Lembro-me muito bem quando nos encontramos pela primeira vez em Nampula. Estávamos todos vislumbrados com a ideia de fazer o nosso curso de Direito. Ao mesmo tempo que os nossos olhos brilhavam de emoção, a incerteza espreitava de longe porque pela frente tínhamos seis anos de escola e a cada semestre tínhamos que fazer pagamentos em dólares.
Idílio era um rapaz muito visível, não só pela sua compostura física, mas também pelo seu jeito de ser, era calmo, não precipitado, era brincalhão e conseguia separar os momentos.
Quando começamos o nosso ano zero, a turma pareceu dividir-se em grupos. Um grupo que sabia o que estava a fazer em Nampula e outro grupo que estava só por estar. Idílio fazia parte do grupo que sabia o que estava a fazer na UCM. Ele e muitos de nós, queríamos esse curso para nos afirmarmos como profissionais e emanciparmo-nos.
A medida que os anos foram passando fomos aprofundando o conhecimento um do outro. E Idílio ensinou-nos a acreditar. Ensinou-nos a tentar mais uma vez, ensinou-nos a correr atrás dos nossos sonhos e a saber que não há limites para quem acredita. Idílio ensinou-nos o trabalho árduo. Ele era um rapaz muito curioso e as vezes atrapalhado. Mas sem nunca perder o senso de humor.
Como se chora um amigo desses? Como se chora um irmão de luta, como se chora uma pessoa que soube estar presente nas horas certas e nas horas incertas? Confesso que não tenho respostas para isso.
Há alguns anos conversando com Gonzaga, como eu gostava de chamar-lhe, ele dizia-me: “olha Duma, agora sou especialista do Direito Romano aqui na Beira”. Fazia-me rir, mas ele falava a verdade, tinha sido discípulo também de outro grande especialista: o Padre Augusto. E eu dizia ao Idílio: “mano, o teu caminho ainda é muito grande”. E riamos.
Lembrávamos nos de Dambujo que dizia ser especialista em Direito do Trabalho. E riamos. Lembrávamo-nos de outros que diziam ser filósofos, ser jurisconsultos e ai por diante. Lembrávamo-nos das cábulas, dos testes não preparados, da mudança do curriculum e da falta de dinheiro para as propinas e riamos muito. Idílio gostava de rir.
Depois Idílio mudou de paradigmas, virou magistrado do Ministério Público. Eu brincava com ele: e agora Gonzaga, vais aplicar o Direito Romano em Caia? Riamos de novo….mas agora já não temos como rir. Gonzaga foi-se. Foi-se e nem tivemos tempo de nos despedirmos.
Tentei em vão passar pela sua residência em Caia. Duas vezes, em Dezembro e em Janeiro deste ano, mas sempre a desencontramo-nos. Depois ficou ele a cuidar do meu irmão que em passagem para Nampula o carro avariou em Caia. Idílio me ligou dizendo: Mano, não é em vão que estou aqui!
Caíram-me lágrimas quando na Sexta-feira dia 16 de Abril, logo de manha recebi a mensagem de Manuel Machaze informando-me da infelicidade. Não acreditei, fiz algumas chamadas, mas tinha realmente acontecido. Chorei. Não podia acreditar. E foi comunicando-me com alguns colegas: O Vasco Mambo, o Machaze, o Amosse, o Danny Boy, o Dambujo, a Bibi, o Macie e outros. Ninguém acreditou. Mas tínhamos que encarar a realidade. Cada um tentou se lembrar dos maus e bons momentos que juntos vivemos e isso deixou-nos tristes.
Agora que te foste grande amigo, sem dizer adeus. Sem dar-nos tempo de pararmos e reflectirmos o longo caminho que percorremos desde o primeiro dia que abraçamos esta jornada. Ficam saudades, ficam mágoas, ficam lágrimas e remorsos.
Podíamos ter sido um pouco mais atentos, mais atenciosos, para perceber que tudo estava rápido demais e que algo estava prestes a acontecer. Podíamos ter mantido aquela corrente de energia, sempre ligada e a fluir. Quem sabe pudéssemos adiar o acontecimento. Podíamos ter impedido que do nada decidisses ir. Ir para um lugar que ninguém conhece. Decidiste ir sozinho, sem avisar ninguém e sem levar nada. Como quem se revolta de tudo que fez. Como quem quer dizer um basta a tudo que o rodeia.
Partiste Idílio e deixaste-nos uma grande lição. A lição do amor, da paciência, do cuidado e da atenção. Quem sabe, naquele dia que te foste estavas a precisar de um de nós e ninguém estava presente? Quem sabe tentaste falar com alguém e ninguém te respondeu? Quem sabe Idílio, quem sabe se nos não fomos suficientemente atentos para te escutar nosso caro amigo?
Tentaremos aprender contigo e guardaremos intacta a tua memória. Por tudo que tu foste. Por tudo que nós vivemos juntos e por tudo que tu nos ensinaste. Tentaremos escutar a tua voz e olharemos para o futuro com mais amor. Quem sabe isso te imortalize amigo Gonzaga. Quem sabe isso te console amigo Gonzaga. Quem sabe isso te faça viver mais uma vez amigo Gonzaga.
Descanse em paz meu irmão.
Descanse em paz e que Deus te guarde até ao dia em que mais uma vez nos encontraremos e ninguém mais nos separará!
Paz
Custódio Duma