segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

LUSOFONIA AUSTRAL - PALCO DE VIOLAÇÕES E DISCRIMINAÇÕES



De entre os cinco países falantes da língua portuguesa em África, não precisarei falar de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Também não falarei de Guiné Bissau. Os primeiros dois porque tem uma situação relativamente estável e com uma tendência de crescimento equilibrado. O último porque importa neste artigo debater algumas notas sobre a zona Austral, facto que exclui a Guiné Bissau embora seja esse país um grande palco de graves violações de Direitos Humanos.
Penso que a política aplicada pela potência colonizadora até a altura das independências desses países contribuiu bastante para a actual situação sócio política em que Moçambique, Angola e os outros três se encontram, embora Cabo Verde e São Tomé tenham sido influenciado pelos seus vizinhos a olharem para Europa como referencia.
A luta pelas independências, fundamentava-se na necessidade de serem os nacionais a dirigirem os seus destinos e os destinos de seus povos. Foi por isso que se pegou em armas e se reprimiu o colonialismo. Foi também, por causa disso, que o povo apoiou de forma incondicional, tanto o surgimento, como o desenvolvimento dos movimentos de libertação nacional e a sua respectiva luta.
Chegados a independência, o povo voltou a apoiar as nacionalizações e a expulsão dos colonos, para não permitir que de alguma forma se aproveitassem da fraqueza e inexperiência do povo na governação para sabotar os planos de desenvolvimento. Foi também apoiada a aderência ao socialismo com ideologia marxista como forma de garantir o rápido desenvolvimento humano que não fosse com base na exploração do homem pelo homem.
Mas o povo de Angola, Moçambique e Guiné Bissau traiu-se a si mesmo. Como se diz: criaram suas respectivas víboras.
Nada contra o socialismo que apoio quando aplicado com as devidas modificações e por governos comprometidos com os direitos humanos, nada contra a expulsão dos colonos, nada contra a governação nacional pelos filhos da terra. Estou contra a estratégia e a políticas aplicadas após os nacionais tomarem o poder.
Não preciso explicar quais foram as estratégias e as políticas aplicadas, pois elas são do conhecimento da maioria, mas as consequências elas falam por si. Quero cingir-me só em Moçambique e Angola.
Estes dois países são, praticamente, os mais pobres da África Austral, o seu índice de desenvolvimento humano é pior que o dos últimos dez anos, o salário mínimo ronda no espaço entre os 50 e 60 dólares americanos. Analfabetismo, mortalidade infantil, assimetrias regionais, baixo nível de esperança de vida, regimes repressivos e intimidadores é o que caracteriza os dois Estados.
O Partido no poder transforma todo o Estado em partido, como consequência temos um Aparelho de Estado apetrechado pelos camaradas. O camaradismo leva ao corporativismo e o corporativismo impulsiona a corrupção, o abuso de poder e a má gestão da coisa pública. Nesses aspectos Angola e Moçambique concordam como duas irmãs.
A política externa desses dois países é baseada nos interesses dos governantes e não no dos cidadãos. Os acordos são assinados para satisfazer os doadores que vão mandar mais dinheiro para os seus cofres e não para impulsionar o desenvolvimento humano.
Muitos dos acordos bilaterais assinados só servem para reduzir a soberania dos Estados em detrimento da salvaguarda dos direitos humanos dos cidadãos, exemplo prático disso é o acordo entre Moçambique e os EUA e entre Angola e os EUA, na sequência do Estatuto de Roma, que os dois países lusononos ainda não ratificaram, mas já aceitaram jamais responsabilizar desmandos americanos cometidos em seus países através do Tribunal Penal Internacional. Que vergonha quando falamos de soberania e direitos e liberdades fundamentais para os cidadãos.
Próximos de atingir duas décadas depois da aderência ao Sistema Africano dos Direitos Humanos, com obrigação de remeter relatórios a cada dois anos, Moçambique e Angola são dois dos países que quase não enviam relatórios sobre a situação nacional dos direitos humanos, o que só por si significa desrespeito ao órgão de tutela e incentivo de violações graves de direitos humanos. Alias, a própria Comissão não achou necessário incluir a tradução para a língua portuguesa nas suas Sessões na medida em que seria desnecessário, pois os “portugueses” nunca participam. Nisto até perdem com o Zimbabwe.
A reforma legal nunca trata com atenção necessária as situações criminosas urgentes como tortura, tráfico de órgãos e seres humanos, abusos e violações sexuais contra menores, corrupção e outros, o que implicitamente corresponde a aceitação da prática desses actos, pois sem cobertura legal não haverá responsabilidade penal. A lei angolana vai mais longe ainda, quando os cidadãos não tem o mínimo direito de responsabilizar o Estado quando este viola seus direitos fundamentais, o que quer dizer que, ao Estado tudo é permitido.
Quem dá uma volta por Angola percebe como as coisas estão, os cidadãos a viverem uma situação de pobreza estrema, sem o mínimo necessário para uma vida digna ao ser humano, total ausência de políticas públicas inclusivas e promotoras de maior emprego, habitação, educação e segurança pública. Nisso se parece muito com Moçambique onde enquanto uma elite composta por gente directamente ligada ao poder enriquece de forma rápida e duvidosa, os cidadãos não teem recursos básicos de sobrevivência, sendo votados à miséria absoluta.
Os dois países esqueceram por completo a sua missão de garantir direitos económicos, sociais e culturais, a prova disso é a falta de políticas públicas relativas ao desenvolvimento sócio económico e cultural. Para já Moçambique ainda não ratificou o respectivo Pacto. Angola embora tenha ratificado, pouco lhe serve, na medida em que internamente o Estado só se preocupa com o seu umbigo.
Houve tempo em que a culpa foi atribuída em Angola a Jonas Savimbi, em Moçambique a guerra dos dezasseis anos, hoje não temos um nem outro. A quem se pode atribuir a culpa numa situação em que o estilo de vida dos cidadãos vai de mal a pior?
A alternância do poder nestes dois países ainda nem deve ser considerada uma hipótese, por um lado porque a posição constituída, pelo menos em Moçambique ainda não demostrou ser capaz de dirigir um Estado que precisa crescer, por outro lado porque pelo menos em Angola, José Eduardo dos Santos ainda não manifestou a vontade de deixar o poder.
Enquanto isso, Angola e Moçambique transforma-se em palco de graves violações de direitos humanos, começando com a redução da soberania dos Estados e a restrição dos direitos dos cidadãos quando não lhe são oferecidos condições para o desenvolvimento humano e quando os mecanismos de protecção dos seus direitos fundamentais são cada vez mais distanciados de si. O pior de tudo, é que Angola e Moçambique permitiram por via de acordos bilaterais, que os Estados Unidos da América cometessem todo tipo de violações de direitos humanos em seus territórios sendo que não os levarão ao Tribunal Penal Internacional.

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