quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Direitos Humanos, Criminalidade e Polícia

A Crise da Sociedade Moçambicana


Os Direitos Humanos, embora situações inerentes a todos os homens em todos os lugares, sem excepção, sempre foram vistos como coisa de bandidos ou da oposição. Embora os activistas de Direitos Humanos se tenham acostumados a esse rótulo, na verdade constitui abordagem extremamente preconceituosa e equivocada dessa parte da sociedade.
Esse preconceito e equivoco muitas vezes é alimentado pelo poder e pelos políticos que querendo manipular a mensagem dos Defensores de Direitos Humanos ridicularizam o seu papel no desenvolvimento humano, promoção e defesa dos Direitos Humanos.
Moçambique, embora tenha logrado consideráveis avanços na defesa e promoção dos Direitos Humanos, principalmente no que concerne a adopção de certa legislação concernente e esforços para a criação de uma Comissão Nacional para os Direitos Humanos, continua sendo palco de graves violações, onde a própria efectividade dos Direitos Humanos continua uma miragem.
Grande obstáculo no trabalho dos Direitos Humanos tem a ver com a dificuldade de compreender o que são os direitos humanos, a quem dizem respeito e quem deve garantir a sua efectividade no Estado. Alias, um Estado só pode observar os Direitos Humanos se realmente for de Direito.
Para alem das graves violações de Direitos Humanos a que nos temos acostumados dia a dia, a onda de criminalidade tem vindo a crescer de uma forma assustadora o que nos leva a questionar a existência ou não de uma política de segurança que seja conhecida e cumprida por todos intervenientes sociais.
Na verdade não é possível combater a criminalidade sem uma política pública clara para o feitos e mesmo existindo tal política, se ela não é apropriada pelos agentes do Estado que têm a obrigação directa para o efeito também estaremos distantes de vermos o problema resolvido.
Moçambique está agora sendo atormentado pela onda de crimes contra agentes policiais, o que numa leitura simplista pode parecer comportamento normal de criminosos ou bandidos, o que não pode ser verdade pois as ameaças contra a força pública e contra a lei e a ordem só podem significar ausência da consciência da sua existência ou realmente desafio e afrontamento.
Estamos seriamente preocupados com a onda de criminalidade contra polícias. Em menos de uma semana cinco agentes policiais foram barbaramente assassinados em via pública e até agora faltam explicações sobre as circunstancias e eventuais autores dos crimes.
Os policias antes de mais, são cidadãos e filhos da nossa sociedade, são nossos irmãos, amigos, pais, irmãos e primos, dai que uma tal perda, constitui antes de tudo uma perda de pessoas que farão grande falta no convívio familiar a que pertenciam.
Sendo assim, a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos endereça as suas mais sentidas condolências as famílias enlutadas e desde já exige que o Estado não deixe impune tais criminosos. O Estado é obrigado a persegui-los e fazer a justiça no sentido de motivar os outros agentes na sua actividade de combate e prevenção do crime.
Estamos acostumados a um estado em que os autores dos crimes nunca aparecem, nunca são punidos exemplarmente, nem são ao menos retirados da cena. Queremos em crer que esforços estão sendo feitos para a curto prazo os cidadaos possam recuperar a tranquilidade e a paz de espirito tanto nas vias públicas como nas suas casas e postos de trabalho.
Contudo, temos que acreditar que esses cidadãos baleados mortalmente por criminosos, embora a paisana, eram polícias e estavam em serviço. Isto quer dizer que estavam na sua actividade normal de garantir a lei e ordem, a prevenção e o combate ao crime, embora tenham eles mesmos passado a vítimas de actos criminosos.
Essa atrevida actuação de criminosos pode significar uma fraqueza das nossas forças de segurança e ordem, pois, é quase incompreensível como é que aquele para quem sobrecai a responsabilidade de defender não consegue ele mesmo defender-se, pode por ventura um cego guiar outro cego?
O caso da última sexta feira não é isolado, é o desenrolar de uma sequência de perseguição a agentes policiais e até de esquadras onde os, criminosos são capazes inclusive de recuperar sua viatura sob custodia policial. Isso suscita várias perguntas pois todos nós sabemos que o policia, para alem da sua condição de cidadão mais qualificado, ele representa o Estado e é um dos principais porta voz da autoridade e do poder, a ele é conferido o uso da força e das armas, para o efeito.
Essa perseguição e assassinato de polícias embora o pronunciamento do Comando seja de que a principal causa de tal acontecimento tenha sido a fuga de informação, significa antes de mais que a nossa polícia, embora ela mesma garante de segurança, trabalha sem elementos de segurança necessária para desempenhar suas funções. Isso significa que as condições de trabalho a que a nossa policia é deixada a tornam alvo fácil dos bandidos, não sendo ela mesma capaz de garantir a segurança dos cidadãos.
Sabendo que o polícia não é um robô, cabe ao Estado dar segurança tanto a sociedade através da força de lei e ordem e aos policias dada a natureza do seu trabalho.
A causa da criminalidade no país não deve só ser vista do ponto de vista da polícia. A criminalidade tem também suas causas nas condições sociais e económicas a que o povo moçambicano está votado. Dai que tanto as academias como os outros centros de pesquisa precisam dar seu contributo no estudo sobre as causas dos crimes e propor soluções para sua redução.
A desigualdade social, a injustiça, a falta de oportunidades, a miséria e as discriminações de varia ordem, podem ser de alguma forma causas directas do crescimento da criminalidade nas Cidades de Maputo e Matola.
O descontentamento de certas alas na corporação, vinganças pessoais por actos violentos sofridos, necessidade de intimidar e desencorajar a policia no seu trabalho de combate ao crime, podem ser causas directas de crimes contra policiais.
Importa reconhecer urgentemente que estamos perante uma situação de manifesta gravidade, na medida em que o crime e os criminosos actuam no total descontrole da policia e das autoridades. Tem a ousadia de assaltar bancos, assaltar estabelecimentos comerciais, maltratar cidadãos e ate matar policias, em vias públicas, sem que ninguém se importe e a supressa dos policiais.
Os bandidos surpreendem a polícia, os bandidos fazem a agenda da polícia e antes que os próprios policias entendam o que está a acontecer as informações já estão a circular por toda a parte e aqueles já sabem quem está escalado, em que viatura e que tipo de operação será desencadeada.
Enquanto isso, a nossa força policial vai passeando a sua classe, aproveitando-se do corporativismo, encoberta os maus policias, tortura os cidadão, persegue e muitas vezes executa sumariamente.
Por isso propomos as seguintes medidas para o melhoramento da nossa polícia e para que a garantia da segurança pública, tranquilidade e ordem sejam uma realidade:

Adopção de uma política de segurança pública. Que essa política, para alem de ser participativa, deve ser resultado de uma estratégia de reformas no sector policial e no próprio Ministério do Interior;
Garantir que o nível de vida dos moçambicanos seja melhorado a medida em que se propaga o desenvolvimento económico do país. É necessário que os direitos sociais, económicos e culturais sejam garantidos. Pois, as pessoas vitimas das desigualdades sociais e injustiças económicas, permanentemente espezinhadas pelo poder, não são capazes de identificar a validade da moral, da ética, e do respeito às leis em suas vidas – já que, mesmo que a tudo isso observem, e em grande medida, não percebem reconhecimento ou compensação por parte da sociedade;
Definir áreas de prioridade absoluta tanto na corporação como no combate ao crime e alocar todo tipo de recursos para que os objectivos sejam alcançados plenamente;
Definir responsabilidades de cada brigada, equipe, comando ou agente, no sentido de garantir maior efectividade e também a responsabilização em casos necessários;
Apreensão de armas de fogo e rastreamento da sua movimentação. Afinal a arma em si não é tão importante mesmo depois de apreendida, quanto o curso que ela toma desde o começo até chegar as mãos dos criminosos;
Garantir segurança e assistência psico social ao polícia, dado que é ele quem cuida dos dramas da sociedade e acaba tendo seus próprios dramas que carecem do cuidado especializado cedido pelo Estado;
Não permitir que a diferença salarial do último polícia seja tão exorbitante, ou centenas de vezes que do primeiro. A injustiça salarial pode ser uma das causas para que os agentes do Estado colaborem com o crime;
Criar um programa de selecção de agentes policiais cada vez mais fortalecido sabendo que a policia é também uma das profissões perseguidas tanto por falhados como por tarados, psicopatas e obcecados pelo poder de decidir a situação dos outros;
Garantir a continuidade da formação e incorporar no currículo da formação dos policias temáticas de Direitos Humanos. Incutir no policia que ele é também um defensor de Direitos Humanos.
Transformar a ACIPOL em realmente uma Academia de Polícia e não numa escola política ou faculdade de letras e ciências sociais. Para que dela possam sair agentes capazes de trazer subsídios ao policiamento e ao combate ao crime.
A nossa polícia precisa de auto estima. Se o policia é também um cidadão é no cidadão que ele deve se inspirar. Não existe uma sociedade civil e outra sociedade dos policias. A sociedade deve respeitar o policia e não teme-lo. Havendo essa mentalidade e adopção de comportamentos tendentes a engrandecer esta filosofia, teremos uma policia acreditada pelos cidadãos e que com ela colabora no combate ao crime. Teríamos deste modo uma sociedade onde a criminalidade é reduzida.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

promover acções afirmativas

defende o jurista Custódio Duma, na palestra sobre o papel da Imprensa na formação da cidadania
A COMUNICAÇÃO social deve ser impulsionadora de políticas públicas e privadas voltadas à conscientização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de género, idade, origem nacional e de compleição física, segundo defendeu, quarta-feira, em Maputo, o jovem jurista Custódio Duma, na palestra sobre direitos humanos e o papel da Imprensa na formação da cidadania, integrada no âmbito do projecto de educação cívica da Liga dos Direitos Humanos (LDH).
Maputo, Sábado, 4 de Agosto de 2007:: Notícias

Segundo afirmou, na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos e passa a ser um objectivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.
Custódio Duma defendeu que a comunicação social é o principal veículo de circulação e formação de opinião, pois através dela é possível ter a garantia da efectivação de todos os direitos humanos, desde os direitos da personalidade, os direitos civis e políticos até aos económicos, sociais e culturais. Contudo, observou, o maior problema na actualidade é a falta de controlo e do poder sobre a comunicação social por parte dos cidadãos.
Indicou que em Moçambique o poder e o controle sobre cerca de 90 porcento da comunicação social pertence a menos de dez entidades, composto por pessoas singulares ou jurídicas. Quase que o resto da população depende única e exclusivamente da opinião formada por aquelas entidades, segundo o jovem jurista.
“Quem tem a mídia tem o poder, e se formos a perguntar hoje em dia quem é que tem a mídia, as respostas concordarão em uma: as empresas e os políticos. Logo, o poder pertence a esses tais. Isso contrasta desde logo com a Constituição, que define o Estado de Direito e de democracia, pois não estando o poder nas mãos dos cidadãos, não se pode falar de Estado de Direito”, disse.
Segundo Custódio Duma, os empresários, monopólios ou blocos económicos usam a comunicação social como produto para o mercado ou como meio de passarem o seu produto no mercado. Para eles, não interessa a verdade nem a mentira, o que interessa é vender mais, atropelando tudo em busca de mais lucros e benefícios económicos.
Por seu turno, os políticos, tanto os que estão no poder, como na oposição, usam-na como meio para alcançar o poder, especular o poder, combater os concorrentes e manterem-se nele, manipular a opinião pública e dividir para reinar, não se preocupando com as liberdades individuais.
Neste cenário, observou, a luta para que o distanciamento entre o cidadão e o acesso à informação é muito séria, ou seja, tanto os políticos como os empresários não deixarão que o cidadão tenha acesso e conhecimento da verdade para a construção da sua opinião.
Afirmou que o papel da comunicação social na construção de uma cidadania participativa e inclusiva será o de promover a compreensão, a fraternidadee a tolerância, a justiça social e a igualdade.
“Precisamos fortalecer a mídia e combater a violência por ela veiculada, através do controle permanente da sociedade, exigindo isso uma organização da sociedade civil em conselhos com vista à democratização da mídia”, disse Custódio Duma.
Participantes da palestra
PRINCIPAIS VICISSITUDES
Maputo, Sábado, 4 de Agosto de 2007:: Notícias

Segundo Custódio Duma, na ideia de cidadania participativa e inclusiva tendo em conta a contribuição da comunicação social, a sociedade deveria ser cada vez mais organizada e impulsionada a propor, acompanhar e a avaliar políticas públicas e de forma actuante cobrar e exigir que os compromissos políticos estabelecidos em campanhas sejam realizados.
Afirmou que do lado do jornalismo se nota uma falta de alternativa jornalística, ou seja, nas notícias e informações veiculadasnos mais diversos meios de comunicação social, o que existe é uma repetição da mesma matéria, chegando-se ao ponto de o leitor prever o que vai sair na próxima edição do diário ou do semanário.
Para aquele jurista, os produtores e encaminhadores da informação pouco se preocupam com a novidade, exclusividade e qualidade. Pelo contrário, preocupam-se mais com a edição em si, com a venda de mais números e com os ganhos com a publicidade.
Disse que em Moçambique, fora da informação nacional que é uma repetição de tudo com recurso a novas palavras, o resto é uma caixa de ressonância. Defendeu que esses motivos deixam o cidadão sem a possibilidade de escolha sobre o que é válido para si e para a construção de opinião, aparecendo como instrumentalizado e usado como objecto.
Acrescentou que, muitas vezes, o principal objectivo dos jornalistas é vender informação e não educar, informar e defender um exercício de cidadania responsável. No seu entender, qualquer organização ou empresa ligada à comunicação social deveria conter como princípios básicos a pretensão primária de contribuir na educação do cidadão, na sua informação e na defesa dos seus direitos, da coisa pública e na promoção do bem-estar social.
Custódio Duma indicou como outra vicissitude a ausência de investigação e uso incorrecto de terminologia. A este respeito, afirmou que se limitam a uma simples descrição dos factos, muitas vezes baseada em aparências, propaganda ou boatos. Segundo observou, tal prática jornalística impulsiona a formação de “profissionais caixas de ressonância”, que estão simplesmente para reproduzir o que aparece, sem se preocupar com o seu conteúdo e com as verdades aí subjacentes.
“Alguns profissionais de informação limitam-se em concordar com o pensamento da fonte, com as suas argumentações e com as suas palavras. Esse contentamento imprudente reforça a deformação da informação e dos objectivos subjacentes no direito à informação e a liberdade de Imprensa”, disse.
Indicou, igualmente, como vicissitude o facto de em países pobres, muitos jornalistas não estarem no ramo por amor, arte ou vocação, mas sim, de acordo com as suas palavras, o jornalismo é também um emprego, o que desde logo significa deficiência na prática do trabalho e consequente falta de contribuição na construção de uma cidadania participativa e inclusiva.
No que se refere ao cidadão, Custódio Duma apontou a auto-exclusão do cidadão no exercício da cidadania, motivada pela falta de conhecimento e de mecanismos legais para tal. A auto-exclusão é também resultado da pobreza extrema em que se encontra a maior parte da população. Para além da auto-exclusão, indicou que o analfabetismo e a falta de educação e o sentimento paternalista, este último caracterizado por um alheamento do cidadão, relegando a iniciativa de acção aos políticos, académicos, entre outros.
Do lado do Estado, Custódio Duma afirmou que cabe a este regular a comunicação social e conceder as liberdades e garantias para o exercício dum jornalismo livre e responsável.
“A medida de liberdade que o Estado concede aos jornalistas ou a Imprensa acabará sendo o tamanho das garantias que o cidadão terá para efectivar o seu direito”, disse.Afiançou que ao Estado como entidade constituída para garantir a justiça social, a ordem e o bem-estar, cabe incentivar um jornalismo mais profissional, livre e responsável que possa servir como meio de inclusão social e construção de uma cidadania participativa. Acrescentou que o Estado é o único ente criado para garantir que os cidadãos explorem no máximo a sua potencialidade de seres humanos e para que as pessoas atinjam a plenitude do exercício de seus direitos cívicos.
PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Maputo, Sábado, 4 de Agosto de 2007:: Notícias

Custódio Duma referiu-se ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de Dezembro de 1948, que afirma que “todo o Homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Disse que a motivação por reunir pessoas com responsabilidades de publicar e veicular os direitos humanos justifica-se pelo facto de que não basta o empenho do repórter para que o tema “Direitos Humanos” chegue às páginas da publicação ou ao telejornal, é necessário que a empresa para quem trabalha adopte uma linha editorial que lhe dê respaldo.
Defendeu que o objectivo do jornalismo que promove e defende os direitos humanos deve ser o interesse público, o da sociedade e do Homem e não do mercado consumidor. Para a fonte, o negócio do jornalismo comprometido com os direitos humanos deve ser o cidadão.
Entretanto, no debate do tema, foram levantadas questões como: será que a comunicação social vai a tempo de criar um jornalismo capaz de construir cidadania? Ou como criar jornais ou uma comunicação social que se exclua das grandes cadeias de informação mundiais como a BBC, a CNN, a “Reuters”, a “Associeted Press”, etc

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

SEGURANÇA ALIMENTAR EM MOÇAMBIQUE

Segurança alimentar: entrevista Lázaro SantosMarcelo Carvalho*
Com aproximadamente 20 milhões de habitantes – número a ser confirmado por um censo populacional em curso –, Moçambique tem em comum com o Brasil o passado colonial português (o país foi colônia até 1975, ano de sua independência). No entanto, os processos histórico e social dos dois países geraram problemas diversificados, inclusive quanto à segurança alimentar e nutricional.
Lázaro Santos, entrevistado pelo Ibase, é coordenador do projeto Direito Humano à Alimentação Adequada, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) em Moçambique. O projeto envolve Estado e sociedade em prol da implementação da segurança alimentar e nutricional no país.
Ibase – Qual a situação da terra em Moçambique?
Lázaro Santos – Em Moçambique, ninguém tem propriedade sobre a terra. A terra é do Estado, que permite ao cidadão que a ocupe e trabalhe nela: é o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. Mas, agora, o que está a acontecer é o aparecimento de conflitos no campo, gerados por investimentos da grande agricultura e do turismo. Até houve, há dois anos, uma ameaça de liberalização promovida por interesses privados, pondo em causa a propriedade da terra do Estado. Apesar disso tudo, não se pode dizer que haja falta de terra em Moçambique para quem quer que seja, pois o Estado garante esse direito. Não é de maneira alguma uma situação como a do Brasil ou a do Zimbabwe, a antiga Rodésia, vizinha de Moçambique, onde há resquícios muito fortes de colonialismo e poucos senhores detêm a maior parte da terra.
Ibase – Há problemas envolvendo questões tradicionais e o acesso à terra?
Lázaro Santos – Sim, há. Em muitas regiões no interior, se a mulher torna-se viúva, os familiares do marido tomam a concessão da terra e os bens da esposa. Eles não a consideram herdeira, esquecendo-se de que tanto ela quanto os filhos herdam, sim, o direito ao uso da terra e dependem disso para sua subsistência. Esse problema tem se tornado mais pronunciado com a questão das pessoas vítimas do HIV, pois os filhos perdem seus pais muito mais cedo. Essas crianças tornam-se vítimas indiretas do HIV ao perderem seus pais. Muitas acabam sendo cuidadas pelos avós que, por serem pessoas já idosas, necessitam elas mesmas de cuidados. Quando não é o caso de crianças assumirem a posição de chefe de família.
Ibase – Quais as diferenças entre o interior e o meio urbano em Moçambique quanto à segurança alimentar e nutricional?
Lázaro Santos – As medidas adotadas anteriormente não levaram em conta a vulnerabilidade alimentar urbana, concentrando as ações nas áreas rurais. Isso faz com que a situação nas zonas rurais seja mais conhecida do que nas áreas urbanas. No entanto, alguns estudos – pouco complementados, e esse foi um ponto fraco – indicam a probabilidade de uma situação mais crônica de insegurança alimentar e nutricional nas zonas urbanas do que nas zonas rurais. Mas a relação entre campo e cidade é bastante complexa, não se resume a isso.
Ibase – De que forma?
Lázaro Santos – Por exemplo, no que diz respeito especificamente à questão da segurança alimentar e nutricional, vamos encontrar uma zona urbana dotada de informações coletadas nos hospitais sobre desnutrição crônica em crianças, pela própria dinâmica do atendimento médico. Esse tipo de informação nas zonas rurais é quase nulo. Por outro lado, as zonas rurais têm se beneficiado com avaliações rápidas realizadas três vezes por ano. Mas segurança alimentar não é só desnutrição. É o resultado de um conjunto de ações que devem ser planificadas. As zonas rurais não têm acesso a serviços básicos, como o de saneamento básico, diferentemente das áreas urbanas, que têm mais acesso a esses serviços. Em Moçambique, a infra-estrutura de conservação e fornecimento de água para o consumo humano e para a agricultura é fraca. A região de Nampula, no Norte, a mais populosa do país, com quase dois milhões e meio de habitantes, é a mais produtiva de Moçambique e a que tem o melhor índice de distribuição de chuvas. Mas, apesar de Nampula ter acesso e disponibilidade alimentar ao longo do ano, é a região que tem o maioríndice de desnutrição crônica. Entre as causas, estão não apenas os hábitos alimentares enraizados e uma cultura de alimentação não diversificada, como também os problemas de acesso à água, pois a água da chuva se perde. E, agora, já começa haver sinais de obesidade, tanto entre os mais pobres quanto entre os mais abastados.
Ibase – Há alimento suficiente para a população?
Lázaro Santos – Sim, há alimentação suficiente. Principalmente em algumas regiões, como no Norte do país. Mas a distribuição – esse é outro problema grave – deixa muito a desejar. As estradas e a infra-estrutura, em geral, estão concentradas nas zonas litorâneas e no Sul de Moçambique, as zonas mais desenvolvidas. Isso foi implementado para garantir o escoamento dos produtos para os portos, com vistas ao comércio com os países vizinhos, principalmente a África do Sul. Por conta disso, a produção de alimentos das províncias Zambézia e Niassa abastece a capital Maputo e as cidades do Sul a bons preços, mesmo estando a mais de dois mil quilômetros da capital.
Ibase – Isso é positivo.
Lázaro Santos – É, mas você pode encontrar na mesma página de jornal uma matéria que faz referência ao abastecimento da capital e uma matéria na qual se lê que no distrito vizinho ao que fornece alimentos para Maputo há bolsões de fome e miséria. É vergonhosa uma situação dessas! Muitas vezes, os distritos onde há fome recebem doação de alimentos de países desenvolvidos, quando há um distrito ao lado que tem disponibilidade de alimento, que pode fornecer alimentos! É preciso privilegiar a compra de alimentos nacionais, proporcionando o acesso à alimentação para todos e viabilizando a sobrevivência dos pequenos agricultores, garantindo o escoamento da produção deles. Isso requer reestruturar o sistema, já que o país não sabe quanto gasta em segurança alimentar e nutricional.
Ibase – Não há dados sobre quanto se gasta?
Lázaro Santos – Sabemos quanto as entidades de coordenação gastam, no topo do sistema, mas não sabemos o montante do que é gasto pelos setores. Este é um grande desafio: saber quanto se gasta comparado com o montante do que é necessário gastar. É preciso saber se o Estado está a gastar o suficiente para garantir o direito das pessoas à segurança alimentar e nutricional. Os sistemas públicos alegam não ter recursos, quando, às vezes, os recursos estão lá, mas não estão sendo geridos de maneira correta nem direcionados para onde devem estar.
Ibase – E qual a estratégia que o país adota para combater a insegurança alimentar e nutricional?
Lázaro Santos – Primeiro, é preciso que se diga que houve um erro na estratégia anterior de combate à insegurança alimentar e nutricional. Ela foi basicamente emergencial e assistencialista. O assistencialismo faz com que as pessoas fiquem, por exemplo, esperando a doação das sementes, sem se preocuparem em fazer reserva própria. Isso cria um ciclo de dependência. Neste momento, estamos implementando uma nova abordagem que privilegia o desenvolvimento e a garantia de direitos sociais.
Ibase – Quais as iniciativas atuais contra a insegurança alimentar em Moçambique?
Lázaro Santos – Estamos em um processo de constituição da segunda Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de Moçambique (Esan II), de capacitação de pessoal e de fortalecimento da sociedade civil. A Esan II já foi apresentada ao governo para ser aprovada. O desafio da estratégia é o de implementar ações concretas para combater a situação de insegurança alimentar e garantir a educação nutricional e o acesso aos serviços. A estratégia coordenará as ações até 2015.
Ibase – Além da Esan II, o que mais haverá?
Lázaro Santos – Bem, será preciso elaborar um plano de ação que encaminhará as ações de implementação do que foi estabelecido na Esan II. Trabalha-se, também, na construção do estatuto do futuro Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional de Moçambique. O futuro conselho integrará Estado e sociedade civil, não em situação de paridade ou de superioridade da sociedade civil, como muitas vezes acontece no Brasil e em alguns países da América Latina, mas com maior presença do governo. A representação da sociedade civil no órgão será de quase um terço.
Ibase – Por quê?
Lázaro Santos – Moçambique é diferente do Brasil, que consegue reunir em uma conferência quase duas mil pessoas, algumas falando com bastante propriedade sobre o assunto (Nota: trata-se da III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, ocorrida de 3 a 6 de julho em Fortaleza, Ceará). Em Moçambique, só algumas organizações da sociedade falam sobre soberania alimentar e nutricional. O governo assumiu o direito humano à alimentação adequada e à segurança alimentar e nutricional desde os anos 1990.
Ibase – Como está o trâmite legal?
Lázaro Santos – Até agosto ou início de setembro, esses documentos já devem ter sido aprovados para que seja institucionalizado o direito à alimentação adequada em Moçambique. Queremos abandonar a perspectiva emergencialista que animava a questão nos anos 1980, período da guerra e de seca pronunciada. Queremos nos orientar, agora, mais para uma perspectiva de libertação, de garantia de direitos, de ação social, para que, depois, as pessoas tenham meios de produzirem por si – excetuando-se, evidentemente, aqueles que estão em estado irreversível, os doentes e os idosos que já passaram da idade produtiva.
Ibase – Haverá lei específica para o tema, como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) no Brasil?
Lázaro Santos – Sim, esse será o passo decisivo. Já havia sido preconizada uma lei de Direito Humano à Alimentação Adequada na estratégia anterior, especificamente no Plano de Redução da Pobreza em Moçambique. É preciso ter regulamentação específica muito clara dos direitos que as pessoas têm para que elas possam sair da condição de vulnerabilidade. Não é só uma questão de legislação, mas de dar instrumentos à política de segurança alimentar e nutricional na perspectiva de direitos.
Ibase – Qual a estimativa de tempo com a qual vocês trabalham para a lei estar pronta e aprovada?
Lázaro Santos – A constituição da lei vai levar algum tempo, porque é uma discussão que envolve tanto a área econômica quanto as áreas política, administrativa e técnica. Enfim, pensamos que após a aprovação destes três primeiros instrumentos, a Esan II, o Plano de Ação e o estatuto do Conselho, teremos um pouco mais de fôlego para aprofundar o trabalho sobre a proposta de lei apropriada a ser entregue ao parlamento. Creio que nos primeiros meses do próximo ano já teremos finalizado todo o processo de regulamentação e instrumentalização. Os primeiros aspectos a serem regulamentados pela lei serão a alimentação escolar, a ratificação de algumas convenções, como o Pacto Internacional de Direito Econômico, Social e Cultural, e a regulamentação da ação social. É preciso, enfim, garantir que as pessoas não mais passem fome.
*Jornalista, colaborador do Ibase Publicado em 26/7/2007.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Como É Difícil Entender os Direitos Humanos!!!

Teoria Moçambicana dos Direitos Humanos

Os Direitos Humanos são um património inalienável da humanidade. A todos pertencem os direitos e a todos devem ser reconhecidos os direitos humanos. As pessoas humanas já nasceram livres e com todos os direitos fundamentais embora, ao mesmo tempo, signifiquem uma grande conquista da humanidade inteira, integrada na sua luta pela afirmação e principalmente contra os abusos do poder.
Dado o carácter do Estado, que é por natureza um ente criado pela vontade dos indivíduos cederem um pouco da sua liberdade, embora mantendo a soberania, para que um organismo, por eles exercesse o jus impere, cabe portanto a si o dever, a obrigação de garantir a efectivação dos Direitos Humanos nas pessoas e na comunidade.
É o Estado que deve assegurar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Carta Africana, (para o caso de África), os Pactos Internacionais dos Direitos Civis, Políticos, Económicos, Sociais e Culturais sejam uma realidade na vida das pessoas.
É verdade que as pessoas, todas que compõem a sociedade, cabe o dever de colaborar, fiscalizar, orientar e monitorar o desempenho do Estado como um mecanismo por si criado para tornar aqueles direitos reais.
É nessa ordem de ideia que o trabalho levado a cabo pelos organismos da sociedade civil, traduzidos em associações, fundações e outros no sentido de promover e defender os direitos humanos é sempre, mas sempre mesmo, virado e direccionado ao Estado. O facto de estar virado e direccionado ao Estado não significa necessariamente estar contra o Estado ou contra o Governo do dia.
O direccionamento ao Estado fundamenta-se no facto de ser este o principal violador dos Direitos Humanos. Tal violação pode acontecer por acção ou por omissão. Por acção quando por exemplo um agente policial tortura um cidadão sob pretexto de obter informações. Por omissão quando por exemplo o Ministério de tutela ou o órgão directamente responsável recebe a informação de tal tortura e simplesmente não reage, não pune o agente infractor nem se preocupa em esclarecer o acontecido.
Assim também é em ralação a todos os outros direitos fundamentais dos cidadãos. Por exemplo, o direito a educação, o direito a habitação, o direito a saúde e o direito a liberdade partidária entre outros. O Estado viola os direitos humanos quando as escolas públicas que deveriam ser gratuitas para dar mesmas oportunidades a ricos e pobres aplicam preços muito altos e em outros casos tais escolas localizam-se a 20 ou 30 quilómetros de distancia da casa dos estudantes.
O Estado viola os direitos humanos dos cidadãos, por acção, quando por exemplo, como aconteceu no hospital de Nampula ainda neste mês de Julho que, os atendimentos em todos os departamentos foram temporariamente parados porque o Governador Provincial estava visitando o local.
O Estado viola os direitos humanos dos cidadãos, quando por exemplo, a terra que é pertença do Estado e não privada é vendida as pessoas e os bancos aparecem publicitando o crédito para compra de terrenos. O Estado peca quando não cria uma política de emprego para jovens recém graduados e os deixa soltos no mercado, num verdadeiro salve-se quem puder. O Estado viola os direitos humanos dos cidadãos quando não cria uma política de habitação, deixando os cidadãos construírem em qualquer lado, sem ordem, sem permissão e em condições precárias para mais tarde aparecer com um ordem de demolições obrigando as pessoas a correrem para lugares incertos.
O Estado viola os direitos dos cidadãos quando os trata de acordo com a sua cor partidária ou religiosa, sendo que elas são expulsas de seus empregos por pertencerem a partidos na oposição. Viola-se um direito humano do cidadão quando tal cidadão não é promovido nem tem aumentos salariais pelo facto de sempre apresentar propostas diferentes da maioria partidária ou do partido no poder. Quando alguém não é escutado por pertencer determinada religião o Estado viola os direitos Humanos.
Os passeios precisam estar devidamente arrumados, sem buracos, assim também as estradas. Os cabos eléctricos nas vias públicas precisam estar devidamente organizados e montados, sendo que o cidadão não deve andar em perigo de ser electrocutado, cair em uma fossa ou ver o pneu de seu carro rebentado devido a anomalias na via pública. Isso é violação dos direitos humanos pelo Estado.
O Estado é dirigido por pessoas, dai que a responsabilidade deve recair sobre o Estado tendo em conta as pessoas, ou os agentes do estado que decidiram ou não decidiram e que em ambos os casos violaram os direitos humanos das pessoas.
As pessoas que trabalham com os direitos humanos, sempre perguntado ao Estado sobre a sua responsabilidade nesse ou naquele acto são os defensores de Direitos Humanos. Independentemente da organização em que se encontram, do trabalho que realizam ou do país em que se encontram os Defensores de Direitos Humanos estão sempre na linha da frente.
É um trabalho árduo, doloroso e perigoso. Sempre conotados com desenstabilizadores do Governo, opositores do partido, reaccionários, rebeldes, traidores, defensores de bandidos, loucos e em algumas situações também tratados como criminosos.
Por causa disso, muitos defensores de direitos humanos, são perseguidos, também torturados, presos, mortos e muitas vezes ridicularizados e apresentados como pessoas perigosas ou não gratas.
É isso que torna o trabalho na área de direitos humanos um desafio constante que requer maior prudência, dinâmica dedicação e ideal por defender. Ser defensor de direitos humanos é ter uma utopia, acreditar em numa sociedade mais justa e de igualdade social.
O debate sobre os direitos humanos em Moçambique ainda está na sua fase embrionária, vários motivos concorrem para tal, um dos quais o analfabetismo, a falta de informação, dificuldades de entender, ler e falar o português, o fanatismo partidários, o radicalismo entre outros.
As poucas organizações de Direitos Humanos e as pessoas que através delas assumiram o desafio, muitas delas começaram sem mesmo perceber o assunto com que pretendiam trabalhar, a mídia foi divulgado, reproduzindo e até pregando as incoerências dessas organizações e pessoas a ponto de construir uma imagem distorcida do que são os direitos humanos em Moçambique. Contudo, há que elogiar e até mesmo render homenagem a essas ONGs pelo mérito de dar o ponta pé de saída para este debate.
A construção de uma teoria ou doutrina dos direitos humanos em Moçambique, embora longe de se conseguir já está em fase bem estruturada, pelo menos existe a certeza de que os direitos humanos já são um ganho, um dado adquirido pelos cidadãos moçambicanos embora longe de ser uma realidade prática. Isso convida a mais trabalho. Entretanto há que deixar claro que tudo depende muito da vontade política dos governantes porque o que hoje assistimos no Zimbabwe relativamente aos direitos humanos e aos seus respectivos defensores, ninguém imaginou que hoje podia estar a acontecer.