quarta-feira, 30 de maio de 2007

Quando a África Acordar do Sono…

Quando a África acordar do sono, eu já não estarei por perto. Contudo, os que estiverem por perto, saberão valorizar o esforço, o empenho e a fé daqueles que acreditaram que a África pode ser diferente.
Quando o continente despertar do sono, o que hoje é chamado de reaccionário, traidor e contra revolucionário será valorizado e coroado com o devido destaque. Não estarei por perto para com os meus olhos vermelhos da insónia reflectiva e molhados de lágrimas de felicidade poder ver a realização do eterno sonho africano.
África dorme num profundo sono. Um sono provocado pelos políticos que com a droga da ambição, anestesia da ganância e soníferos da pilhagem embalaram o grande continente na simulação de por ele estarem a lutar.
África dorme sem esperança de acordar tão já e todos os outros que podiam de alguma forma acordar a mãe África morrem de medo de serem vítimas de despedimentos ou desemprego, votam-se ao silencio no receio de virem a ser vitimas de balas perdidas.
Quando a África acordar, esses intelectuais filhos da mãe negra chorarão com lágrimas de remorso e peso de consciência. Quando a África despertar do seu sono eu já não estarei por perto para no peito do meu continente poder jubilar.
São enumeras as vezes em que participo da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Esta Comissão com sede em Banjul na Gâmbia, pode reunir-se em qualquer país que oferecer disponibilidade, a última Sessão aconteceu em Accra, Ghana, onde também tem dentro de poucos dias o Encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países Africanos.
Participei das Sessões em nome da organização em que trabalho, acreditando que ainda é possível o continente virar suas atenções para a situação dos direitos humanos. Essa organização obcecada pelos conteúdos dos pactos e protocolos internacionais, vai lutando cegamente na esperança de ver a implementação efectiva desses documentos ou pelo menos a sua reflexão nos programas nacionais de desenvolvimento ou então nas políticas publicas dos países africanos.
Fui com uma comunicação dupla: com uma parte sobre a situação nacional moçambicana dos direitos humanos e a outra parte sobre o impacto da crise do Zimbabwe no nosso país. É que o meu humilde entendimento, compreende os direitos humanos como universais e indivisíveis, o que significa que não se pode garantir um direito em prejuízo doutro, nem se deve garantir direitos para umas pessoas em prejuízo doutras ou mesmo sem também olhar por elas. Dai que Moçambique como Estado de Direito tem a obrigação de exigir responsabilidade ao Estado Zimbabweano e nós como sociedade civil temos a obrigação de exigir ao Governo Moçambicano para que se posicione quanto ao Zimbabwe e que o Zimbabwe olhe para seus cidadãos sabendo que em Moçambique já se faz sentir a crise através de prostituição, crime, refugiados e outros.
Moçambique não se fez representar na Comissão, alias, faz muito que não marca presença nem remete os relatórios obrigatórios que deveria de dois em dois anos. Zimbabwe esteve em peso e remeteu um relatório fantástico, em que só um extra terrestre seria capaz de comprar o seu conteúdo, pois os representantes daqueles Estado optaram pela arrogância, mentira e falsidade ocultando a verdadeira realidade daquele país que Samora Machel, bem perto da sua morte, mencionou ser um dos mais prósperos de África.
Também esteve presente a delegação de Angola e felizmente a minha comunicação também abrangia aquele país irmão, dado que suas ONGs não tinham ainda permissão para falar perante a Comissão.
Tudo o que a Comissão pode fazer é escutar as comunicações e as queixas da sociedade civil, tanto nacional ou internacional e, se achar pertinente, ou achar-se em dúvida sobre algo, questionar os Estados ou emitir respectivas recomendações que devem ser levadas a sério pelos países. Mas as recomendações nunca são levadas a sério. Afinal quem manda na Comissão são os próprios Chefes dos Estados e dos Governos. Eles decidem o destino desse órgão da União Africana e muitas vezes chegam a ridicularizar os seus posicionamentos.
A União Africana criou um Tribunal Africano esse órgão, melhor do que a Comissão, tem poderes jurisdicionais e pode levar os Estados a juízo, contudo, será um órgão nominativo, na medida em que não será tão já que poderá servir aos africanos. É que para encaminhar casos ao Tribunal, os indivíduos e as organizações da sociedade civil precisam que os Estados em que estão baseados assim o declarem. Até agora somente dois países africanos tomaram esse posicionamento. Moçambique embora tenha ratificado o protocolo, longe está de fazer a tal declaração. O que quer dizer que temos um tribunal que não podemos usar.
Quando África despertar do sono e entender que essas manobras só retardam o andamento do continente que já está atrasado no tempo, será tarde demais e a dinâmica do mundo já estará exigindo outros posicionamentos.
Receio que nos próximos cem anos ainda não estejamos em condições de competir com o mundo rumo ao desenvolvimento. É triste saber que menos de 30% da população africana se beneficia de luz eléctrica. É em África que reside o menor índice de escolaridade e maior índice de conflitos civis, envolvimento de crianças em guerras, proliferação de HIV e Sida, corrupção e ganância pelo poder. Muitas vezes até indivíduos da sociedade civil chegam a renunciar seus ideias por ambicionarem o poder político.
Quando a África acordar do sono e encontrar-se como continente que precisa estar em pé e caminhar pelos seus próprios pés eu já não estarei por perto e faço votos para que os que lá estiverem lembre-se que muitos acreditaram nesse sonho.
Sinto muito para presidentes da geração de Mugabe e José Eduardo dos Santos que pensam terem nascido para se manterem no poder até a morte. Querem sair do palácio para a praça dos heróis. Sinto muito porque a sua manutenção no poder é sustentada pela pobreza, desgraça e miséria do povo.
Queria ver minha África acordar.