Posse e o Novo Governo

Depois da corrida eleitoral e do reconhecimento dos resultados que deram vitoria esmagadora a Frelimo, foi necessário sair de todas aquelas lamentações infrutíferas de um processo que teve evidencias de vícios e dura propagada para arregaçar as mangas rumo a novos desafios e novas batalhas.

Foi ali que pudemos reparar com quem contar no próximo processo governativo. Só para lembrar, o processo governativo envolve tanto os que estão no governo como os questão na oposição. Envolve os outros dois poderes, concretamente o judiciário e o legislativo. Envolve também a mídia e a sociedade civil. Em suma, é um processo que envolve todos cidadãos lúcidos.

Então pudemos reparar em que estava lúcido e quem não o estava, porque o processo governativo não é só feito de elogios, é principalmente feito de crítica e auto crítica. É feito de monitoria e prestação de contas, é feito de transparência, verticalidade e sentido de Estado. O processo governativo é feito tendo em conta às leis e os objectivos de uma nação toda.

Notamos que alguns não estavam dentro desta forma de ver o processo governativo, a começar pela Renamo que acabou mostrando aos moçambicanos e ao mundo que não sabia muito bem o que pretende obter como resultado da sua militância, se é que ainda podemos falar de militância. Depois de terem feito corro aos órgãos eleitorais no processo das candidaturas, hoje aparecem a desmentir os resultados.

É caso para dizer que hoje recusam os frutos da árvore que plantaram. Falam de uma manifestação que não tê condições de existir e muitos recusam-se a tomar posse porque o chefe ordenou. É a tal disciplina partidária de que, às vezes, os membros da Frelimo foram vítimas. Uma disciplina partidária que se sobrepõe aos interesses de uma nação inteira.

Uns recusaram-se a tomar posse, mas outros tomaram posse. Fica-se agora a espera das sanções que publicamente foram prometidas aos tais rebeldes. Eventualmente uma expulsão do partido. A assim ser, é o fim da Renamo, uma Renamo que já está acabada e que com uma decisão tão irracional determinará a sua putrefacção total. É que uma parte desses rebeldes, fazem parte da lista dos melhores filhos desse movimento.

O MDM tomou posse mas ficou aquela dúvida se haverá ou não condições para que se torne uma bancada. Seria sensato para a Frelimo criar condições para tal, já que o discurso de tomada de posse do Presidente da Republica enfatizou a inclusão e participação. Embora o partido ganhador não esteja interessado numa oposição fortalecida mostrará com A mais B o grau da sua maturidade, fruto desses anos todos que está no poder.

Mas depois tomou posse o Presidente da República, numa cerimonia que mais foi concorrida por convidados oficiais que por cidadãos vivendo na cidade de Maputo. Pode ser que muitos preferiram ver a cerimonia pela televisão, mas muitos tiraram o feriado para irem a praia, matar o calor com a brisa do mar. É caso para questionar a consciência cidadã que nos acompanhará nos próximos cinco anos. Enquanto se discutem os planos económicos sociais, os orçamentos do Estado, as propostas de Lei entre outros, os cidadãos estarão na praia e nas barracas.

Espero do Presidente reeleito o cumprimento das suas promessas, em primeiro lugar o fortalecimento das instituições, a começar pelo sector da justiça que ele já abençoou com a indicação do nosso amigo e colega para o cargo de Vice ministro. É um sector onde brilha a juventude, a começar pela própria Ministra, passando agora pelo seu vice, até aos assessores. Esperemos que essa juventude venha a associar a sua pujança aos interesses desta, também jovem nação, que se pretende mais democrática, mais de Direito e onde as liberdades individuais são respeitadas e onde a LEI impera.

Fortalecer esse sector significa também não interferir nos tribunais, nem usar as instituições de justiça para obtenção de ganhos próprios ou partidários. Espero que a Assembleia da República seja mais proactiva e transforme-se numa instituição realmente legislativa e fiscalizadora. A experiência que nos habituou no passado, de reboque ao executivo não se reflecte no discurso do PR.

Sobre as nomeações do novo Governo, confesso que esperava mais do que Armando Guebuza fez. Embora tenha mostrado alguns sinais de ousadia e receios de contrariar os ganhos do último quinquénio, optou por uma continuidade bastante contestada em alguns pelouros o que pode desmotivar muitos funcionários, e se calhar, criar outros incêndios.

Virando para a nossa sociedade civil diria que ela está doente. Dizem que deve ser por causa da infiltração do pessoal da SISE lá dentro, ou por medo de uma reprovação e consequente exclusão pelo partido no poder que não olha bem para aqueles que ousam criticar. Seja como for, é inadmissível que uma sociedade civil se atrele aos interesses de partidos, e aqui é importante frisar, de partidos tanto no poder como na oposição. Não se constrói uma nação com cobardes, fingidos e medrosos.

O que acabo de dizer sobre a sociedade civil, também o digo em relação a mídia. Uma mídia que vai defendendo os partidos foge completamente da sua missão de informar e informar com qualidade. Relega para a lixeira a sua missão de fortalecer o exercício da cidadania através da pluralidade de opinião e participação de todos. Passa a ser essa mídia, a vergonha da nação que pretendemos construir.

Embora eu acredite que é impossível termos uma mídia não influenciada, acho ser ridículo que toda a máquina da comunicação social de um país seja utilizada como instrumento de propaganda política e manipulação da informação e sobretudo da verdade.

Deixo o mesmo apelo aos académicos. Nossos académicos ambiciosos mas desnorteados. Usam a capa de académicos para obter ganhos no poder. Esquecem o facto de que só de serem académicos obtiveram já o maior poder que se pode ter. É triste ver uma nação inteira com académicos gagos e de caneta e língua curta só porque querem estar nas graças de quem dirige. Esse comportamento não vai ajudar o governo que brevemente vai tomar posso e consequentemente, não vai ajudar os cidadãos.

Mais uma vez somos todos chamados a contribuirmos seriamente e sem cobardia, com tudo que temos e somos para a construção desta jovem nação, composta por jovens e dirigida por jovens.

sábado, 9 de janeiro de 2010

2010, Que Seja Um de Inclusão e Participação


Em Janeiro do ano passado escrevi um texto em que desejava aos moçambicanos um 2009 de exercício de cidadania sem medo. Ai apareceram os meus amigos a questionar o tal medo. Se não era somente um fantasma na minha cabeça ou invenção de quem está acostumado a estar na oposição. Eu já estou habituado a esses meus amigos filósofos.

O que se veio a demonstrar nos meses subsequentes foi que o medo e a intimidação foram se agudizando e aqueles que não acreditavam nas minhas premissas passaram eles mesmo a serem instrumentos da propagação do tal medo. O que quer dizer que não conseguimos realizar o exercício de uma cidadania sem medo no ano de 2009. Se não estamos preparados para a mudança, passamos nós mesmos a ser instrumentos do mal.

Entretanto, proponho para 2010 um ano de inclusão e participação como forma de reduzirmos o medo, as assimetrias e a construção de uma elite baseada no escovismo e interesses estomacais. Antes disso, gostaria de relembrar alguns outros pontos que coloquei para o ano passado.

No texto de Janeiro, também elogiava o crescimento formal da democracia moçambicana ilustrada por um lado pela realização de eleições multipartidária e por outro lado pela participação de mais partidos e organizações no jogo político, mas criticava o facto dessa democracia nunca passar do formal para o material. Temos uma democracia aparente, que não chega a se concretizar, já que ela pressupõe o poder no povo ou o povo no poder.

Falei também dos perigos que estavam eminente quando o maior partido moçambicano mostrava sinais de querer ser hegemónico e controlar tudo e todos. Isso ficou claro com as eleições de 28 de Outubro. E os intelectuais moçambicanos continuam com o mesmo medo de serem eles mesmo. É tão grande o medo que se tem pelo partidão, este que pode promover, despromover, nomear, exonerar, fazer ou não fazer.

Em Janeiro de 2009 eu já previa a falência do maior partido da oposição e a sua cisão, ou seja, a criação de um novo partido saindo daquele. É o que veio a se notar, a Renamo foi perdendo a sua influência e do seu seio nasceu o MDM, partido que previ a sua nascença, mas que também temia que poderia ser recheado por dissidentes da Renamo e que por conta disso rápido viesse a significar o mesmo que a Renamo. A ver vamos, cabe ao Daviz e ao seu elenco mostrar o que pretendem neste cenário monopartidário.

Falei também da mídia. Pretendia que esta fosse menos manipulada. Na verdade não é possível termos uma mídia não manipulada e não controlada pelo poder ou pelo sistema no poder. O que se chamava de independente hoje tem pouco dessa característica. A sociedade civil não melhorou seus pontos, pelo contrário, acentuou sua posição de reboque.

Esperei para o ano passado assentos para os homens para as mulheres e para as crianças. Esperei assentos para os idosos, para gays e lésbicas. Isso não aconteceu. Esperei assentos para os membros da oposição, isso não aconteceu. Também não aconteceu que houvesse assentos para os portadores de deficiência, para os artistas e desportistas.

Esperei um 2009 em que teríamos uma Comissão Nacional dos Direitos Humanos e um Provedor de Justiça, isso não aconteceu. Permaneço na mesma fé, na mesma crença e nos mesmos ideais. Mas com tudo isso, só posso esperar para 2010 uma governação mais participativa e mais inclusiva.

Não sei se fui ambicioso demais nas minhas esperanças para 2009, mas a verdade é que o tal ano foi bastante difícil em termos de exercício de cidadania, participação e inclusão no processo de governação. As dificuldades de acesso a informação de qualidade foram notórios e a medida que o período eleitoral se aproximava, a máquina de propaganda foi fortemente instalada em todos os cantos de comunicação, rádio, televisão, jornais, Internet, em particular nos blogs e sobretudo no discurso governativo em que o contribuinte era simplesmente ignorado.

Com sucesso ou não, a tal máquina conseguiu orientar o tom do debate político e cidadão no país. Orientou a leitura dos fenómenos e viciou desde logo todos os princípios da liberdade de expressão, de opinião, da independência dos poderes, da transparência na administração e principalmente, viciou o conceito de democracia e participação.

O pior ainda estava para acontecer, quando os órgãos eleitorais, incluindo o Conselho Constitucional, vieram afirmar que o direito formal é superior ao direito material, ignorando por completo que para o exercício dos direitos fundamentais, a formalidade jamais deve ser considerada um impedimento, ou seja, mesmo que a formalidade não esteja reunida, não se deve impedir o exercício de direitos fundamentais.

2010 tem o mérito de ser o primeiro ano do segundo mandato de Armando Guebuza. Em principio, ele não deve recandidatar-se em 2014. Salvo se com a maioria que detém na Assembleia da República vier a remover este limite constitucional, ou então, decidir mudar a forma de governo. Tendo este ano todo esse significado, na medida em que a Frelimo poderá, eventualmente querer lançar seu próximo candidato (se é que ainda não lançou) então devemos aproveitar todos os ganhos possíveis, porque nem Guebuza, nem a Frelimo, estarão interessados a serem crucificados.

Passa assim, a ser, não só este ano, mas todos os próximos até 2014 a serem anos de oportunidades. Anos em que o papá vai fechar um olho para muitas coisas e vai deixar passar até aquilo que abomina. Em política tudo é possível, dai que tudo precisa ser lido com atenção e cautela para que as oportunidades de momento não sejam interpretados como ganhos definitivos. Esse erro de leitura pode conduzir a desastres terríveis.

Para concluir, fora as minhas esperanças que transitaram do ano de 2009, espero que tenhamos todos a oportunidade de ser moçambicanos. De podermos participar da riqueza deste país, dos ganhos deste país e que tenhamos espaço para estudarmos, trabalharmos e nos realizarmos como seres humanos. Que tenhamos espaço de manifestar nossas ideias, nossas opiniões e sobretudo, que sejamos todos aceites assim como somos. Por isso, um ano de 2010 repleto de inclusão e participação cidadã.

Lembre o texto de 2009 aqui