Publiquei há algumas semanas neste ano de 2007 um texto que abordava certas situações nacionais que considerei de positivas e outras de negativas. Uma delas tinha a ver com a missão dos órgãos públicos de comunicação social tendo dado como exemplo a TVM – Televisão de Moçambique EP e RM – Rádio Moçambique EP.
No geral considerei a RM mil vezes próxima da sua missão que a TVM. Penso que ninguém procurará saber qual o modelo de estudo que utilizei. Tentei também mostrar como algumas Televisões, caso concreto daquela que tem o nome de um número, fomentam o racismo, o preconceito, a insignificância e o regionalismo, fora de outras discriminações que são deliberadamente deixadas passar por alguém chamado de moderador. Mas também justifiquei a atitude pelo facto desta ser privada e ter como principal objectivo o lucro e não a promoção de cidadania participativa e inclusiva.
Na altura em que escrevi o texto não tinha acompanhado ainda as últimas peripécias da TVM – a nossa televisão, a única televisão pública. Penso que esta, está a transformar-se num instrumento de fomento de vergonha nacional.
Como televisão pública que é a sua missão é tridimensional: Informação, Educação e Formação. Afinal a coisa pública tem como objectivos servir o cidadão em todas as suas esferas da vida, no sentido de mantê-lo cada vez mais satisfeito e apto para enfrentar os desafios que a globalização e a liberalização do mercado trazem a tona.
Fora os muitos aspectos que tenho vindo a citar nos meus artigos sobre a análise das políticas públicas concebidas para o moçambicano, muitas vezes sem brotarem da base, a TVM mostra-se ignorante do fim para que foi criado.
Não conheço a política prosseguida por este órgão de comunicação social, não sei quais são os seus objectivos, sei somente que a TVM é uma televisão pública e como tal ela deve servir os interesses nacionais, ou seja, os interesses dos cidadãos. Esses interesses são calculados na medida das necessidades do povo.
É preciso saber que a TVM funciona com o dinheiro público, isso significa que os cidadãos moçambicanos, todos eles do Rovuma ao Maputo pagam através dos impostos subtraídos dos ganhos obtidos graças a muito sacrifício para que a TVM exista.
A realidade mostra que a TVM é que não tem noção da causa da sua existência. Parece que a política da TVM não entende que é por causa do cidadão e para o cidadão que ela existe.
Comecemos pela programação da TVM. Não sou o júri para determinar se os programas são ou não são os melhores. Mas chama-me a atenção o facto dos programas serem quase todos fora do contexto. Digo isto porque mais de metade dos programas apresentados pela TVM não são produzidos no país, nomeadamente; novelas e documentários.
Parece que no ano de 2007 a nossa TVM trouxe-nos mais uma surpresa: no final das emissões de cada dia, começa uma janela aberta para conversações via sms, chamado de “chat”, algo parecido aos “chats” que usualmente encontramos em alguns sítios da net. Para cada mensagem telefônica via sms que a pessoa envia para o número que pertence a Mcel, o cidadão paga cerca de 3 Meticais e á noite toda é preenchida por essas conversações que na sua maioria são demasiadamente banais para passarem na TV, ainda mais quando esta for pública.
Nada contra o “chat” pois até pode aparecer daí algo positivo, como por exemplo, pessoas que podem conhecer-se, namoros que podem começar e até dar em casamentos, amigos que se podem reencontrar, produtos que podem ser vendidos etc., mas o cerne da questão é que quem na verdade sai a ganhar com isso é a Mcel e a TVM e não o cidadão porque com certeza quase nada educativo, informativo ou mesmo formativo pode ser obtido dai.
Quem controla o “chat”? Há alguém que é conhecido por moderador, parece que ele é quem decide que mensagem deve ser passada e parece também que ele fixa o pseudônimo da pessoa que envia a mensagem. Que mensagens são passadas? “Homem casado com 45 anos procura mulher para um relacionamento discreto”; “jovem de 17 anos procura uma quarentona para curtir”; “rapaz universitário quer mulher para casar”; “homem desinibido procura homem para relacionamento”; “sou rabuda e mãe de um filho, homens não se vão arrepender”; “grupo de amigas procura homens dotados, sem compromisso”; “vendo PC e terrenos”, etc., etc. e no fim vem: ligue-me para o seguinte número, não respondo a bips nem sms. Adicionando os erros ortográficos passados com estilo, o tal programa é uma autêntica vergonha nacional promovida pela TVM.
As novelas são passadas durante a manhã, durante a tarde, durante a noite e durante a meia noite. Quando não passa a novela então passa a sua repetição. Depois são os programas musicais. São tantos e quase todos com aquela tônica americana: promoção do materialismo, promoção e liberalização do sexo, promoção da riqueza, diversão e ociosidade.
As notícias na sua maioria são sobre a cidade do Maputo ou sobre algum país estrangeiro directamente copiadas da CNN ou BBC. As outras províncias muito pouco são mencionadas, salvo em caso de tragédia ou visitas oficiais de dirigentes políticos ou executivas.
Enquanto isso, perde-se uma verdadeira oportunidade de servir este país. Perde-se a oportunidade de mostrar a riqueza natural de Moçambique, os rios, as montanhas, as vastas planícies e os lindos planaltos que temos, perde-se a chance de mostrar os diversos povos que temos no país, de promover as diversas e lindas línguas nacionais que falamos e de promover a vasta gama de animais, de plantas, de arquitetura, artesanato, canto, dança etc. Perdemos uma óptima oportunidade de mostrar a linda gastronomia moçambicana, a endumentaria típica e os usos e costumes que são autênticos.
Não admira porquê os jovens moçambicanos, as vezes chamados e entrevistados no mesmo canal da TVM não sabem distinguir uma cidade de uma vila, não sabem se Quelimane é nome da cidade ou da província. A maioria não conhece nome dos rios moçambicanos. Agora que Cahora Bassa é nossa perguntei numa universidade quem sabia em que rio ficava a barragem e os 32 estudantes não sabiam. Tudo sobra para os professores e a TVM esquece sua função educativa.
Penso que aquela programação não é má de todo, desde que não seja o prato principal da nossa televisão, seria razoável se fosse a programação das televisões privadas. Essa é que realmente tem a missão de ganhar lucros, entreter e distrai as pessoas.
Algumas vezes o tal “chat” começa as 23:00 horas. Acredito que haveria coisa melhor para deixar passar, nem que fosse um programa musical sem imagem ou mesmo os “cuxa canemas” que ajudariam a muitos a entenderem certas coisas. Já vi um jovem de 25 anos com 12 classe concluída a pensar que Samora Machel era americano ou colega de Che Guevara.
Com tanto respeito e admiração que tenho para com a TVM, agradecia que, quem de direito e para o bem da nação revisse a sua programação e ajudasse a contribuir para uma consciência mais nacionalista dos moçambicanos, agradecia que não aproveitassem a ignorância do povo ou de certas pessoas para torna-las palhaças e vítimas do liberalismo e da globalização, ou até mesmo, vítimas da ignorância dos fazedores da política “da nossa televisão”.