quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Problema dos Direitos Humanos e da Violência


Carta a uma companheira de luta

Querida amiga,
Venho debruçando-me sobre este tema há anos. É um tema difícil, sensível e de certa forma complexo. A verdade é que desde que te conheço, cada conversa nossa, atrai a cada dois minutos os direitos humanos e, mesmo assim, embora desgastante, não falta assunto.

Desta vez propus-me a escrever-te esta carta a abordar o problema dos direitos humanos e da violência ignorando a actualidade política do país, as eleições na África do Sul, as contas do Tribunal Administrativo, as incongruências da SADC, a nova faceta do MDC no Zimbabwe, a reflexão sobre a pobreza no país, a reunião de quadros da Frelimo, a desculpa esfarrapada de Jó Capece entre outros assuntos, só porque acho que o ser humano gosta de ignorar o essencial e diluir-se no periférico.

A violência, seja ela de que forma se manifesta, física, psicológica, moral ou outro, seja ela considerada em razão da provocação, em razão dos sujeitos envolvidas, seja qual for o prisma com que se observa ou se estuda o fenómeno, é comum, concordar que nada justifica o seu recurso.

A violência é a causa dos milhares de traumas que a gente conhece nas pessoas com que convivemos no dia a dia. É a causa de altos gastos do erário público e sobrecarrega tal as instituições de administração de justiça que preterem questões vitais da sociedade.
A violência destrui nações, desvirtua o conceito de humanidade e de solidariedade. A violência torna-nos lobos e leva-nos de volta ao estado de natureza onde só o mais forte sobrevive.

Quando a violência acontece em casa, ou envolvendo membros que conservam consigo laços familiares ou de parentesco, chama-se de violência doméstica e esta forma de violência, é, quanto a mim, a mais brutal de todas, embora em muitas situações tentemos encontrar argumentos para justificá-la.

Querida amiga, e o que tem tudo isso a ver com os direitos humanos? A questão fundamental baseia-se na dignidade da pessoa humana, ou seja, toda e qualquer forma de violência reduz de certa forma a dignidade humana.
Daí que, não se pode usar a violência para defender os direitos humanos, do mesmo jeito que não se concebem os direitos humanos num contexto violento. Penso que aqui reside o problema dos direitos humanos e da violência, na medida em que uns pensam que só com violência se resolve o problema dos direitos humanos e outros querem usar o discurso da violência como o Cavalo de Tróia para atingir seus fins pessoais.

Penso que, sobre a questão que coloco, a maior dificuldade dos activistas dos direitos humanos em Moçambique é de perceber o conteúdo dos conceitos (de direitos humanos e da violência). Assim, porque são eles que aos poucos vão educando os outros actores sociais, políticos, económicos incluindo a mídia, passamos a ter uma larga massa de actores com conceitos mutilados.
Infelizmente, esses conceitos vão sendo usados e reproduzidos como se fossem acabados ou os mais correctos que se podem ter e, na dificuldade de melhor explica-los começam os ataques e as cenas da violência. A violência é a filha da ignorância. Quem sabe usar da razão jamais opta pela violência, só se recorre a violência quando a mente está desprovida de inteligência.

Querida amiga, pensar-se que se resolvem as coisas pelo muito palavreado é falso. As vezes, as muitas palavras são o próprio impedimento à comunicação. É por isso que, alguns jornalistas, colunistas e editores de programas, aproveitam o espaço que têm na mídia para desinformar e complicar a mente das pessoas que realmente querem aprender.

Afinal de contas, muitos dos que têm o poder da mídia, não querem exactamente proporcionar ao cidadão aquilo que ele espera dela, que neste caso seria a formação, a informação e a educação. Muitos deles querem impor o seu status quo, a sua visão de vida e em última instância impor a ditadura do consumismo.

Ignorância da causa é uma estratégia antiga, normalmente usada para, como o próprio brocardo diz, desviar a atenção daquilo que realmente deve ser considerado, para se perder tempo em matérias sem necessidade. Se fores a reparar cara amiga, uma boa parte do debate que se tem levantado na actualidade está completamente desviado do essencial.

Populações pobres como a nossa, povos com índices bem elevados de analfabetismo, cidadãos desprovidos de políticas públicas realmente eficientes, carecem de actores e intelectuais que se dedicam ao debate com a luz da razão, infelizmente, a nossa terra não foi abençoada neste aspecto.

Querida amiga, penso que o maior problema dos direitos humanos e da violência no nossa país é a ignorância e a falta de capacidade de abstracção. Ignorância de causa e a mistura de conceitos, crenças, problemas, situações e causas. Alias, muitas vezes não sabemos distinguir as causas das consequências, os problemas dos efeitos e isso é reproduzido com uma forte propaganda de activistas e trabalhadores da mídia.

Não se resolvem os problemas dividindo os actores ou os sujeitos. A segregação já foi usada por muitas correntes políticas, religiosas e filosóficas para resolver problemas sociais e os resultados foram desastrosos. O dialogo, a humildade, a abstracção e o uso da razão podem ser as primeiras premissas para identificarmos os nossos problemas, as suas causas, as suas consequências e os nossos desafios.

Sei que te enrolei querida amiga, mas tinha que escrever deste jeito. Do jeito morder e soprar porque esta tarefa é também ingrata, na medida em que coloca-te a porta tanto da gloria como do calvário.

6 comentários:

Unknown disse...

Obrigado Emilio,

Visitei teu blog e amei.

Forca pa vc

Direitos Humanos em Angola e o acesso a justiça disse...

Ola Custódio...espero que esteja tudo bem consigo. Antes de mais, deixa-me saudá-lo pelo blog, e a seus colegas que consigo colaboram.
Li a matéria, com muita atenção, e ressalto agora, alguns pontos que me chamaram bastante, se descurar do texto completo, que por si só, nos remete a momento de alguma reflexão pertinentes para nós, que trabalhamos directamente com questões ligadas a direitos humanos e de modo muito especial a mim, empenhada em matéria sobre violência doméstica e familiar...destaco os seguintes pontos, tentarei ser breve(apesar de difícil)

1. A violência sob qualquer forma, é sempre violência e como tal reprovável sendo que, nada, sublinhe-se, absolutamente nada, a deve justificar... a propósito disso, acho bastante curioso o que escreveste que passo a reproduzir ipsis verbis ´´não se pode usar a violência para defender os direitos humanos, do mesmo jeito que não se concebem os direitos humanos num contexto violento´´

2. A violência no contexto familiar, sem desprimor das que ocorrem fora desse contexto, tal como visto supra,deve ser visto como sendo uma questão complexa, uma vez que esta tem sido fortemente alimentada pelos papéis que a sociedade atribui a homens e mulheres que resulta na discriminação contra esta última e, pela reprodução, multiplicação de ditos e tradições de caracter notoriamente, discriminatórias, de aprendidas na escola, nas igrejas e por meio da ´´cultura´´;

3.Os activistas de direitos humanos os mass media, têm particular responsabilidade ao longo de todo esse processo (direitos humanos e violência), o que fazer quando estes, de modo especial estes últimos deixam de lado sua função de informar e prestar serviço público, passando a desinformar a principalmente, a vestir as camisolas de um partido, mormente, o partido no poder? por ouro lado, é exigido aos activista de direitos humanos, que ao longo de suas funções, pesquisem, aprofundem o tema no sentido de fazê-lo chegar aos destinatários da forma mais isenta possível.
Infelizmente em nosso países, grande parte dos órgãos de comunicação social, públicos, e sublinho aqui público, e não partidário ou governamental, prestam um serviço deficiente, mediocre, nada abonatório para o pleno desenvolvimento da cidadania, o exercício livre e consciente dos direitos fundamentais e não só...

4. Finalmente, concordo plenamente quando terminas dizendo ´´Do jeito morder e soprar porque esta tarefa é também ingrata, na medida em que coloca-te a porta tanto da gloria como do calvário´´...hum, mais do calvário, do que propriamente da glória, pelo menos perante este mundo...rsrs
valeu amigo, estamos juntos nesta caminhada que infelizmente, se vislumbra longa...Bem haja
ERRARE HUMAN EST...

Direitos Humanos em Angola e o acesso a justiça disse...

Esqueci de assinar...rsrs
Flora Telo
from
Angola-Luanda

makonde disse...

parabens custodio,foi muito bom teres realcado o facto da violencia domestica ser aquela que acontece no seu da familia, seja contra as mulheres, contra os idosos, contras as crincas, contra os homens.

Anónimo disse...

Ola, carissimo...

muito importante o que se diz, gostei e espero que a luta por tudo quanto fere os direitos humanos não morra, tdos devemos ter consciencia que a violencia vai nos destruir.

mas esta guerra esta longe de terminar,guerra porque penso que o foco esta entre o homem e mulher. enquanto estes dois seres coabitarem no mesmo espaço,a guerra vai continuar.

é violencia que fere quando o marido espanca a esposa.
digo isto porque ha dias presenciei uma briga de casal, quem estava a agredir era a esposa, e sabe o que diziam os espectadores: " avante senhora, eles tambem precisam", diziam isto ate ele tambem começar a agredir, ai, foram tdos acudir.


vai ser dificil. mas para frente é que é o caminho. há espeeranças de dias melhores....

Unknown disse...

Ola a todos e a todas que deixaram seus comentarios.

Embora tenha provocado o tema neste blog, acho muito interessante as posicoes e ideas que sao trazidas a diacussao, o que nos leva a colocar todas as nossas forças e inteligencia pela causa humana.

Muito obrigado Flora, espero poder responder-te de forma mais elaborada.

Entretanto um bom final de semana, um final de semana sem violencia. Na verdade tudo começa com a nossa actitude.

Sempre