Não sei porque as pessoas gostam de serem chamadas por senhor doutor, senhor mestre, senhor professor doutor, senhor director, senhor engenheiro e outros títulos que podemos mencionar. Pessoalmente não gosto que me chamem por doutor fulano, prefiro que me chamem por Custódio, por Duma ou por Custódio Duma, que são meus nomes próprios.
Noto com muito interesse que os graduados da nossa praça fazem questão que sejam reconhecidos como tal. Chegou a aprofundar-se uma discussão on-line com enfoque no ser ou não ser isto ou aquilo, no âmbito académico.
Isso só me leva a pensar em duas coisas, os nossos graduados tem problemas de auto estima e são dotados de um elevado vazio de conhecimentos. Não é possível que gente graduada e que se preze, coloque em frente da carroça o seu título académico.
O que é que um titulo académico concede em adicional ao cidadão que valoriza o seu lugar e o seu papel na sociedade. O que é que a falta de título académico retira ao cidadão que é um bom pai de família e trabalhador honesto? Na minha óptica absolutamente nada.
Reivindicar títulos academicamente ganhos só mostra a nossa burrice. Dizia o meu professor de filosofia de direito que, quanto mais estuda e descobre o mundo o ser humano mais descobre que não sabe nada. Sócrates que foi considerado pelo oráculo como o homem mais inteligente dos viventes dizia, só sei que nada sei. E quem és tu que pensas que és doutor?
Vemos que as pessoas vão a faculdade buscar o certificado para espezinharem as outras. Muitos já não vão a faculdade para aprender a estar e a fazer. Desvirtua-se aqui a missão da universidade que ao invés de formar deforma.
Conheci um caso de um jovem que foi fazer um mestrado na Inglaterra e voltou dizendo que já não podia dormir na casa da sua mãe porque era muito suja e que a sua mãe não sabia cozinhar. Para do mais, o jovem tinha se esquecido da sua língua materna e queria um tradutor para explicar a mãe tudo o que ele dizia em inglês. Como é que uma graduação torna um filho num monstro desses?
Agora com a proliferação das universidades todos somos doutores, engenheiros etc. os e-maisl vem assinado doutor fulano, os cartões de visita, doutor fulano, os testes para os alunos professor doutor fulano, a carta para o irmão em Zavala, doutor fulano. O pior é que sempre vem a exigência: trate-me por doutor faz favor.
Noutro dia presenciei um facto muito curioso, alguém chamava pelo Victor, seu amigo, mas o Victor nem se virou, apesar de estar a ouvir o chamamento. Quando a pessoa que chamava correu e pegou o braço do amigo perguntando porque estava a ser ignorada, o Victor respondeu dizendo que não sabia que era ele a ser chamado, é que as pessoas o tratam por doutor Victor e somente por Victor.
Tenho medo dessas pessoas que para que se sintam com valor precisam enfatizar que são doutores. Isso é falta de auto estima, falta de consideração consigo mesmo e acima de tudo falta de capacidade para perceber o mundo, as pessoas e os meandros da inteligência humana.
Uma sociedade que cria doutores em vez de cidadãos está prestes a fracassar. A vida das pessoas não é feita pelos graus académicos de que possamos ser titulares, é sim feita pela capacidade das pessoas interagirem entre si, respeitando o princípio da igualdade entre os seres humanos e a ideia de solidariedade que deve vincar entre todos os viventes.
Para terminar, é importante referir que nesta semana que é conhecida como a semana dos advogados, os doutores que trabalham com a lei precisam rever seu papel na construção de uma sociedade mais de cidadãos e menos de doutores. A saber que as nossos títulos académicos só podem servir para criar fronteiras entre nós.
Penso que os doutores juízes nada tem de superior em relação aos doutores procuradores ou aos doutores advogados, nem estes tem algo superior aos outros. Cada um tem seu papel na sociedade e sua importância no processo de administração de justiça. Alias, a casa da justiça só fica fortificada quando todos puderem trabalhar conjuntamente e na humildade necessária.
O que se exige aos trabalhadores da lei é também exigido aos trabalhadores da educação, da saúde, das obras, da agricultura, das artes, das letras, das engenharias entre outros. Isso na relação entre si e no seu relacionamento com as outras áreas do conhecimento. Mais do que doutores ou graduados, precisam ser cidadãos e saber estar. Não importa só saber fazer.
A humildade e a honestidade são lições milenares. Aquele que sabe se humilhar e esperar o seu tempo, cedo será exaltado. O homem que sai gritando e se exaltado pessoalmente, cedo será rebaixado e pisado inclusive pelos mais pequenos. Queiramos antes ser nós para que amanha sejamos lembrados por termos sido bons cidadãos, bons companheiros, bons pais e amigos e não por termos passado a vida a gritar que éramos doutores.
8 comentários:
Amizade...
Levantas algo que particularmene vivo dia a dia, até cheguei a pensar que fosse algo da minha instituição. Mas vejo que não...assisto a um pequeno conflito, uns querem ser chamados pela categoria outros pela função, outros ainda pela patente organica. Ao meu ver esta preocupação de ser chamado disto ou daquilo é ausencia de segurança em si, naquilo que fazes em prol de alguma coisa, é uma forma coerciva de se impor perante as pessoas...
Admiro um facto em voce minha Amizade!
Tens a coragem de mesmo sem ser em anonimato chamares as coisas pelos seus respectivos nomes!
Sei que a área em que estás é uma das mais complicadas...mas nao é a pior...as pessoas hoje já perderam a cabeca. Penso que tudo tem a ver com o consumismo, com o mercado e com a perca de norte que todo o mundo está a sofrer.
Hoje, pensa-se mais na marca que na qualidade dela, tanto que basta ser da nike, da reebok ou polo etc para ser da boa, assim estao a ser as pessoas tb, basta ser doutor, engenheiro e e´tc para ser o melhor.
Mas o que se esconde por debaixo da capa dos doutores, será que nao é importante? e o que se esconde por debaixo da capa do magnata, nao é importante?
Quero que a minha filha me conheca mais por eu ser o pai dela e menos por ser um advogado ou defensor dos direitos humanos!
Excelentissimo Sr. Dr. Advogado de Direito Duma(heheheh)
Em Abril de 2008 eu ecrevi "nós e os nossos titulos" http://debateereflexao.blogspot.com/2008/04/ns-e-os-nossos-ttulos.html
Acho bizara a paixão que temos pelos titulos. mas a boa é quando alguem que o conhecemos como Dr faz algum curso de enginharia porque ai temos de trata-lo de Sr. Eng Doutor bla bla bla. anda um academico, em moçambique, que assim gosta de ser tratado: Exmo Sr. Dr. Eng ....
Eu já estou cansado com os DOUTORES...todo lado que vou só encontro doutores...nao encontro um amigo para conversar!
É ridículo quando chegamos a esse ponto meu amigo Saiete!!!!!
Quantos doutores mais precisamos para descobrir que somos cidadaos?
O mais caricato de tudo isto, é que muitos nem sabem que na verdade não são doutores nenhum, e que para se ter titulo de dr. é preciso ter-se um PHD e obras publicadas...
Eu já me cruzei com pessoas que tiveram o descaramento de me dizer que ‘Moçambique usa o sistema português e que por isso licenciado é dr...” Fartei-me de rir. E recordei-lhe que no Brasil é mais fácil ainda...basta ser rico para que te chamem de dr...
A obsessão pelos títulos certamente que faz parte da herança colonial, pois este fenómeno sente-se mais nos países de Lingua Portuguesa.
Nos países de Língua Inglesa a situação é bem diferente, não se cai neste ridículo. Por exemplo, na África do Sul geralmente só os médicos são chamados de Doutores, juntamente com dentistas e veterinários. Os advogados nunca são chamados de Doutores, assim como os Políticos, membros do Governo ou do Parlamento. De igual modo os economistas e professors (mesmo universitários) não são tratados por Doutores. Os Engenheiros e Arquitectos nunca são tratados por esses títulos. Mesmo aqueles que são PhD geralmente não são tratados por Doutores e os que insistem em usar esses títulos frequentemente são ridicularizados. É possível conhecermos colegas e vizinhos sem sabermos que eles têm títulos académicos.
Penso que esta doença tem travado o progresso, pois muitas pessoas preocupam-se mais na exibição dos títulos do que em trabalhar e mostrar capacidade.
Imaginem como os estrangeiros nos Países de Língua Portuguesa se devem divirtir com esta exibição barata de títulos académicos!
Eu penso que, mesmo ciente que venha a ser uma minoria, nem toda a gente anda preocupada com titulos!
A minha percepcao, quando deparo com individuos "reivindicando" tratamento pelos titulos que ostentam, e' que, essas pessoas fizeram o curso 'a rasca ou de forma bastante sofrida!!
Elas encontram "satisfacao" e "compensacao" pelo tempo perdido nos bancos da Universidade, apenas nesses "So' doutor para aqui" e "So' doutor para acola"!
E, o resultado e' este: sectores produtivos, completamente estagnados"!!
Urge mudar de atitude, deixar o folclore habitual e partir para a "accao"! Ou, quem sabe, o sistema educacional instalado, a todos os niveis, nao esteja a cumprir os seus propositos.........
“The great aim of education is not knowledge, but action”
Herbert Spencer (British social Philosopher, 1820-1903)
Jonathan,
Concordo plenamente contigo. Essa coisa de doutores só nos ridiculariza...deixa-me contar-te algo que vi e ouvi ontem:
fui ao CNJ ver uma palestra sobre as eleicoes de 28 de Outubro. depois do palestrante Salomao Moyana e comentadora Alice Mabota (duas figuras que admiro) terem falado, levantou-se um homem, sem aparencia de doutor, padecendo inclusive de algumas limitacoes fisicas e na fala e disse perguntando algo muito interessante: "como é que os que se chamam de intelectuais deste país quando falam, chegam a ser piores que um campones?" Essa questao levou-me a muitas reflexoes e questionamentos sobre quem realmente é doutor? Aquele que tem certificado ou há outro termo de referencia?
Malangatana e Lurdes Mutola agora sao soutores e quantos outros há!
O pior voce já mencionou meu amigo...trabalho mesmo...esse que se devia esperar dado o numero de doutores....nao há!
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