Se por necessidade não sei, mas criei uma relação puramente íntima com uma Pomba. Aqui, Pomba não é usado no seu sentido figurativo. Trata-se realmente de uma Pomba. Uma ave que a partir de uma altura decidiu passar as noites na janela do meu quarto.
Que me lembre, faz cerca de mês e meio que descobri a ave que me faz companhia no grande quarto onde passo todas as noites sozinho. Não sou casado.
Desde que descobri a Pomba comecei a ficar atento aos seus movimentos, normalmente ela chega a janela entre 18 a 19 horas da tarde e sai entre 5 e 6 horas da manhã, dependendo da temperatura do dia. Em um dia de forte chuva por exemplo ela só saiu da janela quando já passava das 8 horas da manhã.
Normalmente eu chego a casa depois das 20 horas. Acordo depois das 7 horas e entre as 8 e 9 horas saio de casa quando não tenho julgamentos ou algum outro programa que requeira a minha presença mais cedo.
Meu primeiro pensamento quando descobri a Pomba foi de que ela não tinha outro lugar para estar e a varanda do meu quarto não é fria. Então decidi não incomoda-la durante a noite nem manda-la embora. Pensei que tudo ficaria por ai e nada mais.
Mas a partir de uma dada altura fui descobrindo que a presença daquela Pomba na janela do meu quarto estava a mudar um pouco os meus hábitos, assim também a minha rotina.
Para começar, nos últimos dias acordo sempre antes das 6 horas da manhã, isso porque a Pomba quando quer levantar o seu voo, bate as asas e faz um som que imediatamente me acorda. Passei a acordar um pouco mais cedo e isso é muito bom, eu acho.
Lembro que em algumas noites já despertei em alta hora e procurar ver se a Pomba estava lá. Quando saio a noite por exemplo, independentemente da hora em que chego a casa sempre procuro verificar se ela está lá.
No final do dia, sempre que chego a casa, ela é uma das primeiras coisas que quero ver. Quero ver a Pomba na janela e quando ela lá estiver fico feliz. Hoje, incentivei-me a escrever este texto porque cheguei exactamente as 18 e 30 minutos em casa e a Pomba não estava lá. Fiquei preocupado, não falei com ninguém mas o meu pensamento era: “onde está a Pomba?”.
Até aqui não tinha imaginado que eu haveria de me preocupar com ela, a ponto de querer saber onde ela estava, o que estava a acontecer com ela, se ela achou outra janela ou se algo de mal pode ter acontecido com ela. Na verdade, não se trata de uma simples Pomba, trata-se de uma Pomba que não é minha mas que passa as noites na janela do meu quarto. Trata-se da minha companheira.
Posso imaginar que ela sabe alguma coisa de mim. Já deve ter percebido a hora em que chego a casa, os movimentos que faço no quarto e a hora em que me deito. Certamente que ela já deve ter o conhecimento das músicas que escuto e já deve ter percebido que dificilmente me deito antes de ligar uma máquina que chamo de computador e concentro-me nela por minutos.
Posso imaginar que a Pomba já me conhece de fato, de calções, de biqui e até mesmo nu, pois sempre deixo a cortina aberta para usufruir da vista parcial da cidade de Maputo e nunca senti alguma vergonha dela.
Não sei o quanto a Pomba deve saber de mim. Se os animais pensam, eu não sei o que ela pensa de mim e nem posso imaginar se durante o dia ela encontra coisas que a lembrem de mim.
Será que as aves se lembram das coisas? Será que ela já encontrou durante os seus passeios uma cor parecida a das cortinas do meu quarto? Será que ela já ouviu algum som que a lembre o som dos meus blues? Ou da minha voz? Será que ela já viu uma pessoa, na rua, na estrada ou num jardim sentado que a lembrasse de mim?
O que deve estar na cabeça dela quando me vê a espreitar. Será que ela pensa que eu estou a querer ver se ela lá está? O que ela deve pensar da nossa relação? Será que ela acredita que eu aceitei que ela ficasse lá na janela? Até quando? Será que ela pensa? Imagina? Acredita? Espera?
Será que a Pomba que comigo dorme pensa em mim durante o dia? Será que ela almeja logo voltar a casa para me ver? Me espreitar? Será que quando ela chega procura ver se eu estou no quarto? Será que quando eu chego tarde a casa ela percebe? Ela percebe quando procuro ver se ela está ou não? E quando não espreito? Será que ela se zanga? E quando falo ao celular, a noite, será que ela imagina algo?
Cheguei a pensar em proporcionar algum conforto a pomba, para que ela se sinta bem e que tenha um óptima descanso. Para que tenha uma boa noite e para que sonhe com um dia seguinte muito lindo. Será que ela quer? Como é que saberei? Será que ela sabe que eu quero que ela fique? E se ela não saber? E se ela for se embora? Saberei encontra-la? Procurá-la? Onde? Ela não usa celular!
Seja o que for que esteja a acontecer, seja o que vier a acontecer, vivo uma relação muito forte e muito íntima com uma ave que passa as suas noites na janela do meu quarto. Agora percebo a raposa e o principezinho, pois para mim, aquela Pomba não é igual as outras.
Pensei em dar um nome a essa Pomba, mas que nome darei? De alguém real? De alguém que eu goste? De uma personagem bíblica? De uma novela? De uma namorada? Da Primeira Ministra ou da Primeira dama que é a mulher mais poderosa deste país?
Etta Jones, Etta Jones é o nome para essa Pomba, pura e simplesmente porque ela é a autora de uma música que eu gostaria de dançar na noite das minhas núpcias.