sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Papel da Sociedade Civil na Implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio


Papel apresentado por Custódio Duma na Reunião Nacional Preparatória da Sociedade Civil na Conferencia da SADC sobre Pobreza e Desenvolvimento: Maputo, Centro de Conferencias Joaquim Chissano 24-25 de Janeiro 2008.

O presente papel, constitui um conjunto de reflexões sobre aquilo que pode ser o papel da Sociedade Civil Moçambicana na Implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
A Sociedade Civil Moçambicana caracteriza-se fundamentalmente pela sua origem na base comunitário e com objectivos claros de combate a pobreza absoluta e contribuição no desenvolvimento de um país de Justiça Social, Paz e Estado de Direito.
Embora esses objectivos estejam bem patentes na sua actuação, é evidente na sociedade moçambicana o pouco conhecimento sobre o que são os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, quais são as metas a atingir, onde reside a força e a fraqueza de Moçambique em atingir tais metas e quais os desafios que lhe são propostos.
É ainda evidente, devido a falta de socialização e democratização das metas, um aparente desconhecimento e, falta de aproveitamento dos mecanismos nacionais e internacionais que possam contribuir no maior envolvimento da sociedade civil no processo de dialogo e desenvolvimento nacional.
É assim que a presente reflexão, pretende trazer premissas de discussão e desafios á Sociedade Civil Moçambicana no seu empandeiramento e apropriação do seu papel como sujeito activo no referido processo.

I. A Pobreza e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
Independentemente do conceito que se pode pretender dar a pobreza, ela constitui a principal causa dos piores males nos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento.
É pois consensual, entre as mais variadas teorias sobre a pobreza, percebe-la como sendo o conjunto da carência de bens e serviços essenciais, a carência de rendimentos e a exclusão social, na medida em que impede o acesso a educação e a informação.
O estado de pobreza que eventualmente uma sociedade possa estar a viver, gera uma série de consequências drásticas que ao mesmo tempo, e de forma viciosa, a perpetuam. São elas, para o caso de Moçambique, a fome, as doenças, a baixa esperança de vida, o analfabetismo, o desemprego, o crime e insegurança pública, crianças de rua, falta de agua potável, entre outros.
É a pensar na eliminação desses e outros males que, 191 países, membros das Nações Unidas, reunidos na Cúpula do Milénio realizada em Nova York a Setembro de 2000, assumiram um conjunto de oito compromissos, que ficou conhecido como Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Com vista a atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, foram definidas Metas do Milénio. Essas Metas, estabelecem números para dar significado aos objectivos, como por exemplo que até ao ano de 2015, deverá ser reduzida até a metade a percentagem das pessoas vivendo em extrema pobreza.
Moçambique e outros países do continente africano, foram alvos de uma especial atenção na medida em que podem beneficiar-se do cancelamento da dívida, melhorias do acesso ao mercado, aumento da ajuda oficial ao desenvolvimento e a transferência de tecnologia.
O conjunto desses benefícios, ajuda os países do continente africano, incluindo Moçambique, como membros das Nações Unidas que assumiram o desafio, a canalizarem mais recurso para alcançar as metas estabelecidas até ao ano de 2015.

II. O Desafio dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

Erradicar a extrema pobreza e a fome: estima-se que acima de um bilhão e 100 milhões de pessoas tenham um nível de consumo diário, inferior a 1 dólar, ou a 25 Meticais se for em Moçambique. Estima-se também que cerca de 2 bilhões e 700 milhões sobrevivam com menos de 2 dólares ou 50 Meticais quando convertido em moeda moçambicana. Isso significa que acima da metade da população mundial vive com menos de 2 dólares por dia;
Atingir o ensino Básico Universal: estima-se que existam em todo o mundo, 113 milhões de crianças fora da escola;
Promover a Igualdade do género e a Autonomia das mulheres: estima-se que dois terços de pessoas analfabetas no mundo são mulheres e 80% de refugiados é composta por crianças e pessoas do sexo feminino;
Reduzir a mortalidade infantil: todos os anos, milhões de crianças encontram a morte enquanto bebés. São diversas as causas da mortalidade infantil, embora se sublinhem a falta de cuidados materno infantil, a ma nutrição e doenças endémicas;
Melhorar a saúde materna: pretendes-se que, dentro de um quadro de políticas públicas para a saúde, pessoal qualificado assista os partos, na medida em que por falta desse pessoal, pelo menos uma de 48 mães morre no momento do parto;
Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças: o HIV e Sida, bem como outras doenças endémicas, constituem um dos grande perigos ao desenvolvimento, na medida em que dizimam gerações e reduzem o número de técnicos;
Garantir a sustentabilidade ambiental: cerca de um bilhão de pessoas ainda não tem acesso a água potável. Uma política mais inclusiva e participativa de gestão de recurso naturais e de programas ambientais, assim como uma política de terras, facilitarão maior sustentabilidade do ambiente;
Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento: os países em desenvolvimento, dada a sua condição de dependência económica, passaram a ser vítimas dos vários condicionalismos das instituições financeiras, que obrigam países pobres a gerarem recursos para colmatar a dívida e os juros em detrimento de superar seus problemas sociais. O perdão da dívida, o aumento de ajuda externa, a capacitação de técnicos bem como a transferencia de tecnologias, entre outras, fazem parte de medidas para alcançar este último objectivo.

O governo moçambicano, o PNUD, bem como o Subsecretário Geral das Nações Unidas, acreditam que Moçambique poderá atingir algumas metas dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Estas entidades, estão confiantes que o país poderá alcançar as metas do Milénio, embora necessite de maior investimento em termos de tecnologia e capacitação institucional.
A verdade é que: No mundo, todos os anos, cerca de 18 milhões de pessoas (50 mil por dia) morrem por razões relacionadas com a pobreza, sendo a maioria mulheres e crianças; todos os anos cerca de 11 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos; 1 bilhão e 100 milhões de pessoas, cerca de um sexto da humanidade, vive com menos de 1 dólar por dia e mais de 800 milhões de pessoas estão subnutridas.
Como causas principais está, em primeiro lugar, o facto de as Metas do Milénio estarem aquém da legislações nacionais, como por exemplo na área de educação onde para o espirito dos Objectivos o ensino primário refere-se ao ensino básico que seria ate 10 classe, mas para o caso de Moçambique, cá entre nós o primário vai até a sétima classe.
Em segundo lugar, o facto de existirem metas claras e não existirem recursos disponíveis para que elas sejam alcançadas, notando-se mais no nível de dependência dos países pobres a boa fé dos mais ricos;
Em terceiro lugar, as metas dependem muito do crescimento económico das nações. As instituições financeiras multilaterais através dos seus condicionalismos não facilitam o desenvolvimento sustentável e justo.

Em Moçambique, o cenário é seguinte: embora o propalado e sem dúvidas, crescimento económico do país, acima de 50% da população moçambicana vive em miséria e extrema pobreza, sobrevivendo com menos de 1 dólar por dia, o índice de analfabetismo está acima de 60%, a mortalidade infantil atinge acima de um terço das crianças até 5 anos, o índice de seroprevalencia é de mais 16% com tendência a crescer dada a falhas nas políticas de prevenção e combate a epidemia. Cerca de 35% das crianças até 5 anos morrem por causa da malária, sendo o mesmo perigo é extensivo a mães gravidas.

Os problemas que continuam a minar o desenvolvimento do país e a implementação dos Objectivos do Milénio podem ser:
A Corrupção generalizada ao mais alto nível, a falta de capacidade de gestão de recursos ao nível alto e elementar e a falta de políticas claras de disseminação e socialização dos Planos Económicos e Sociais, bem como das metas do milénio.
O facto de se trabalhar com indicadores numéricos facilita em certa medida o alcance de dados estatísticos satisfatórios mas sem qualidade, como por exemplo, ter-se tantas crianças moçambicanas com sétima classe que no entanto não sabem ler nem escrever o português.
Ausência de políticas públicas inclusivas e participativas.
III. Papel da Sociedade Civil na Implementação dos ODM

Fora do que pode ser a política do Estado em tornar cada vez mais efectivo o Plano Económico e Social, ou para alem do que possa ser a política externa do Estado em termos de cooperação e parceria a nível regional e global, uma acção coordenada da sociedade civil é urgente para que o país chegue ao ano de 2015 com pelo menos parte dos Objectivos de Desenvolvimento do milénio alcançados.
Assim,
O envolvimento voluntário e organizado da sociedade civil na implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, facilitará a formulação de melhores políticas na escala nacional e local e proporcionará maiores oportunidades e mecanismos de efectivação da metas.
Tal participação da sociedade civil precisa ser acompanhada por uma forte capacitação institucional interna e forte compromisso com as referidas metas e objectivos de desenvolvimento. Isso implicará com certeza o fortalecimento de parcerias com instâncias nacionais regionais e globais.
É necessário que as organizações da sociedade civil se socializem com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, através de estudos e disseminação não só na língua oficial que é o português, mas também em línguas locais e usando linguagem mais simplificada possível.
Dada a sua inserção a nível de base, a sociedade civil deve ser o principal motor da apropriação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio pela população, fiscalizando, identificando e estudando as necessidades básicas locais e apresentando propostas de solução, estabelecendo uma cultura de formação e informação a nível local e valorizando o estado de paz que o país vive, sem a qual não se pode falar em alcançar os Objectivos do Milénio.

A sociedade civil tem a obrigação de contribuir com mecanismos transparentes e eficientes de controle, acompanhamento e avaliação do grau de implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, assim como criar mecanismo internos de monitoria do grau de cumprimento dos compromissos assumidos pela comunidade internacional com respeito ao oitavo Objectivo de Desenvolvimento do Milénio, que recomenda uma parceria mundial para o desenvolvimento.
A sociedade civil deve ser capaz de sempre estar pronto a dialogar com o poder, com ele cooperar e sempre trazer subsídios para a implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Este diálogo entre a sociedade civil e o poder é essencial para que as necessidades reais das populações sejam de facto atendidas. E, para que se faça ouvir junto ao Estado, é necessário que esteja organizada em grupos ou fóruns, e ser capaz de:

Despartidarizar os seus interesses, definir e difundir programas de empreendedorismo colectivo e social, imitando a experiência do empreendedorismo empresarial;
Apresentar programas inovadores, cujas lições aprendidas possam servir como referencia na definição de políticas publicas que visem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio;
Controlar a aplicação dos impostos através da participação nos vários processos de reforma do sector público, engajamento em campanhas de ampliação do controle social e combate à corrupção;
Apoiar o estabelecimento e a continuidade de observatórios de acompanhamento das políticas públicas e monitoramento da qualidade de vida dos cidadãos;
Formar futuras lideranças comunitárias e lideranças políticas sob uma visão empreendedora e com um enfoque ético;
Buscar maior espaço nos fóruns internacionais, seja dos Chefes de Estado e de Governo bem como nos das Organizações da Sociedade Civil;
Intervir de forma objectiva, através de campanhas de sensibilização e educação sobre aproveitamento sustentável dos recursos naturais, para manter o equilíbrio ambiental, ou através de campanhas de cidadania e direitos humanos sobre a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres.


Síntese Conclusiva
Em suma, sem a maior integração e envolvimento de todos actores sociais, incluindo as organizações de base e as não governamentais, com certeza que não será possível alcançar as Metas propostas até ao ano 2015.
Sem maior coerência por parte das instituições financeiras que aparentemente contribuem para o desenvolvimento dos países pobres, incluindo Moçambique e ao mesmo tempo os sobrecarregam com altos pesos de condicionalismos e juros, não será possível alcançar as Metas do Milénio até ao ano de 2015.
Sem maior cometimento e engajamento dos Estados partes no compromisso, manifestada através de políticas claras de combate a corrupção, ao nepotismo, ao desvio de aplicação, a ignorância e falta de políticas públicas visando o melhoria de vidas dos cidadão, não será possível alcançar as metas propostas até ao ano de 2005.
É então imperioso definir o papel da sociedade civil nos países pobres, tendo em conta a sua condição sócio económica e política, não ignorando que estão sendo obrigados a fazer em 15 anos e, hoje em 7 anos, o que os outros conseguiram em séculos e décadas.
O papel da Sociedade Civil na implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio parte em ter uma agenda nacional anual que vise o seguinte:

Informação: informar o cidadão e divulgar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio nas mais variadas línguas nacionais;
Controle: controlar e fiscalizar do grau da implementação dos planos económicos e sociais, monitorar o uso de recurso financeiros, denunciar desmandos, a má aplicação de recurso, os actos de corrupção e exigir do Estado responsabilidades;
Criação de oportunidades: buscar oportunidades de participação na feitura de políticas públicas a nível nacional e, procurar participar nos encontros da Cúpula nas Nações Unidas e nos mais diversificados órgãos da União Africana ou da região da SADC com vista a influenciar a agenda dos governantes e dos que detém o poder económico.
Obrigado

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